domingo, 10 de janeiro de 2010

Holmes, Sherlock Homes



Com certa relutância, mas uma excitação revelada, combinei com alguns amigos de ir ao cinema este sábado para assistir Sherlock Holmes, a mais nova versão deste tão cultuado personagem inglês. Holmes é um desses personagens que fizeram parte da minha infância mesmo não o conhecendo tão bem. É como um tio que só vi algumas vezes, mas conheço por ouvir falar nas reuniões de família. Como este, Shakespeare e Beatles vinham juntos.
A cada filme que assisti ao longo dos anos, desde os mais tenros até hoje, aprendia mais e tinha mais curiosidade para observar a dupla Holmes e Watson em ação. Não sei se pelo senso de humor, pela relação entre os dois ou pela maneira minuciosa de resolver seus casos, Sherlock Holmes sempre foi um super herói na minha cabeça e um dos mais intrigantes.
Ao saber que este ano, Robert Downey Jr, um de meus atores preferidos no cinema atualmente, estrelaria como o famoso detetive, entusiasmo me preencheu por completo. Porém, logo em seguida veio a dúvida e a insegurança. Guy Ritchie seria o diretor.
Para quem não conhece, Ritchie, muito conhecido como o mais recente ex-marido de Madonna, é o diretor de “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes”, além de “Snatch, porcos e diamantes”. Ambos divertidos, com personagens de moral duvidosa, mas simpáticos, um pouco de drogas, um pouco de armas, alguma confusão que só piora ao longo do filme para ser resolvida nos momentos finais e sempre um ator muito grande que deve ser temido. Além da montagem frenética, letreiros... enfim, uma certa onda estética que veio com Tarantino e Transpotting, de Danny Boyle.
Apesar de ter sido favorável ao estilo de Guy Ritchie no início de sua carreira, cansei. Tentei assistir o filme que fez para e com Madonna e, de tão insuportável, tive que mudar de canal algumas vezes até desistir. Rock’n’Rolla tão pouco me conquistou. Não basta mais repetir o mesmo estilo de sempre. Tem que renovar. Por essas e outras, minha preocupação de que seu olhar deturpasse o personagem de meu imaginário e que este fosse transformado em apenas mais um de seus personagens.
E agora, depois de ter sentado pelas duas horas de filme, posso afirmar que estava enganada.
Há sim alguns resquícios de sua cinematografia que acredito não ter conseguido deixar para trás, como as cenas de luta de boxe e outras brigas. Mas mesmo assim, consegue reverter esse aspecto para seu benefício e ressaltar, nessas cenas, a personalidade dedutiva e calculista de Holmes.
Uma herança de seu estilo que se encaixou perfeitamente foi a trilha sonora com canções instrumentais irlandesas, que retrata bem a rebeldia e o senso de humor presente.
Sherlock Holmes consegue não só divertir, comover e deixar a platéia tensa, como traz discussões atuais em sua trama: A questão ciência x religião, temor de armas químicas, mas principalmente, o poder que pode ser obtido facilmente quando a população está com medo. Medo e ignorância como as maiores armas de controle.
Já nos aspectos técnicos, fotografia, figurino, créditos de encerramento, estão todos fantásticos. Representam bem a época referida e trazem o clima sombrio e de evolução industrial pretendidos.
A dupla Downey Jr e Jude Law está em perfeita harmonia. Parecem casados há anos, começando a sentir as pontas do desgaste matrimonial. Mas essa “possível” relação amorosa se revela numa amizade carinhosa e de quase dependência entre os dois.
A necessidade de trazer um elemento feminino mais forte trouxe Rachel McAdams como Irene Adler, uma das poucas personagens femininas de alguma importância nas histórias do detetive. Não me convenceu de todo, nem a atriz, nem a personagem, mas funciona como acessório para a história.
Então, para finalizar, digo que fui surpreendida por um filme excelente. Usam-se artifícios narrativos e imagéticos construídos para seduzir o espectador sem ele perceber? Usa, mas muito bem. As cenas de briga, as piadinhas, as escapadas espertas, as frases de efeito, tem tudo isso. Mas estes se encaixam e não se tornam cansativos ou óbvios demais.
Atuações impecáveis, uma história envolvente, diálogos inteligentes e uma adaptação fiel (nos aspectos mais importantes) do personagem inglês. Digo tudo isso sabendo que muitos fãs, leitores das historias originais, correm o risco de indignarem-se com a mudança radical de ares de Sherlock Holmes.
De reflexão intelectual e lógica para o uso recorrente de músculos e habilidades físicas em geral, houve um grande salto. Porém, se se concentrarem no cerne do personagem, em sua falta de tato, sua reclusão social, sua impaciência com erros medíocres, seu amor por Watson, sua capacidade de dedução, etc é capaz de terem uma boa experiência na sala de cinema.
E o que gosto de ressaltar é que esta é apenas uma possível visão sobre o personagem lendário. Muitas outras vieram e outras hão de vir. Eu gosto dos casos mais simples, com menos ambição mundial e uma capa com cachimbo e lupa grande? Gosto. Gosto de personagens que conversam a maior parte do tempo, nos mostrando o percurso racional que estão fazendo para nos conduzir com eles à resposta em vez de correr, saltar de prédios ou derrubar barcos em construção na água? Gosto. Mas acho que na busca pelo sentido há espaço para variações e interpretações.
Entrei no cinema uma mulher ainda um pouco cética e saí uma menininha totalmente animada e pronta pra outra história.

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