Bom dia!
enquanto escrevo sobre "Amor e outras drogas", deixo aqui algumas fotos de graffitis. Estou numa fase bastante deslumbrada pelas intervenções urbanas. Espero que gostem.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sábado, 29 de janeiro de 2011
Em Algum Lugar - Sofia Coppola
Parece haver um interesse em comum nos últimos filmes de Sofia: a desmistificação de certos símbolos. No caso de Maria Antonieta o interesse era mostrar que por trás do título de realeza e dos livros de história, a personagem mulher era mais complexa e sua vida continha mais do que algumas falas lendárias. Não vou entrar no mérito deste filme inteiramente e apenas dizer que, assim como em Somewhere, acredito que Sofia falhou e exagerou em seu intuito de subverter os valores estabelecidos.
“Em algum lugar” narra através de sequencias longas e um tanto entediantes alguns dias na vida de um famoso ator de Hollywood. Stephen Dorf interpreta Johnny Marco, que parece estar em meio ao período de divulgação de seu mais novo filme e disfrutando de diversas regalias, tais como um carro esporte, uma assessora que o telefona sempre que há algum compromisso, viagens pagas, estadia num hotel luxuoso e exclusivo, etc.
O filme é dividido em dois momentos, um prólogo de introdução ao personagem, onde presenciamos sua entediante existência e o período em que sua filha de 11 anos fica hospedada com ele. As três primeiras sequências do filme, uma antes dos créditos e duas logo depois já nos dão de bandeja informações que servirão como base de todo o resto. Na primeira, Johnny gira em círculos com seu carro numa estrada deserta, quase como numa metáfora de sua vida, que não o está levando a lugar nenhum, que é apenas um girar sem propósito. Logo depois, temos a cena em que Johnny machuca o pulso, levando-o ao gesso no braço que o acompanhará por quase toda a narrativa, também possivelmente uma metáfora deste imprisionamento, desta condição transitória, e a cena das gêmeas loiras dançando uma coreografia sexy para Johnny enquanto este adormece. É isso. Nestas três cenas temos um resumo bastante preciso do que veremos no resto do filme: tédio e banalidade que tentam ser mais do que isso.
Acho bacana esta motivação de apresentar um ator de Hollywood como apenas mais uma pessoa, com questões semelhantes as de qualquer um e de subverter a crença de que por este ser rico e rodeado de mordomias, seria uma pessoa feliz e completa. Nem mesmo interessante ele é. Sofia quer mostrar que não existe o glamour que as pessoas pensam. É uma vida bastante vazia. E solitária. Por mais que haja uma mulher por dia, pelo menos, se oferecendo a ele, no fim da noite, ele está sozinho novamente. Até sexo se tornou desinteressante para esta personagem.
Ok. Tais motivações ficaram claras, mas a que custo?
O tempo narrativo vagaroso, os planos sem conteúdo e os diálogos banais dão forma a este tédio ensurdecedor do filme, que diferente de “Encontros e Desencontros”, não encontra nenhuma inspiração, nenhum tom de profundidade ou de aprendizado.
Além disso, outra questão que me incomoda bastante é o fato destes personagens serem tão desinteressantes. Não há carisma, não há nada que realmente mantenha o espectador na poltrona querendo assistí-los. E a tentativa de dar profundidade psicológica aos mesmos e de igualar seus problemas e inquietações aos de qualquer um não convence. Dá quase vontade de rir, quando a filha de Johnny chora e demonstra inseguranças e para lidar com isso ele vai para Las Vegas. “Tudo bem se atrasar um pouco, porque é só chamar um helicóptero pra buscá-los depois”. Essa posição de coitadinho não cola. As cenas e as atuações são rasas demais para que eu me comova com este ator entediado em seu carro esporte.
A relação de pai e filha, que deveria ser o ponto de transformação é levado a um nível tão banal que não possui a força necessária.
Alguns dos melhores momentos são os de interação deste ator com o cotidiano esdrúxulo relacionado a profissão: o programa de TV italiana, a conferência de imprensa, o molde para efeitos especiais, as fotos de promoção com sua colega de trabalho no filme, etc. Nisto, acho que o humor e a ironia ainda são um ponto forte da roteirista.
Quase tudo no filme pode ser justificado ou interpretado em um campo simbólico. Mas isso não o torna um bom filme. Apenas coerente.
A última cena ilustra bem a personagem, que parece saber que está sendo filmada e se comporta como num filme. Sai do carro no meio de uma estrada pois está deixando tudo pra trás, está indo se encontrar, está se livrando das amarras e das certezas, todos estes possíveis clichês.“Em algum lugar” narra através de sequencias longas e um tanto entediantes alguns dias na vida de um famoso ator de Hollywood. Stephen Dorf interpreta Johnny Marco, que parece estar em meio ao período de divulgação de seu mais novo filme e disfrutando de diversas regalias, tais como um carro esporte, uma assessora que o telefona sempre que há algum compromisso, viagens pagas, estadia num hotel luxuoso e exclusivo, etc.
O filme é dividido em dois momentos, um prólogo de introdução ao personagem, onde presenciamos sua entediante existência e o período em que sua filha de 11 anos fica hospedada com ele. As três primeiras sequências do filme, uma antes dos créditos e duas logo depois já nos dão de bandeja informações que servirão como base de todo o resto. Na primeira, Johnny gira em círculos com seu carro numa estrada deserta, quase como numa metáfora de sua vida, que não o está levando a lugar nenhum, que é apenas um girar sem propósito. Logo depois, temos a cena em que Johnny machuca o pulso, levando-o ao gesso no braço que o acompanhará por quase toda a narrativa, também possivelmente uma metáfora deste imprisionamento, desta condição transitória, e a cena das gêmeas loiras dançando uma coreografia sexy para Johnny enquanto este adormece. É isso. Nestas três cenas temos um resumo bastante preciso do que veremos no resto do filme: tédio e banalidade que tentam ser mais do que isso.
Acho bacana esta motivação de apresentar um ator de Hollywood como apenas mais uma pessoa, com questões semelhantes as de qualquer um e de subverter a crença de que por este ser rico e rodeado de mordomias, seria uma pessoa feliz e completa. Nem mesmo interessante ele é. Sofia quer mostrar que não existe o glamour que as pessoas pensam. É uma vida bastante vazia. E solitária. Por mais que haja uma mulher por dia, pelo menos, se oferecendo a ele, no fim da noite, ele está sozinho novamente. Até sexo se tornou desinteressante para esta personagem.
Ok. Tais motivações ficaram claras, mas a que custo?
O tempo narrativo vagaroso, os planos sem conteúdo e os diálogos banais dão forma a este tédio ensurdecedor do filme, que diferente de “Encontros e Desencontros”, não encontra nenhuma inspiração, nenhum tom de profundidade ou de aprendizado.
Além disso, outra questão que me incomoda bastante é o fato destes personagens serem tão desinteressantes. Não há carisma, não há nada que realmente mantenha o espectador na poltrona querendo assistí-los. E a tentativa de dar profundidade psicológica aos mesmos e de igualar seus problemas e inquietações aos de qualquer um não convence. Dá quase vontade de rir, quando a filha de Johnny chora e demonstra inseguranças e para lidar com isso ele vai para Las Vegas. “Tudo bem se atrasar um pouco, porque é só chamar um helicóptero pra buscá-los depois”. Essa posição de coitadinho não cola. As cenas e as atuações são rasas demais para que eu me comova com este ator entediado em seu carro esporte.
A relação de pai e filha, que deveria ser o ponto de transformação é levado a um nível tão banal que não possui a força necessária.
Alguns dos melhores momentos são os de interação deste ator com o cotidiano esdrúxulo relacionado a profissão: o programa de TV italiana, a conferência de imprensa, o molde para efeitos especiais, as fotos de promoção com sua colega de trabalho no filme, etc. Nisto, acho que o humor e a ironia ainda são um ponto forte da roteirista.
Quase tudo no filme pode ser justificado ou interpretado em um campo simbólico. Mas isso não o torna um bom filme. Apenas coerente.
Por essas e outras, é um pouco decepcionante ver como a diretora regrediu desde “Encontros e Desencontros”, que deveria ser uma evolução, já que foram escritos ao mesmo tempo e possuem temas tão próximos.
Ainda assim, acredito em seu potencial e fico ansiosa para descobrir um outro bom filme seu.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Festival do Rio 2010 - parte 2
Copacabana
Nome estranho para um filme francês… Diferente de possíveis expectativas, o título vem de um fascínio da personagem central, interpretada por Isabelle Hupert, por músicas brasileiras.
Um “feel good movie”, um filme “safe”, que não corre riscos. Conta a história de uma mulher nos seus 50 anos, que depois de ter viajado bastante, vivido muitas histórias e conhecido muitas pessoas, se vê no momento de conseguir um emprego para, dentre outros motivos, ser levada a sério por sua filha de 20 e poucos anos, que depois de ter vivido todo este tempo se deslocando, quer estabilidade e segurança e se possível, distanciar-se ao máximo dos modos liberais e espalhafatosos de sua mãe. É uma simples inversão de valores: a mãe, protótipo da ex hippie, que se veste alternativamente, deve dinheiro aos amigos e que não sabe lidar bem com responsabilidades, em oposição a filha, conservadora, que vai se casar com um cara certinho e que se sente envergonhada de ter uma mãe assim.
Chega o momento então de Isabelle Hupert provar para sua filha que pode ser uma pessoa responsável, confiável e que consegue manter um emprego por mais de uma semana. Para isso, acaba passando um pouco por cima de certos valores, mas de seu jeito se adapta a nova vida.
É bom ver um filme leve, de comédia com essa grande atriz francesa, que acaba muitas vezes presa ao esterótipo de papéis pesados e dramáticos.
A visão do Brasil segue deturpada e idealizada, como em tantos filmes estrangeiros, e o encaixe da trilha sonora na montagem, por sinal cheia de canções brasileiras ótimas, é um tanto deslocado, mostrando que apesar de haver um interesse, não há grande entendimento da nossa cultura.
Mais um filme francês que eu encaixo na categoria “Simpáticos” e que oferecem boa distração.
Cópia Fiel - isto é apenas uma pincelada no que pode ser dito sobre este filme.
Filme mais recente de Abbas Kiarostami, pelo qual Juliette Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, “Copie Conforme” como no original, envolve uma série de questões e possíveis reflexões, embaladas por atuações fantásticas, timing delicioso entre silêncios e falas, desenvoltura na relação entre os personagens, uma decupagem precisa e escolhas estéticas de luz e enquadramentos maravilhosas. Ainda preciso assistí-lo mais vezes para poder explorar melhor os temas abordados, mas de forma rasa, posso apontar a questão mais óbvia, tema do livro do ator masculino central: a arte e a relação entre a cópia e o original, que também acaba abordando a questão de autor e de gênio. Além disso, temos uma lenta transformação da relação dos personagens que acaba confundindo o espectador, que se perde entre invenção e realidade. Não sabemos mais se o que está acontecendo é um jogo entre os dois ou algo que não nos foi revelado. De qualquer forma, isto não parece ser algo importante e sim o simples fato desta mistura ser possível através do cinema. Que me traz a outro tema: ficção e documental, linha esta que sempre atraiu Kiarostami em sua forma de construir os filmes: seja através da escolha de não atores, ou da improvisação, ou o uso de câmeras digitais e o aspecto cru e espontâneo da imagem, ou o aparecimento da equipe de filmagem na tela, ou até mesmo o tema que parece forçar esta barreira, a obra de Kiarostami sempre esteve no limiar destas duas linguagens, nos mostrando que é impossível saber o que é real ou não e até mesmo que não existe o real, existe apenas representação.
Além de todas as questões, pode-se dizer, filosóficas, há a simples, que de simples não tem nada, relação entre o homem e a mulher, que parece ser a mais intrigante e misteriosa do filme.
Todos estes aspectos, combinados com os elementos técnicos que mencionei antes, se juntam para formar um filme excelente e delicioso de se assistir.
Cortina de Fumaça
Pode se dizer que o filme se divide em duas partes. A primeira metade é um estudo detalhado sobre o histórico e as diversas funções da Canabis, planta que dá origem a maconha. Desde seu uso religioso passando pelos medicinais e aos mais comerciais, esta seção do filme tenta desmentir certos mitos em torno da maconha, desbancando-os um por um e mostra que ela não apresenta tantos riscos e malefícios, como costuma ser divulgado na mídia. O filme mostra também que a planta faz parte da história do homem e chega a revelar que temos até mesmo uma parte do cérebro, de nossas ligações nervosas, voltada diretamente para receber impulsos da droga. Enfim, é interessante, mas em dado momento, a edição se concentra numa feira de produtos extraídos da canabis e o filme se prende a um lado da comercialização de seus subextratos por bastante tempo. Mais interessante é vermos médicos defendendo a planta como benéfica em diversos casos de doenças como câncer, dentre outras.
Curiosidades de lado, a conclusão desta primeira parte é que quase nunca temos todas as informações necessárias para julgarmos algo como bom ou ruim. Além disso, nem sempre esta, que é considerada uma droga prejudicial, apresenta realmente apenas malefícios para o homem. Ressalta-se também que, como muitos sabem, a maconha não apresenta riscos de overdose, não mata neurônios e causa bem menos danos que drogas legalizadas como o álcool ou o cigarro.
A partir daí, passamos para a segunda parte do filme, onde entramos numa discussão mais centralizada, que concerne o Rio de Janeiro, o Brasil e a legalização das drogas. Através de entrevistas com advogados, policiais, médicos e especialistas em geral, temos um panorama de diversas áreas e suas posições em relação ao sistema de proibição que vivemos hoje. Mais uma vez temos uma contextualização histórica interessante, que mostra o estopim da Guerra as drogas, iniciada por Nixon nos Estados Unidos nos anos 60. Acompanhamos a falta de informação por parte da mídia e a hipocrisia na forma de lidar com o tema, não só em nosso país como ao redor do mundo.
Podemos concluir instintivamente que dentre aqueles que não apóiam a legalização das drogas, existem as pessoas que têm medo do desconhecido, aquelas que lucram ou se beneficiam de certa forma com a proibição e as mais conservadoras que não querem nem ouvir falar do assunto. Infelizmente o filme não apresenta estes pontos de vista, que poderiam gerar uma discussão interessante e um confronto de argumentos, tanto favoráveis quanto desfavoráveis. Por ser unilateral e defender apenas o ponto de vista “liberal”, ele se apresenta como um manifesto, político e social, que se pretende como porta voz de uma mudança necessária no nosso modo de encarar o tema e se possível, um porta voz de mudanças no próprio sistema.
Para defender a liberação, temos argumentos como o de:
Liberdade de escolha – quando o dano é individual, cada um deve poder escolher o que fazer consigo mesmo.
O absurdo que é a situação em torno da legislação das drogas – quase sempre quem é preso são os bandidos menores, que superlotam cadeias e são facilmente substituídos na cadeia alimentar do tráfico. Sem contar que essas pessoas, quando soltas, não possuem nenhuma perspectiva de sair desta vida.
A maconha como principal foco do tráfico – sabe-se que a maior parte do consumo de drogas aqui é a maconha, que como demonstrado na primeira parte, não é esse bicho de sete cabeças. Os outros tipos são consumidos por cerca de 2% da população mundial e é um pouco absurdo criar legislações tentando controlar o que estes 2% fazem, ainda mais, em detrimento deles mesmos e não de outros.
A conclusão de que do jeito que está não dá – a luta entre polícia e traficantes é uma maneira injusta, cruel e ineficiente de conter os danos causados. Além disso, as próprias UPPs, que parecem apresentar uma forma um pouco melhor de combate, sem o uso excessivo da violência, é uma medida muito concentrada em favelas da Zona Sul.
Etc…
Não acho este assunto simples e não acredito em uma solução fácil, mas concordo que do jeito que está não dá. Ficar insistindo no erro não vai nos levar a lugar nenhum. Por isso, espero que o filme seja visto por muitos e possa gerar democratização da informação e debates e quem sabe, até propostas de mudança.
Curling
Denis Coté foi eleito por mim como o melhor convidado do Festival. Simpático, tranquilo, autosuficiente, engraçado e aberto para conversas de bar, Denis fez sucesso entre aqueles que trabalharam comigo no hotel ou pessoas do receptivo, que o acompanharam em suas atividades diárias. Conversamos sempre em francês. “Tenho que ter cuidado pra não falar rápido demais, senão você não vai entender nada” – disse ele me prevenindo de seu sotaque canadense de Montreal.
Aprendi um pouco sobre o panorama do cinema canadense, que aparentemente produz bastante, considerando o tamanho de seu país, ou melhor, de sua área, porque existe claramente, segundo ele, uma divisória entre a parte francofônica e a anglofônica.
Frequentador de festivais assíduo, Denis já viajou pra diversos países, mas era sua primeira vez no Brasil. Alto, com tatuagens em ambos os braços e bem branquinho, não se incomodou com o tempo fechado. “Não sou do tipo que adora praia.” Em contrapartida, se encantou em conversar sobre futebol bebendo cerveja Antartica no baixo Botafogo com autênticos brasileiros.
Mas vamos ao filme.
Curling é seu sexto longametragem e aquele que mais demorou para fazer. Os outros 5 foram realizados em 5 anos total e este demorou 3 anos desde o roteiro até ser finalizado. Denis diz não saber muito bem de onde sai a inspiração para escrever. Ele tem uma idéia meio solta e começa a desenvolver daí.
Basicamente o filme fala de dois personagens, pai e filha, que vivem a margem da sociedade. Pessoas alheias ao mundo que não sabem se relacionar muito bem com o que lhes é externo. A filha não vai a escola e é educada pelo pai, por isso não tem amigos. O pai é um homem calado, que trabalha num ringue de boliche.
Denis disse que, sendo um país muito frio, em que durante os meses do inverno quase ninguém quer sair nas ruas e um clima de tédio se instala, o Canadá é cheio dessas pessoas, que parecem se esconder em suas casas. Ficou intrigado com isso e resolveu criar algo em cima desta premissa.
O filme cria muito bem essa noção de distanciamento da realidade, através de seu timing, da troca entre silêncios e diálogos, da forma fria com a qual a menina fala da mãe chamando-a pelo nome (Rosie), dos estranhos rituais que os personagens mantêm em seus cotidianos, das atuações fantásticas dos dois que passam inexpressividade e quase indiferença através do olhar. Além disso, o filme nos oferece elementos de estranhamento que podem ser interpretados de diversas maneiras. Essa multiplicidade de interpretações e até mesmo a diversidade de gostos é algo que agrada Denis. “Eu adoro quando vejo que as pessoas estão pensando em coisas completamente diferentes sobre meu filme. Se em uma platéia de 200 pessoas, todas estiverem batendo palmas no final, aí sim temos um problema. Isso não seria normal.”
Ao longo do tempo, os personagens vão passando por mudanças sutis até chegarem a uma certa urgência de se aproximarem do mundo lá fora. Me agrada muito a autenticidade com a qual ele consegue tratar deste tema ligeiramente convencional (mudança do personagem) - através de um processo que é mostrado de forma delicada, ao mesmo tempo que estranha. Os planos e a fotografia em geral são lindos e bastante conscientes. A segunda cena, com os dois andando na beira de uma estrada enquanto neva muito é linda demais.
Tentei falar mais sobre o clima do filme e não de sua história, porque creio que é o ambiente que consegue passar a sensação de isolamento, mais do que qualquer coisa.
É um filme intrigante, com escolhas visuais marcantes e um tempo narrativo interessante, que merece ser visto.
Nome estranho para um filme francês… Diferente de possíveis expectativas, o título vem de um fascínio da personagem central, interpretada por Isabelle Hupert, por músicas brasileiras.
Um “feel good movie”, um filme “safe”, que não corre riscos. Conta a história de uma mulher nos seus 50 anos, que depois de ter viajado bastante, vivido muitas histórias e conhecido muitas pessoas, se vê no momento de conseguir um emprego para, dentre outros motivos, ser levada a sério por sua filha de 20 e poucos anos, que depois de ter vivido todo este tempo se deslocando, quer estabilidade e segurança e se possível, distanciar-se ao máximo dos modos liberais e espalhafatosos de sua mãe. É uma simples inversão de valores: a mãe, protótipo da ex hippie, que se veste alternativamente, deve dinheiro aos amigos e que não sabe lidar bem com responsabilidades, em oposição a filha, conservadora, que vai se casar com um cara certinho e que se sente envergonhada de ter uma mãe assim.
Chega o momento então de Isabelle Hupert provar para sua filha que pode ser uma pessoa responsável, confiável e que consegue manter um emprego por mais de uma semana. Para isso, acaba passando um pouco por cima de certos valores, mas de seu jeito se adapta a nova vida.
É bom ver um filme leve, de comédia com essa grande atriz francesa, que acaba muitas vezes presa ao esterótipo de papéis pesados e dramáticos.
A visão do Brasil segue deturpada e idealizada, como em tantos filmes estrangeiros, e o encaixe da trilha sonora na montagem, por sinal cheia de canções brasileiras ótimas, é um tanto deslocado, mostrando que apesar de haver um interesse, não há grande entendimento da nossa cultura.
Mais um filme francês que eu encaixo na categoria “Simpáticos” e que oferecem boa distração.
Cópia Fiel - isto é apenas uma pincelada no que pode ser dito sobre este filme.
Filme mais recente de Abbas Kiarostami, pelo qual Juliette Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, “Copie Conforme” como no original, envolve uma série de questões e possíveis reflexões, embaladas por atuações fantásticas, timing delicioso entre silêncios e falas, desenvoltura na relação entre os personagens, uma decupagem precisa e escolhas estéticas de luz e enquadramentos maravilhosas. Ainda preciso assistí-lo mais vezes para poder explorar melhor os temas abordados, mas de forma rasa, posso apontar a questão mais óbvia, tema do livro do ator masculino central: a arte e a relação entre a cópia e o original, que também acaba abordando a questão de autor e de gênio. Além disso, temos uma lenta transformação da relação dos personagens que acaba confundindo o espectador, que se perde entre invenção e realidade. Não sabemos mais se o que está acontecendo é um jogo entre os dois ou algo que não nos foi revelado. De qualquer forma, isto não parece ser algo importante e sim o simples fato desta mistura ser possível através do cinema. Que me traz a outro tema: ficção e documental, linha esta que sempre atraiu Kiarostami em sua forma de construir os filmes: seja através da escolha de não atores, ou da improvisação, ou o uso de câmeras digitais e o aspecto cru e espontâneo da imagem, ou o aparecimento da equipe de filmagem na tela, ou até mesmo o tema que parece forçar esta barreira, a obra de Kiarostami sempre esteve no limiar destas duas linguagens, nos mostrando que é impossível saber o que é real ou não e até mesmo que não existe o real, existe apenas representação.
Além de todas as questões, pode-se dizer, filosóficas, há a simples, que de simples não tem nada, relação entre o homem e a mulher, que parece ser a mais intrigante e misteriosa do filme.
Todos estes aspectos, combinados com os elementos técnicos que mencionei antes, se juntam para formar um filme excelente e delicioso de se assistir.
Cortina de Fumaça
Pode se dizer que o filme se divide em duas partes. A primeira metade é um estudo detalhado sobre o histórico e as diversas funções da Canabis, planta que dá origem a maconha. Desde seu uso religioso passando pelos medicinais e aos mais comerciais, esta seção do filme tenta desmentir certos mitos em torno da maconha, desbancando-os um por um e mostra que ela não apresenta tantos riscos e malefícios, como costuma ser divulgado na mídia. O filme mostra também que a planta faz parte da história do homem e chega a revelar que temos até mesmo uma parte do cérebro, de nossas ligações nervosas, voltada diretamente para receber impulsos da droga. Enfim, é interessante, mas em dado momento, a edição se concentra numa feira de produtos extraídos da canabis e o filme se prende a um lado da comercialização de seus subextratos por bastante tempo. Mais interessante é vermos médicos defendendo a planta como benéfica em diversos casos de doenças como câncer, dentre outras.
Curiosidades de lado, a conclusão desta primeira parte é que quase nunca temos todas as informações necessárias para julgarmos algo como bom ou ruim. Além disso, nem sempre esta, que é considerada uma droga prejudicial, apresenta realmente apenas malefícios para o homem. Ressalta-se também que, como muitos sabem, a maconha não apresenta riscos de overdose, não mata neurônios e causa bem menos danos que drogas legalizadas como o álcool ou o cigarro.
A partir daí, passamos para a segunda parte do filme, onde entramos numa discussão mais centralizada, que concerne o Rio de Janeiro, o Brasil e a legalização das drogas. Através de entrevistas com advogados, policiais, médicos e especialistas em geral, temos um panorama de diversas áreas e suas posições em relação ao sistema de proibição que vivemos hoje. Mais uma vez temos uma contextualização histórica interessante, que mostra o estopim da Guerra as drogas, iniciada por Nixon nos Estados Unidos nos anos 60. Acompanhamos a falta de informação por parte da mídia e a hipocrisia na forma de lidar com o tema, não só em nosso país como ao redor do mundo.
Podemos concluir instintivamente que dentre aqueles que não apóiam a legalização das drogas, existem as pessoas que têm medo do desconhecido, aquelas que lucram ou se beneficiam de certa forma com a proibição e as mais conservadoras que não querem nem ouvir falar do assunto. Infelizmente o filme não apresenta estes pontos de vista, que poderiam gerar uma discussão interessante e um confronto de argumentos, tanto favoráveis quanto desfavoráveis. Por ser unilateral e defender apenas o ponto de vista “liberal”, ele se apresenta como um manifesto, político e social, que se pretende como porta voz de uma mudança necessária no nosso modo de encarar o tema e se possível, um porta voz de mudanças no próprio sistema.
Para defender a liberação, temos argumentos como o de:
Liberdade de escolha – quando o dano é individual, cada um deve poder escolher o que fazer consigo mesmo.
O absurdo que é a situação em torno da legislação das drogas – quase sempre quem é preso são os bandidos menores, que superlotam cadeias e são facilmente substituídos na cadeia alimentar do tráfico. Sem contar que essas pessoas, quando soltas, não possuem nenhuma perspectiva de sair desta vida.
A maconha como principal foco do tráfico – sabe-se que a maior parte do consumo de drogas aqui é a maconha, que como demonstrado na primeira parte, não é esse bicho de sete cabeças. Os outros tipos são consumidos por cerca de 2% da população mundial e é um pouco absurdo criar legislações tentando controlar o que estes 2% fazem, ainda mais, em detrimento deles mesmos e não de outros.
A conclusão de que do jeito que está não dá – a luta entre polícia e traficantes é uma maneira injusta, cruel e ineficiente de conter os danos causados. Além disso, as próprias UPPs, que parecem apresentar uma forma um pouco melhor de combate, sem o uso excessivo da violência, é uma medida muito concentrada em favelas da Zona Sul.
Etc…
Não acho este assunto simples e não acredito em uma solução fácil, mas concordo que do jeito que está não dá. Ficar insistindo no erro não vai nos levar a lugar nenhum. Por isso, espero que o filme seja visto por muitos e possa gerar democratização da informação e debates e quem sabe, até propostas de mudança.
Curling
Denis Coté foi eleito por mim como o melhor convidado do Festival. Simpático, tranquilo, autosuficiente, engraçado e aberto para conversas de bar, Denis fez sucesso entre aqueles que trabalharam comigo no hotel ou pessoas do receptivo, que o acompanharam em suas atividades diárias. Conversamos sempre em francês. “Tenho que ter cuidado pra não falar rápido demais, senão você não vai entender nada” – disse ele me prevenindo de seu sotaque canadense de Montreal.
Aprendi um pouco sobre o panorama do cinema canadense, que aparentemente produz bastante, considerando o tamanho de seu país, ou melhor, de sua área, porque existe claramente, segundo ele, uma divisória entre a parte francofônica e a anglofônica.
Frequentador de festivais assíduo, Denis já viajou pra diversos países, mas era sua primeira vez no Brasil. Alto, com tatuagens em ambos os braços e bem branquinho, não se incomodou com o tempo fechado. “Não sou do tipo que adora praia.” Em contrapartida, se encantou em conversar sobre futebol bebendo cerveja Antartica no baixo Botafogo com autênticos brasileiros.
Mas vamos ao filme.
Curling é seu sexto longametragem e aquele que mais demorou para fazer. Os outros 5 foram realizados em 5 anos total e este demorou 3 anos desde o roteiro até ser finalizado. Denis diz não saber muito bem de onde sai a inspiração para escrever. Ele tem uma idéia meio solta e começa a desenvolver daí.
Basicamente o filme fala de dois personagens, pai e filha, que vivem a margem da sociedade. Pessoas alheias ao mundo que não sabem se relacionar muito bem com o que lhes é externo. A filha não vai a escola e é educada pelo pai, por isso não tem amigos. O pai é um homem calado, que trabalha num ringue de boliche.
Denis disse que, sendo um país muito frio, em que durante os meses do inverno quase ninguém quer sair nas ruas e um clima de tédio se instala, o Canadá é cheio dessas pessoas, que parecem se esconder em suas casas. Ficou intrigado com isso e resolveu criar algo em cima desta premissa.
O filme cria muito bem essa noção de distanciamento da realidade, através de seu timing, da troca entre silêncios e diálogos, da forma fria com a qual a menina fala da mãe chamando-a pelo nome (Rosie), dos estranhos rituais que os personagens mantêm em seus cotidianos, das atuações fantásticas dos dois que passam inexpressividade e quase indiferença através do olhar. Além disso, o filme nos oferece elementos de estranhamento que podem ser interpretados de diversas maneiras. Essa multiplicidade de interpretações e até mesmo a diversidade de gostos é algo que agrada Denis. “Eu adoro quando vejo que as pessoas estão pensando em coisas completamente diferentes sobre meu filme. Se em uma platéia de 200 pessoas, todas estiverem batendo palmas no final, aí sim temos um problema. Isso não seria normal.”
Ao longo do tempo, os personagens vão passando por mudanças sutis até chegarem a uma certa urgência de se aproximarem do mundo lá fora. Me agrada muito a autenticidade com a qual ele consegue tratar deste tema ligeiramente convencional (mudança do personagem) - através de um processo que é mostrado de forma delicada, ao mesmo tempo que estranha. Os planos e a fotografia em geral são lindos e bastante conscientes. A segunda cena, com os dois andando na beira de uma estrada enquanto neva muito é linda demais.
Tentei falar mais sobre o clima do filme e não de sua história, porque creio que é o ambiente que consegue passar a sensação de isolamento, mais do que qualquer coisa.
É um filme intrigante, com escolhas visuais marcantes e um tempo narrativo interessante, que merece ser visto.
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Festival do Rio
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Festival do Rio 2010
Chegou a hora de fazer uma revisão geral dos filmes do Festival. Por estar trabalhando no evento, e em decorrência disto, acordando as 6 da manhã quase todos os dias, não pude enviar um recorte diário atualizado, como muitos o estão fazendo com o Twitter.
É uma pena, por não poder indicar certos filmes a tempo que vocês possam ir, mas… é sempre tempo para procurarem, seja para assistir no cinema mais tarde quando estrearem, seja para alugar, ou baixar na internet.
Costumo colocar os filmes do Festival em categorias, para facilitar o trabalho, já que assisto em torno de 50 filmes.
Filmes Relaxantes . Filmes de Festival . Filmes Esquisitos . Filmes Simpáticos . Documentários...
Começo por um filme simpático:
“8 vezes de pé”, francês, é o primeiro longametragem de Xabi Molia. Misturando comédia e drama, tenta tratar com uma certa leveza a difícil vida de Elsa, que não consegue se integrar as necessidades do mundo cotidiano. Passa por situações um tanto quanto preocupantes: seja sendo despejada de sua casa por falta de pagamento, seja não conseguindo arranjar um emprego ou sendo desprezada por seu filho, que mora com o pai.
A abertura, que lembra algumas características de filmes como Juno, pelos desenhos e pela música alegre “indie”, não nos prepara para o lado mais triste de Elsa, interpretada por Julie Gayet. Mas nos indica a intenção do diretor de não se entregar a um tom dramático ou excessivo.
É um filme bastante simpático. Daqueles que poderiam muito bem estrear um tempo depois nos cinemas e atrair um número significativo de público, principalmente os que gostam de acompanhar o cinema francês. As atuações de Julie e de seu companheiro de tela, Denis Podalydes, estão muito boas e vemos facilmente a química entre os dois.
Ele é outro personagem que está a margem da sociedade. Prestes a ser despejado, também a procura de um emprego, um pouco excêntrico, cujo hobby é tiro ao arco, o personagem de Denis completa a dupla. Quando juntos, potencializam nossa empatia e dão força um ao outro, aliviando nossa tensão e arcando com o tom cômico do filme. Este tom de leveza e tristeza, este equilíbrio entre o riso e o choro é bem estabelecido e mantido ao longo do filme. A trilha sonora é ótima e nos incita a procurá-la para escutá-la mais vezes. Eu, particularmente, gosto de histórias que não cedem a uma visão fatalista dos acontecimentos. Mesmo não sendo um grande filme, é um desses que vou guardar na memória com carinho.
A oeste de Plutão
Fui assistir este filme por recomendação de duas pessoas, uma delas um diretor canadense de Montreal, Denis Coté, que me disse: é um filme pequeno, interessante e extremamente quebecquois (de Quebec – Canadá). Pode até ser que o filme seja um retrato fiel de um grupo de jovens de Quebec, mas como não tenho como fazer comparações por não conhecer este grupo, o que posso dizer é que ele é uma representação muito próxima do que entendo como o mundo da adolescência. Ou seja, se bem que possa expressar um universo particular, atinge também o universal.
Pra reduzir a descrição, digo que é um “Kids” bom. Detesto Kids… acho extremamente pretensioso e tendencioso na representação do adolescente. Já em “A oeste de plutão”, os diretores Henry Bernadet e Myriam Verreault não fetichizam (como Gus Van Sant costuma fazer), nem idealizam, nem demonificam os jovens. Tentam tratá-los com a complexidade que merecem, sem uma visão maniqueísta ou a usual caracterização de juventude perdida e irresponsável.
É um filme simples, filmado de forma simples com um roteiro simples. Um dia na vida de alguns jovens de classe média, entre 15 e 16 anos. Momentos sozinhos e em grupo, situações comuns. Um padrasto que anuncia que vai morar com você e sua mãe, escrever um poema para a menina que nem nota que você existe, jogar videogame com seus amigos, fofocar sobre meninos, ter discussões pseudo intelectuais na quadra de educação física, ensinar como se pega mulher, ensaiar uma música que você compôs, etc, Até chegar no momento auge: a festa na casa da menina com quem todos implicam, que está superlotada porque uma outra que costumava ser sua amiga convidou muito mais gente do que deveria e as consequências dos atos impulsivos que se darão ali.
Conseguimos então ter uma visão geral de suas atividades, inseguranças e motivações, assim como um egoísmo que parece intrínseco a esta idade. Personagens que não se preocupam com a consequência de seus atos, que não pensam antes de agir e principalmente, que fazem qualquer coisa quando em grupo. Viram rebanho a postos para seguir um líder, que nem precisa ser alguém diferenciado. É simplesmente alguém que tomou frente e tomou alguma atitude. Os outros só vão atrás.
E ao mesmo tempo que nos deparamos com essa adolescência inconsequente, vemos também que não se pode reduzi-los a isso. Que são pessoas inseguras, capazes de gentilezas, de reflexão, etc e que estão passando por um turbilhão de emoções.
Enfim, um filme bacana que deveria ser visto não só pelos jovens mas por todos. Quem sabe entendendo melhor uns aos outros, não estabelecemos uma melhor comunicação?
A woman, a gun and a noodleshop
Filme mais recente de Zhang Yimou e inspirado no roteiro original do primeiro longa dos irmãos Cohen, Blood Simple, “A woman…” continua caindo no meu apreço pelo cineasta. Não chega a ser um desastre total, como “A maldição da flor dourada” mas ainda está bem abaixo de “O Herói”, filme com o qual descobri o diretor e o qual me deu curiosidade para procurar trabalhos antigos. Apesar de extremamente conservador em sua mensagem, e quase propaganda política do governo, “O Herói” era um filme sensível que passava de mera estética e truques de efeitos especiais. A história e seus personagens eram envolventes e o desenrolar emocionante, além de um clima lúdico fascinante que permeava a narrativa.
Desde então, este posto de O Diretor propaganda chinês vem lhe custando bastante. “O Clã das adagas voadoras” parecia uma tentativa de continuação de estilo do filme anterior combinando agora um toque mais tradicional de melodrama. Quem pode esquecer as três vezes que Mei, interpretada por Zhang Ziyi, morre no fim? Depois disso veio um filme diferente desta vertente: Um longo caminho,
com temática mais simples, sem os efeitos especiais e ambientado na China atual. Excessões a parte, em 2006, Zhang Yimou lança o super melodramático, versão da peça Thunderstorm, de Cao Yu, ambientado durante a Dinastia Tang, “A maldição da flor dourada”. Exagerado em todos os sentidos, a imersão no gênero do melodrama resultou num filme longo e chato.
Finalmente chegamos em a “A woman a gun…”. Seguindo este caminho de cinema que deve agradar e atingir as massas, Zhang Yimou mistura a comédia pastelona e o melodrama, mas não consegue chegar aos pés da versão original da história. Não cria a tensão que os mal entendidos merecem, não gera empatia com nenhum dos personagens, nos tornando distantes e indiferentes ao que lhes ocorre, nem dá o peso necessário ao envolvimento entre os mesmos. O timing entre comédia e melodrama fica muito descompassado e exagerado para ambos os lados, sem que se encontrem no caminho.
Enfim, um filme que pode vir a ser divertido para alguns, mas que pra mim se reduz cada vez mais a estilo e não é bem sucedido em sua tentativa de misturar drama e comédia, tarefa realizada com maestria pelos Cohen Brothers.
Amores Imaginários
Segundo filme do badalado “recente talento descoberto” canadense, Xavier Dolan, “amores imaginários” foi uma decepção pra mim, que esperava um filme mais maduro e mais autoral.
Pensava que na segunda tentativa, Xavier poderia se desvencilhar do estilo exagerado que pega de cineastas como Gus Van Sant, Wong Kar Wai, Christophe Honoré dentre outros e criar algo, mesmo que antropofágico. Mas ao invés disso, ele deixa de lado o que mais apreciei em sua estréia, J’ai tué ma mere: uma explosão de sentimentos, algo de muito pessoal e sincero, que muitas vezes se torna auto indulgente e de extrema arrogancia, mas que em outras mostra a fragilidade e a sensibilidade de Xavier. Eu matei minha mãe foi escrito quando ele ainda tinha 16 anos e realizado quando tinha 18. Agora, após o lançamento do segundo, Xavier está com 21 anos e parece deslumbrado com as possibilidades técnicas que um orçamento maior traz, mais do que qualquer coisa. Ao invés de se aprofundar na honestidade do tema que vai tratar, permanece constantemente na superfície, preenchendo os 95 minutos de filme apenas com câmeras lentas wong karwainianas, closes de rapazes gusvansatianos, luzes coloridas godardianas etc. Creio que 80% do filme é pura estética, se não mais. 80% de câmera lenta, quadros tortos, enquadramentos de quina ou que preenchem um terço da tela, de cenas videoclípticas. Cansativo para aqueles que buscam algum conteúdo.
Reconheço que essa futilidade vai atrair um grande público, que vai se identificar com o estilo, vai achar bonito e sensível, que seja. Mas pra mim, isto que poderia ser um ensaio interessante sobre a rejeição virou um discurso super estetizado de um ainda adolescente mimado. A única diferença é que ele agora mora sozinho.
Costumo colocar os filmes do Festival em categorias, para facilitar o trabalho, já que assisto em torno de 50 filmes.
Filmes Relaxantes . Filmes de Festival . Filmes Esquisitos . Filmes Simpáticos . Documentários...
Começo por um filme simpático:
“8 vezes de pé”, francês, é o primeiro longametragem de Xabi Molia. Misturando comédia e drama, tenta tratar com uma certa leveza a difícil vida de Elsa, que não consegue se integrar as necessidades do mundo cotidiano. Passa por situações um tanto quanto preocupantes: seja sendo despejada de sua casa por falta de pagamento, seja não conseguindo arranjar um emprego ou sendo desprezada por seu filho, que mora com o pai.
A abertura, que lembra algumas características de filmes como Juno, pelos desenhos e pela música alegre “indie”, não nos prepara para o lado mais triste de Elsa, interpretada por Julie Gayet. Mas nos indica a intenção do diretor de não se entregar a um tom dramático ou excessivo.
É um filme bastante simpático. Daqueles que poderiam muito bem estrear um tempo depois nos cinemas e atrair um número significativo de público, principalmente os que gostam de acompanhar o cinema francês. As atuações de Julie e de seu companheiro de tela, Denis Podalydes, estão muito boas e vemos facilmente a química entre os dois.
Ele é outro personagem que está a margem da sociedade. Prestes a ser despejado, também a procura de um emprego, um pouco excêntrico, cujo hobby é tiro ao arco, o personagem de Denis completa a dupla. Quando juntos, potencializam nossa empatia e dão força um ao outro, aliviando nossa tensão e arcando com o tom cômico do filme. Este tom de leveza e tristeza, este equilíbrio entre o riso e o choro é bem estabelecido e mantido ao longo do filme. A trilha sonora é ótima e nos incita a procurá-la para escutá-la mais vezes. Eu, particularmente, gosto de histórias que não cedem a uma visão fatalista dos acontecimentos. Mesmo não sendo um grande filme, é um desses que vou guardar na memória com carinho.
A oeste de Plutão
Fui assistir este filme por recomendação de duas pessoas, uma delas um diretor canadense de Montreal, Denis Coté, que me disse: é um filme pequeno, interessante e extremamente quebecquois (de Quebec – Canadá). Pode até ser que o filme seja um retrato fiel de um grupo de jovens de Quebec, mas como não tenho como fazer comparações por não conhecer este grupo, o que posso dizer é que ele é uma representação muito próxima do que entendo como o mundo da adolescência. Ou seja, se bem que possa expressar um universo particular, atinge também o universal.
Pra reduzir a descrição, digo que é um “Kids” bom. Detesto Kids… acho extremamente pretensioso e tendencioso na representação do adolescente. Já em “A oeste de plutão”, os diretores Henry Bernadet e Myriam Verreault não fetichizam (como Gus Van Sant costuma fazer), nem idealizam, nem demonificam os jovens. Tentam tratá-los com a complexidade que merecem, sem uma visão maniqueísta ou a usual caracterização de juventude perdida e irresponsável.
É um filme simples, filmado de forma simples com um roteiro simples. Um dia na vida de alguns jovens de classe média, entre 15 e 16 anos. Momentos sozinhos e em grupo, situações comuns. Um padrasto que anuncia que vai morar com você e sua mãe, escrever um poema para a menina que nem nota que você existe, jogar videogame com seus amigos, fofocar sobre meninos, ter discussões pseudo intelectuais na quadra de educação física, ensinar como se pega mulher, ensaiar uma música que você compôs, etc, Até chegar no momento auge: a festa na casa da menina com quem todos implicam, que está superlotada porque uma outra que costumava ser sua amiga convidou muito mais gente do que deveria e as consequências dos atos impulsivos que se darão ali.

Conseguimos então ter uma visão geral de suas atividades, inseguranças e motivações, assim como um egoísmo que parece intrínseco a esta idade. Personagens que não se preocupam com a consequência de seus atos, que não pensam antes de agir e principalmente, que fazem qualquer coisa quando em grupo. Viram rebanho a postos para seguir um líder, que nem precisa ser alguém diferenciado. É simplesmente alguém que tomou frente e tomou alguma atitude. Os outros só vão atrás.
E ao mesmo tempo que nos deparamos com essa adolescência inconsequente, vemos também que não se pode reduzi-los a isso. Que são pessoas inseguras, capazes de gentilezas, de reflexão, etc e que estão passando por um turbilhão de emoções.
Enfim, um filme bacana que deveria ser visto não só pelos jovens mas por todos. Quem sabe entendendo melhor uns aos outros, não estabelecemos uma melhor comunicação?
A woman, a gun and a noodleshop
Filme mais recente de Zhang Yimou e inspirado no roteiro original do primeiro longa dos irmãos Cohen, Blood Simple, “A woman…” continua caindo no meu apreço pelo cineasta. Não chega a ser um desastre total, como “A maldição da flor dourada” mas ainda está bem abaixo de “O Herói”, filme com o qual descobri o diretor e o qual me deu curiosidade para procurar trabalhos antigos. Apesar de extremamente conservador em sua mensagem, e quase propaganda política do governo, “O Herói” era um filme sensível que passava de mera estética e truques de efeitos especiais. A história e seus personagens eram envolventes e o desenrolar emocionante, além de um clima lúdico fascinante que permeava a narrativa.
Desde então, este posto de O Diretor propaganda chinês vem lhe custando bastante. “O Clã das adagas voadoras” parecia uma tentativa de continuação de estilo do filme anterior combinando agora um toque mais tradicional de melodrama. Quem pode esquecer as três vezes que Mei, interpretada por Zhang Ziyi, morre no fim? Depois disso veio um filme diferente desta vertente: Um longo caminho,

Finalmente chegamos em a “A woman a gun…”. Seguindo este caminho de cinema que deve agradar e atingir as massas, Zhang Yimou mistura a comédia pastelona e o melodrama, mas não consegue chegar aos pés da versão original da história. Não cria a tensão que os mal entendidos merecem, não gera empatia com nenhum dos personagens, nos tornando distantes e indiferentes ao que lhes ocorre, nem dá o peso necessário ao envolvimento entre os mesmos. O timing entre comédia e melodrama fica muito descompassado e exagerado para ambos os lados, sem que se encontrem no caminho.
Enfim, um filme que pode vir a ser divertido para alguns, mas que pra mim se reduz cada vez mais a estilo e não é bem sucedido em sua tentativa de misturar drama e comédia, tarefa realizada com maestria pelos Cohen Brothers.
Amores Imaginários
Segundo filme do badalado “recente talento descoberto” canadense, Xavier Dolan, “amores imaginários” foi uma decepção pra mim, que esperava um filme mais maduro e mais autoral.
Pensava que na segunda tentativa, Xavier poderia se desvencilhar do estilo exagerado que pega de cineastas como Gus Van Sant, Wong Kar Wai, Christophe Honoré dentre outros e criar algo, mesmo que antropofágico. Mas ao invés disso, ele deixa de lado o que mais apreciei em sua estréia, J’ai tué ma mere: uma explosão de sentimentos, algo de muito pessoal e sincero, que muitas vezes se torna auto indulgente e de extrema arrogancia, mas que em outras mostra a fragilidade e a sensibilidade de Xavier. Eu matei minha mãe foi escrito quando ele ainda tinha 16 anos e realizado quando tinha 18. Agora, após o lançamento do segundo, Xavier está com 21 anos e parece deslumbrado com as possibilidades técnicas que um orçamento maior traz, mais do que qualquer coisa. Ao invés de se aprofundar na honestidade do tema que vai tratar, permanece constantemente na superfície, preenchendo os 95 minutos de filme apenas com câmeras lentas wong karwainianas, closes de rapazes gusvansatianos, luzes coloridas godardianas etc. Creio que 80% do filme é pura estética, se não mais. 80% de câmera lenta, quadros tortos, enquadramentos de quina ou que preenchem um terço da tela, de cenas videoclípticas. Cansativo para aqueles que buscam algum conteúdo.
Reconheço que essa futilidade vai atrair um grande público, que vai se identificar com o estilo, vai achar bonito e sensível, que seja. Mas pra mim, isto que poderia ser um ensaio interessante sobre a rejeição virou um discurso super estetizado de um ainda adolescente mimado. A única diferença é que ele agora mora sozinho.
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quarta-feira, 15 de setembro de 2010
A experiência cinematográfica de Brilho de Uma paixão
Ao conversar com alguns amigos, fiz uma reflexão sobre quais os melhores filmes que assisti no cinema este ano. Fora de mostras, claro, porque senão Ozu iria ganhar diversos lugares nesta lista.
Os filmes que identifiquei como mais marcantes foram:
O Mensageiro
Direito de Amar
A Fita Branca
O Brilho de uma paixão
Ok, certamente existem alguns outros, mas a lista não cresce muito não.
É sobre este último mencionado que quero falar. Aproveitando que ainda está em cartaz e dá tempo para os que se interessarem ir ver.
Bright Star, nome original, é dirigido por Jane Campion, australiana e realizadora de filmes conhecidos como Um Anjo em Minha Mesa e o premiado O Piano. Não sou grande conhecedora de seus trabalhos prévios. Na verdade só assisti este primeiro mencionado, na edição em DVD da Lume Filmes, e é lindo. Conta a difícil história de uma das maiores escritoras da Nova Zelândia, a poeta Janet Frame.
Tendo visto este, já sabia que Campion é uma cineasta bastante sensorial, que sabe usar as cores para intensificar sensações e sentimentos.
“O Brilho de uma paixão” é inspirado em uma história que se passou em torno de 1820, nos últimos anos de vida do poeta inglês John Keats, quando se apaixona pela “estilista” Fanny Brawne.
Acho que quando gosto demais de um filme, minha palavras se tornam cada vez mais fracas para descreve-lo... Então aviso que tudo que disser são fragmentos de impressões que nunca serão comparáveis à emoção que foi assistir ao filme, as duas vezes.
A primeira característica que me sobressai é o fato de se tratar de um filme de época, mas sem as pretensões comuns a este gênero. Há um intimismo na forma de retratar os personagens e seus arredores, sem os planos abertos das paisagens, ou dos grandes salões de dança, e sem representar o cinismo da burguesia e a burocracia tão presentes. Não há a intenção de ensinar história, apesar de obviamente podermos captar diversos aspectos da época através dos hábitos, dos cenários e de certos diálogos. Há somente a intenção de nos mostrar, com sutileza e delicadeza, a transformação destes dois, Keats e Brawne, à medida que o sentimento vai crescendo em ambos. Como mencionam, eles criaram um mundo paralelo ao mundo real que é só deles, e é este o mundo que o filme nos apresenta.
Esta subjetividade pode ser percebida de diversas maneiras. O uso das cores é mais uma vez magnífico. Belos campos de flores, roupas ou borboletas que saltam aos nossos olhos. A luz é tão natural, deixando os interiores com uma sensação gostosa de sol. A sensorialidade está em tudo. Desde momentos em que algum personagem está acariciando o gato da família, até quando Fanny, deitada em sua cama, sente o vento adentrar a janela. O super close é outro aspecto que ajuda muito nesse sentido e nos possibilita observar contornos, desenhos e movimentos com maior privilégio.
Um dos momentos cruciais para o entendimento do filme e do próprio Keats é quando Fanny lhe pergunta sobre a arte do poeta. Ele lhe responde que o poeta não é nada poético. Fala que a arte (craftsmanship) de escrever poesia é uma fraude, pois ele só se vale daquilo que vem de inspiração, que não pode conter. E quando ela lhe diz que não entende poesia, ele simplesmente fala que poesia é algo que se deve entender através dos sentidos. “Não se entra num lago imediatamente para chegar ao outro lado. E sim para deleitar-se no estar na água. Não se compreende estar num lago, sente-se. É uma experiência além da imaginação”. E completa: “a poesia te abranda, e te ajuda a aceitar os mistérios”.
E isso pra mim, fala muito da minha experiência com o cinema e com este filme.
Não dá para descrever o amor. Pôr em palavras ou diálogos. Muitas vezes apreendemos mais o romance de um casal pelas cenas comuns do dia a dia do que em declarações apaixonadas.
Sabemos desde o início que o amor dos dois é algo impossível, pelos parâmetros da época. Mesmo com a confirmação disso, a tristeza não predomina. Predomina a certeza de que eles viveram cada momento juntos. Como Keats fala do seu sentimento em relação à poesia, é um constante estar no momento. E diversos planos do filme são exatamente isso. Não são ações representativas ou informativas sobre os personagens. São apenas um estar no momento.
Não vou chegar a uma conclusão dos fatos, porque tudo isso são impressões. Porém, posso ir chegando ao fim. Bright Star te abre os poros para aceitar as sensações, os olhos para que a luz suave do dia penetre as retinas e os ouvidos para que os poemas de Keats te deslumbrem. Sons e violinos e cores com formas que te preenchem indescritivelmente.
Realmente uma experiência cinematográfica.
Como apêndice, deixo aqui a transcrição do poema de Keats: Bright Star.
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors--
No--yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever--or else swoon to death.
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terça-feira, 14 de setembro de 2010
Voltando aos poucos parte 1
Bom dia!
Resolvi escrever um pouco sobre cada manifestação cultural cinematográfica que está ocorrendo na cidade.
Um pouco sobre a Mostra Faróis na Caixa Cultural, um pouco sobre a Mostra Noir no Moreira Sales e sobre a Exibição da Obra Completa de Pedro Costa no CCBB.
Ainda escreverei sobre alguns filmes que estão em cartaz no circuito normal.
Para começar, Pouco a Pouco, de Jean Rouch, filme que fui assistir na Caixa sábado passado a tarde.
Petit a Petit é o nome da empresa fictícia de um grupo de habitantes da cidade de Niamey, em Níger. Jean Rouch, para quem não conhece, era um etnólogo francês, nascido em 1917, que nos anos 50 começa a se aventurar no universo do cinema. Diretor dos renomeados Mestres Loucos (Les Maitres Fous), Jaguar, Eu - um negro (Moi – un noir) e Crônica de um verão (Chronique d’été), Petit a Petit foi um filme mais tardio. 1970.
Outra informação importante que devo fornecer para aqueles que estão começando a ouvir falar de Rouch é que seu cinema nunca foi muito definido entre ficção e documentário. Há características de ambos em seus filmes. Hoje em dia, este tipo de divisória nem faz mais tanto sentido, mas deixe eu só explicar porque esta questão é forte aqui. Ao mesmo tempo que Jean Rouch documentava aspectos reais da vida de seus personagens, criava uma linha narrativa fictícia. Era como se ele chegasse no local, conhecesse as pessoas, se integrasse as suas vidas e depois criasse uma historieta intrincada com as funções e atividades já exercidas por estas pessoas. Não bastasse esta mistura, num de seus primeiros filmes, Jaguar, quando estava na mesa de montagem, Rouch pediu para os “atores” irem ao estúdio comentarem as cenas. Esta improvisação, que as vezes recriava as falas anteriores e outras eram comentários sobre o lugar, os hábitos e eles mesmos, revelava ainda mais esse universo que o etnólogo queria mostrar.
Dito isso, Pouco a Pouco é um filme mais ficcional do que os outros. Cria-se uma empresa fictícia de importação e exportação que dá origem ao título do filme. A trama gira em torno do fato de que Damouré, o chefe do grupo, ao saber que uma cidade vizinha terá um prédio de vários andares, quer porque quer construir um também, se possível, ainda maior, em Niamey. Esta é a motivação inicial que vai gerar oportunidade do filme nos mostrar o que ele realmente pretende.
Niamey é uma cidade desprovida de prédios. Seus habitantes vivem próximo aos animais, pescam e caçam para se alimentar, enfim… têm uma realidade bastante diferente de uma grande cidade.
E quando Damouré fica com essa idéia fixa de construir um prédio de muitos andares, parte para Paris para conversar com arquitetos que possam desenhar as plantas do mesmo.
Agora sim, chegamos. O contraste. Desde que Damouré põe os pés num taxi, fora do aeroporto, já começa a sentir as diferenças gritantes. Ele diz que as ruas são todas parecidas. Depois, num ponto alto de Paris, observa-a e faz um comentário extremamente importante: “La Tout Eiffell c’est pas Paris”. Paris não é a Torre Eiffell. A torre Eiffell está ai, mas Paris não é isso. Nem aquela igreja que eu não lembro o nome, nem a Champs Elysée. Paris não é nada disso. A gente fica recebendo apenas os cartões postais com essas imagens, mas não é nada disso.
Claramente desapontado, Damouré começa uma investigação num formato comum ao cinema direto (modelo de documentário). Sai pelas ruas com uma câmera ao seu lado, fazendo perguntas aos parisienses.
Através disso, o personagem vai fazendo críticas as vestimentas, as comidas, aos traços físicos e a falta de gentileza ou educação dos habitantes de Paris.
Acompanhamos também suas impressões sobre o clima e a própria estrutura do lugar. Ao observar o Rio Sena, diz que este está estrangulado. Sempre em comparações com Niamey. “Se parece com nosso rio, mas este está estrangulado”.
Apesar de suas críticas, Damouré não consegue conter o fascínio pela cidade que dizem ser a mais bela do mundo, lá em Níger e acaba adiando sua volta cada vez mais. Inventa sempre algum problema com o modelo do prédio, ou algo que precisa ser melhor definido.
Não quero ficar contando a história, ainda porque me parece o menos importante. O que mais me interessa é esse choque cultural e as interações entre pessoas de cada lugar.
O Amor é outro tema abordado, numa das conversas casuais dos personagens (africanos e franceses) e percebemos as diferentes visões: uma romântica e outra prática.
Como Rouch não é bobo e não queria fazer um trabalho incompleto, na segunda metade do filme, alguns personagens que foram encontrados na França partem para Niamey e agora temos o outro choque. As diferenças climáticas e comportamentais são tremendas. Há momentos muito engraçados pois a imagem reforça o ridículo que é a inserção de elementos estrangeiros em meio a paisagem selvagem da natureza africana. Objetos mesmo, como cadeiras ou roupas, etc.
E assim, chegamos a resolução do conflito. Os franceses vão embora e os africanos desistem de ficar tentando copiar tudo. Largam a empresa e falam para seus antigos companheiros: Pra que serve o dinheiro? Eu tenho tudo que preciso aqui. A gente nem sabe o que fazer com ele.Vamos criar a empresa “Les vieux cons” - Os Velhos Idiotas.
Eles nos mostram então como é errada a noção de atraso ou de que as grandes cidades sim são modelos de civilização ou que o sistema capitalista é o que deve ser seguido.
Para concluir então:
Pouco a Pouco é um filme construído nos moldes de uma ficção com não atores. Podemos constantemente perceber improvisações, risos de alguns e o conflito entre o ensaiado e o espontâneo. Construído numa linguagem ficcional as vezes e outras como reportagem ou câmera diário, o filme é uma ótima maneira de se descobrir esse universo tão distante do nosso e gerar interessantes discussões.
Resolvi escrever um pouco sobre cada manifestação cultural cinematográfica que está ocorrendo na cidade.
Um pouco sobre a Mostra Faróis na Caixa Cultural, um pouco sobre a Mostra Noir no Moreira Sales e sobre a Exibição da Obra Completa de Pedro Costa no CCBB.
Ainda escreverei sobre alguns filmes que estão em cartaz no circuito normal.
Para começar, Pouco a Pouco, de Jean Rouch, filme que fui assistir na Caixa sábado passado a tarde.
Petit a Petit é o nome da empresa fictícia de um grupo de habitantes da cidade de Niamey, em Níger. Jean Rouch, para quem não conhece, era um etnólogo francês, nascido em 1917, que nos anos 50 começa a se aventurar no universo do cinema. Diretor dos renomeados Mestres Loucos (Les Maitres Fous), Jaguar, Eu - um negro (Moi – un noir) e Crônica de um verão (Chronique d’été), Petit a Petit foi um filme mais tardio. 1970.
Outra informação importante que devo fornecer para aqueles que estão começando a ouvir falar de Rouch é que seu cinema nunca foi muito definido entre ficção e documentário. Há características de ambos em seus filmes. Hoje em dia, este tipo de divisória nem faz mais tanto sentido, mas deixe eu só explicar porque esta questão é forte aqui. Ao mesmo tempo que Jean Rouch documentava aspectos reais da vida de seus personagens, criava uma linha narrativa fictícia. Era como se ele chegasse no local, conhecesse as pessoas, se integrasse as suas vidas e depois criasse uma historieta intrincada com as funções e atividades já exercidas por estas pessoas. Não bastasse esta mistura, num de seus primeiros filmes, Jaguar, quando estava na mesa de montagem, Rouch pediu para os “atores” irem ao estúdio comentarem as cenas. Esta improvisação, que as vezes recriava as falas anteriores e outras eram comentários sobre o lugar, os hábitos e eles mesmos, revelava ainda mais esse universo que o etnólogo queria mostrar.
Dito isso, Pouco a Pouco é um filme mais ficcional do que os outros. Cria-se uma empresa fictícia de importação e exportação que dá origem ao título do filme. A trama gira em torno do fato de que Damouré, o chefe do grupo, ao saber que uma cidade vizinha terá um prédio de vários andares, quer porque quer construir um também, se possível, ainda maior, em Niamey. Esta é a motivação inicial que vai gerar oportunidade do filme nos mostrar o que ele realmente pretende.
Niamey é uma cidade desprovida de prédios. Seus habitantes vivem próximo aos animais, pescam e caçam para se alimentar, enfim… têm uma realidade bastante diferente de uma grande cidade.
E quando Damouré fica com essa idéia fixa de construir um prédio de muitos andares, parte para Paris para conversar com arquitetos que possam desenhar as plantas do mesmo.
Agora sim, chegamos. O contraste. Desde que Damouré põe os pés num taxi, fora do aeroporto, já começa a sentir as diferenças gritantes. Ele diz que as ruas são todas parecidas. Depois, num ponto alto de Paris, observa-a e faz um comentário extremamente importante: “La Tout Eiffell c’est pas Paris”. Paris não é a Torre Eiffell. A torre Eiffell está ai, mas Paris não é isso. Nem aquela igreja que eu não lembro o nome, nem a Champs Elysée. Paris não é nada disso. A gente fica recebendo apenas os cartões postais com essas imagens, mas não é nada disso.
Claramente desapontado, Damouré começa uma investigação num formato comum ao cinema direto (modelo de documentário). Sai pelas ruas com uma câmera ao seu lado, fazendo perguntas aos parisienses.
Através disso, o personagem vai fazendo críticas as vestimentas, as comidas, aos traços físicos e a falta de gentileza ou educação dos habitantes de Paris.
Acompanhamos também suas impressões sobre o clima e a própria estrutura do lugar. Ao observar o Rio Sena, diz que este está estrangulado. Sempre em comparações com Niamey. “Se parece com nosso rio, mas este está estrangulado”.
Apesar de suas críticas, Damouré não consegue conter o fascínio pela cidade que dizem ser a mais bela do mundo, lá em Níger e acaba adiando sua volta cada vez mais. Inventa sempre algum problema com o modelo do prédio, ou algo que precisa ser melhor definido.
Não quero ficar contando a história, ainda porque me parece o menos importante. O que mais me interessa é esse choque cultural e as interações entre pessoas de cada lugar.
O Amor é outro tema abordado, numa das conversas casuais dos personagens (africanos e franceses) e percebemos as diferentes visões: uma romântica e outra prática.
Como Rouch não é bobo e não queria fazer um trabalho incompleto, na segunda metade do filme, alguns personagens que foram encontrados na França partem para Niamey e agora temos o outro choque. As diferenças climáticas e comportamentais são tremendas. Há momentos muito engraçados pois a imagem reforça o ridículo que é a inserção de elementos estrangeiros em meio a paisagem selvagem da natureza africana. Objetos mesmo, como cadeiras ou roupas, etc.
E assim, chegamos a resolução do conflito. Os franceses vão embora e os africanos desistem de ficar tentando copiar tudo. Largam a empresa e falam para seus antigos companheiros: Pra que serve o dinheiro? Eu tenho tudo que preciso aqui. A gente nem sabe o que fazer com ele.Vamos criar a empresa “Les vieux cons” - Os Velhos Idiotas.
Eles nos mostram então como é errada a noção de atraso ou de que as grandes cidades sim são modelos de civilização ou que o sistema capitalista é o que deve ser seguido.
Para concluir então:
Pouco a Pouco é um filme construído nos moldes de uma ficção com não atores. Podemos constantemente perceber improvisações, risos de alguns e o conflito entre o ensaiado e o espontâneo. Construído numa linguagem ficcional as vezes e outras como reportagem ou câmera diário, o filme é uma ótima maneira de se descobrir esse universo tão distante do nosso e gerar interessantes discussões.
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domingo, 29 de agosto de 2010
Primeiro Sinal
Fico até envergonhada de aparecer por aqui... tanto tempo ausente.
Em geral, utilizo este espaço para falar de filmes ou eventos cinematográficos, certo?
Algumas exceções como quando viajei, e isto virou mais um diário, ou quando acabo usando este espaço para falar do que penso sobre determinado tema.
Pois bem. estava trabalhando bastante, mas agora estou me liberando. Pretendo usar este quadrinho em branco para escrever mais e mais nos próximos tempos.
Vou ver tb se atualizo umas criticas antigas que nunca finalizei. Não sei se isso vai interessar muito gente porque os filmes não estão mais no cinema. Mas quem sabe? aqueles que nao viram podem ate se interessar e alugar =)
bom. isto então é apenas um aviso. O primeiro sinal antes da peça começar.
Pééééééééééé....
Em geral, utilizo este espaço para falar de filmes ou eventos cinematográficos, certo?
Algumas exceções como quando viajei, e isto virou mais um diário, ou quando acabo usando este espaço para falar do que penso sobre determinado tema.
Pois bem. estava trabalhando bastante, mas agora estou me liberando. Pretendo usar este quadrinho em branco para escrever mais e mais nos próximos tempos.
Vou ver tb se atualizo umas criticas antigas que nunca finalizei. Não sei se isso vai interessar muito gente porque os filmes não estão mais no cinema. Mas quem sabe? aqueles que nao viram podem ate se interessar e alugar =)
bom. isto então é apenas um aviso. O primeiro sinal antes da peça começar.
Pééééééééééé....
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