domingo, 10 de janeiro de 2010

Avaliação da primeira maratona de 2010

Um ano e meio sem aparecer em um de meus eventos cariocas favoritos, esta sexta feira (8 de janeiro) – finalmente – figurei na maratona do Odeon.

Não reconheci de cara.

Primeiro, havia ingressos até logo antes de começar. Melhor dizendo, não esgotaram os ingressos. Fenômeno esse que nunca havia visto desde minhas primeiras visitas ao trio fílmico nas primeiras sexta feiras do mês. Segundo, o público está diferente. Menos estudantes de cinema, menos pessoas com armações de óculos retangulares semi grossas e pretas e mais pessoas aleatórias, que parecem gostar do evento em si, mais do que dos filmes. Ainda um ponto de encontro, como nos tempos dourados. Terceira e grande mudança, seleção dos filmes. O tom geral permanece: primeiro filme, mais esperado. Segundo, quebra de ritmo, normalmente o mais sério dos três. Terceiro, o escrachado, o que menos tem que ser levado sério ou, ao menos antigamente, clássico, esquisito, com cópia ferrada, antigo ou cult.

Entretanto, antigamente, havia algo de especial nessa seleção. Não só senti falta do segundo filme surpresa ou a ser escolhido pelo público, como achei os três títulos fracos. O primeiro, que deveria ser a grande atração, desapontou bastante.

A Mente que Mente. Um filme de Sean McGuinly (nunca ouvi falar) com filho e pai Hanks, a presença ilustre de John Malkovich e algumas pontas como Steve Zahn, que estão ótimas.

Desde as primeiras cenas fiz o conhecido e involuntário “tsc”. Uma narração em off com montagem das imagens ilustrando aquilo que estava sendo dito. Além da falta de criatividade e da total falta de força deste início (tão importante para qualquer narração), a premissa do personagem lembra muito aquela de Xavier (Romain Duris) em Albergue Espanhol. A diferença é que um ia ser advogado e o outro trabalhar num escritório e que a solução de um é ir trabalhar com um mentalista e o outro resolve fazer intercambio. Falando assim, parecem bem distantes, mas a questão central é: rapaz chegando numa idade de tomar decisões importantes de vida resolve que o caminho que está seguindo não o levará a felicidade, por isso larga o que está fazendo. Além do que, ambos têm aptidão para escrever.

Bem, após minha insatisfação inicial, veio a decepção com os planos. Mal feitos, principalmente nos primeiros 15 minutos de filme. Todo o aspecto imagético foi prejudicado pela exibição digital. Pelo que pareceu, o filme também foi rodado em digital. De qualquer forma, quase não havia cor nem profundidade e isso me incomodou na maior parte do tempo.

O ritmo também não se encontrou. Entre romances desnecessários mal estruturados narrativamente, narrações em off excessivas nos contando tudo que o diretor era incapaz de mostrar imageticamente, vazios na história e cenas fracas, o que salva o filme é a atuação de Malkovich. Extremamente assertivo em seu papel de Buck Howard, John Malkovich criou um personagem complexo, cheio de defeitos e irritações, mas carismático e forte. Conseguimos entender de onde vem sua impaciência e dificuldade de lidar com aqueles a sua volta.

Ele é um mágico/mentalista que construiu sua fama por ter aparecido 61 vezes no famoso programa americano “Tonight Show”. Depois de um tempo, inexplicavelmente, os produtores do programa param de chamá-lo e sua carreira começa a decair exponencialmente até que o máximo que consegue fazer são alguns shows em teatros pequenos de cidades que nem aparecem direito no mapa. Buck passa metade do filme tentando conseguir voltar aos spotlights. Mas o que ele percebe ao longo da história é que aquilo que estava buscando: a fama novamente, aparições na televisão e shows fixos em Las Vegas não era mais o que precisava. Essas pessoas, essa parte do entretenimento era falsa, mesquinha, não o amava realmente, não estavam lá por ele e sim pelo espetáculo, pela fofoca, pelo que ouviram dizer, pela curiosidade e quase por um desejo de descobrir algo de mentiroso em suas mágicas e truques.

Essa descoberta é a grande questão a ser ressaltada pelo filme. Uma certa ingenuidade, a crença pela magia, o amor verdadeiro do mágico com seu público, para quem devotava seu tempo e sua mente no intuito de fazer-lhes rir e se maravilhar.

O problema é que isso fica solto num filme mal estruturado, que acaba sempre recorrendo à voz off nos momentos mais importantes.

Acho que como entretenimento é fraco, apesar de divertir em momentos. Acho que como um filme de John Malkovich é fantástico, porque cada cena com ele vale a pena ser vista. E acho que como filme poderia ter atingido a mensagem que pretendia passar de outras formas, mais eficazes e mais poéticas.

Bom. Continuando minha avaliação da Maratona…

O segundo filme foi de Christophe Honoré, autor de “Em Paris” e “Canções de amor”. Bem diferente do direcionamento que levou em ambos longas citados, onde equilibrava alegria e tristeza, leveza e densidade, poesia e melancolia, música e silêncio, Honoré escolheu ir até o fundo da angústia dessa vez. Mesmo já tendo tratado temas pesados como separação e morte, “Não minha filha, você não irá dançar” se passa em torno de uma família com problemas de relacionamento e cujo foco central é a filha mais velha, representada por Chiara Mastroiani, que está passando por um processo de separação. O grande problema é que tal personagem está em negação consigo mesma. Não quer admitir que está sofrendo por um marido que a traiu e acredita que por se bancar de forte e fria, este perceberá o erro que cometeu e voltará pedindo perdão. Quando isso não acontece, usa os filhos para atingi-lo.

Então, a história é centrada numa mulher que se mostra maior parte do tempo chata. Chata e angustiada. É difícil um filme desses manter um ritmo leve ou fácil.

Apesar de ter percebido que este foi o filme menos apreciado da noite, para mim foi o mais proveitoso. O mais próximo de querer dizer alguma coisa e atingir esse objetivo. O mais humano dos três.

Gosto dos planos, de certas cenas, até de ilustrações como o conto da mulher linda que fazia os homens dançarem. Honoré nos mostra alguém perdida, que não sabe sair de onde está e não consegue ver melhoria. Seu orgulho a impede de ser gentil com os outros e quanto mais cruel é, mais difícil é voltar atrás e pedir desculpas.

Por mais que as duas irmãs tornem a narrativa bastante sombria, a presença dos pais e do irmão mais novo clareiam um pouco a escuridão e ajudam a por em perspectiva as percepções dos personagens. A cena de amor entre os dois (Marie-Christine Barrault e Fred Ulysse) é linda e inusitada.

De certa forma, estou cansada de filmes franceses cujo tema gira em torno de um encontro familiar revelador das diferenças e problemas entre os membros daquele núcleo. Entretanto, acredito que este conseguiu, por manter o foco em uma das personagens e mostrar que nem todos tinham complexas reclamações uns dos outros, colocar uma questão em evidencia e desenvolvê-la.

É isso. Um pouco arrastado e bastante melancólico, porém verdadeiro e evidenciador (inventei para o fim de meu objetivo significativo).

Já o terceiro era um pastelão espanhol. “Á moda da casa” é um típico filme de comédia fácil, que recorre a piadas bobas, preconceitos e situações ridículas para obter as risadas do público.

Não vou me prolongar porque escolhi dormir durante o filme, depois de assistir 15 minutos. Vi também os últimos 30 e confirmei minha intuição de que seria bobo demais pra merecer minha atenção. Estou sendo dura, admito, mas acho que com minha já fixada decepção com outros aspectos da Maratona, esperava algo que, ao menos, me mantivesse acordada.

É engraçadinho, me fez rir de vez em quando, mas não trouxe nada. Um quadro que depende da minha presença na frente dele para ser apreciado, se tanto. Muitas vezes, ao se fazer uma comédia, o diretor cria um outro mundo, o mundo do riso em que tudo é possível, por exemplo, Jack Lemmon se passar por mulher em “Quanto mais quente melhor”, mas isso só funciona quando somos levados com ele até esse universo. “A Moda da casa” nos joga sem explicação nesse frame de diálogos estúpidos, mal entendidos óbvios e história rasa.

Bom, sem mais delongas, fica aqui minha esperança de que a seleção dos filmes da próxima maratona seja melhor e um convite para todos que queiram conferir. =)

Holmes, Sherlock Homes



Com certa relutância, mas uma excitação revelada, combinei com alguns amigos de ir ao cinema este sábado para assistir Sherlock Holmes, a mais nova versão deste tão cultuado personagem inglês. Holmes é um desses personagens que fizeram parte da minha infância mesmo não o conhecendo tão bem. É como um tio que só vi algumas vezes, mas conheço por ouvir falar nas reuniões de família. Como este, Shakespeare e Beatles vinham juntos.
A cada filme que assisti ao longo dos anos, desde os mais tenros até hoje, aprendia mais e tinha mais curiosidade para observar a dupla Holmes e Watson em ação. Não sei se pelo senso de humor, pela relação entre os dois ou pela maneira minuciosa de resolver seus casos, Sherlock Holmes sempre foi um super herói na minha cabeça e um dos mais intrigantes.
Ao saber que este ano, Robert Downey Jr, um de meus atores preferidos no cinema atualmente, estrelaria como o famoso detetive, entusiasmo me preencheu por completo. Porém, logo em seguida veio a dúvida e a insegurança. Guy Ritchie seria o diretor.
Para quem não conhece, Ritchie, muito conhecido como o mais recente ex-marido de Madonna, é o diretor de “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes”, além de “Snatch, porcos e diamantes”. Ambos divertidos, com personagens de moral duvidosa, mas simpáticos, um pouco de drogas, um pouco de armas, alguma confusão que só piora ao longo do filme para ser resolvida nos momentos finais e sempre um ator muito grande que deve ser temido. Além da montagem frenética, letreiros... enfim, uma certa onda estética que veio com Tarantino e Transpotting, de Danny Boyle.
Apesar de ter sido favorável ao estilo de Guy Ritchie no início de sua carreira, cansei. Tentei assistir o filme que fez para e com Madonna e, de tão insuportável, tive que mudar de canal algumas vezes até desistir. Rock’n’Rolla tão pouco me conquistou. Não basta mais repetir o mesmo estilo de sempre. Tem que renovar. Por essas e outras, minha preocupação de que seu olhar deturpasse o personagem de meu imaginário e que este fosse transformado em apenas mais um de seus personagens.
E agora, depois de ter sentado pelas duas horas de filme, posso afirmar que estava enganada.
Há sim alguns resquícios de sua cinematografia que acredito não ter conseguido deixar para trás, como as cenas de luta de boxe e outras brigas. Mas mesmo assim, consegue reverter esse aspecto para seu benefício e ressaltar, nessas cenas, a personalidade dedutiva e calculista de Holmes.
Uma herança de seu estilo que se encaixou perfeitamente foi a trilha sonora com canções instrumentais irlandesas, que retrata bem a rebeldia e o senso de humor presente.
Sherlock Holmes consegue não só divertir, comover e deixar a platéia tensa, como traz discussões atuais em sua trama: A questão ciência x religião, temor de armas químicas, mas principalmente, o poder que pode ser obtido facilmente quando a população está com medo. Medo e ignorância como as maiores armas de controle.
Já nos aspectos técnicos, fotografia, figurino, créditos de encerramento, estão todos fantásticos. Representam bem a época referida e trazem o clima sombrio e de evolução industrial pretendidos.
A dupla Downey Jr e Jude Law está em perfeita harmonia. Parecem casados há anos, começando a sentir as pontas do desgaste matrimonial. Mas essa “possível” relação amorosa se revela numa amizade carinhosa e de quase dependência entre os dois.
A necessidade de trazer um elemento feminino mais forte trouxe Rachel McAdams como Irene Adler, uma das poucas personagens femininas de alguma importância nas histórias do detetive. Não me convenceu de todo, nem a atriz, nem a personagem, mas funciona como acessório para a história.
Então, para finalizar, digo que fui surpreendida por um filme excelente. Usam-se artifícios narrativos e imagéticos construídos para seduzir o espectador sem ele perceber? Usa, mas muito bem. As cenas de briga, as piadinhas, as escapadas espertas, as frases de efeito, tem tudo isso. Mas estes se encaixam e não se tornam cansativos ou óbvios demais.
Atuações impecáveis, uma história envolvente, diálogos inteligentes e uma adaptação fiel (nos aspectos mais importantes) do personagem inglês. Digo tudo isso sabendo que muitos fãs, leitores das historias originais, correm o risco de indignarem-se com a mudança radical de ares de Sherlock Holmes.
De reflexão intelectual e lógica para o uso recorrente de músculos e habilidades físicas em geral, houve um grande salto. Porém, se se concentrarem no cerne do personagem, em sua falta de tato, sua reclusão social, sua impaciência com erros medíocres, seu amor por Watson, sua capacidade de dedução, etc é capaz de terem uma boa experiência na sala de cinema.
E o que gosto de ressaltar é que esta é apenas uma possível visão sobre o personagem lendário. Muitas outras vieram e outras hão de vir. Eu gosto dos casos mais simples, com menos ambição mundial e uma capa com cachimbo e lupa grande? Gosto. Gosto de personagens que conversam a maior parte do tempo, nos mostrando o percurso racional que estão fazendo para nos conduzir com eles à resposta em vez de correr, saltar de prédios ou derrubar barcos em construção na água? Gosto. Mas acho que na busca pelo sentido há espaço para variações e interpretações.
Entrei no cinema uma mulher ainda um pouco cética e saí uma menininha totalmente animada e pronta pra outra história.