quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Festival do Rio 2010 - parte 2

Copacabana
Nome estranho para um filme francês… Diferente de possíveis expectativas, o título vem de um fascínio da personagem central, interpretada por Isabelle Hupert, por músicas brasileiras.
Um “feel good movie”, um filme “safe”, que não corre riscos. Conta a história de uma mulher nos seus 50 anos, que depois de ter viajado bastante, vivido muitas histórias e conhecido muitas pessoas, se vê no momento de conseguir um emprego para, dentre outros motivos, ser levada a sério por sua filha de 20 e poucos anos, que depois de ter vivido todo este tempo se deslocando, quer estabilidade e segurança e se possível, distanciar-se ao máximo dos modos liberais e espalhafatosos de sua mãe. É uma simples inversão de valores: a mãe, protótipo da ex hippie, que se veste alternativamente, deve dinheiro aos amigos e que não sabe lidar bem com responsabilidades, em oposição a filha, conservadora, que vai se casar com um cara certinho e que se sente envergonhada de ter uma mãe assim.
Chega o momento então de Isabelle Hupert provar para sua filha que pode ser uma pessoa responsável, confiável e que consegue manter um emprego por mais de uma semana. Para isso, acaba passando um pouco por cima de certos valores, mas de seu jeito se adapta a nova vida.
É bom ver um filme leve, de comédia com essa grande atriz francesa, que acaba muitas vezes presa ao esterótipo de papéis pesados e dramáticos.
A visão do Brasil segue deturpada e idealizada, como em tantos filmes estrangeiros, e o encaixe da trilha sonora na montagem, por sinal cheia de canções brasileiras ótimas, é um tanto deslocado, mostrando que apesar de haver um interesse, não há grande entendimento da nossa cultura.
Mais um filme francês que eu encaixo na categoria “Simpáticos” e que oferecem boa distração.

Cópia Fiel - isto é apenas uma pincelada no que pode ser dito sobre este filme.
Filme mais recente de Abbas Kiarostami, pelo qual Juliette Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, “Copie Conforme” como no original, envolve uma série de questões e possíveis reflexões, embaladas por atuações fantásticas, timing delicioso entre silêncios e falas, desenvoltura na relação entre os personagens, uma decupagem precisa e escolhas estéticas de luz e enquadramentos maravilhosas. Ainda preciso assistí-lo mais vezes para poder explorar melhor os temas abordados, mas de forma rasa, posso apontar a questão mais óbvia, tema do livro do ator masculino central: a arte e a relação entre a cópia e o original, que também acaba abordando a questão de autor e de gênio. Além disso, temos uma lenta transformação da relação dos personagens que acaba confundindo o espectador, que se perde entre invenção e realidade. Não sabemos mais se o que está acontecendo é um jogo entre os dois ou algo que não nos foi revelado. De qualquer forma, isto não parece ser algo importante e sim o simples fato desta mistura ser possível através do cinema. Que me traz a outro tema: ficção e documental, linha esta que sempre atraiu Kiarostami em sua forma de construir os filmes: seja através da escolha de não atores, ou da improvisação, ou o uso de câmeras digitais e o aspecto cru e espontâneo da imagem, ou o aparecimento da equipe de filmagem na tela, ou até mesmo o tema que parece forçar esta barreira, a obra de Kiarostami sempre esteve no limiar destas duas linguagens, nos mostrando que é impossível saber o que é real ou não e até mesmo que não existe o real, existe apenas representação.
Além de todas as questões, pode-se dizer, filosóficas, há a simples, que de simples não tem nada, relação entre o homem e a mulher, que parece ser a mais intrigante e misteriosa do filme.
Todos estes aspectos, combinados com os elementos técnicos que mencionei antes, se juntam para formar um filme excelente e delicioso de se assistir.

Cortina de Fumaça
Pode se dizer que o filme se divide em duas partes. A primeira metade é um estudo detalhado sobre o histórico e as diversas funções da Canabis, planta que dá origem a maconha. Desde seu uso religioso passando pelos medicinais e aos mais comerciais, esta seção do filme tenta desmentir certos mitos em torno da maconha, desbancando-os um por um e mostra que ela não apresenta tantos riscos e malefícios, como costuma ser divulgado na mídia. O filme mostra também que a planta faz parte da história do homem e chega a revelar que temos até mesmo uma parte do cérebro, de nossas ligações nervosas, voltada diretamente para receber impulsos da droga. Enfim, é interessante, mas em dado momento, a edição se concentra numa feira de produtos extraídos da canabis e o filme se prende a um lado da comercialização de seus subextratos por bastante tempo. Mais interessante é vermos médicos defendendo a planta como benéfica em diversos casos de doenças como câncer, dentre outras.
Curiosidades de lado, a conclusão desta primeira parte é que quase nunca temos todas as informações necessárias para julgarmos algo como bom ou ruim. Além disso, nem sempre esta, que é considerada uma droga prejudicial, apresenta realmente apenas malefícios para o homem. Ressalta-se também que, como muitos sabem, a maconha não apresenta riscos de overdose, não mata neurônios e causa bem menos danos que drogas legalizadas como o álcool ou o cigarro.
A partir daí, passamos para a segunda parte do filme, onde entramos numa discussão mais centralizada, que concerne o Rio de Janeiro, o Brasil e a legalização das drogas. Através de entrevistas com advogados, policiais, médicos e especialistas em geral, temos um panorama de diversas áreas e suas posições em relação ao sistema de proibição que vivemos hoje. Mais uma vez temos uma contextualização histórica interessante, que mostra o estopim da Guerra as drogas, iniciada por Nixon nos Estados Unidos nos anos 60. Acompanhamos a falta de informação por parte da mídia e a hipocrisia na forma de lidar com o tema, não só em nosso país como ao redor do mundo.
Podemos concluir instintivamente que dentre aqueles que não apóiam a legalização das drogas, existem as pessoas que têm medo do desconhecido, aquelas que lucram ou se beneficiam de certa forma com a proibição e as mais conservadoras que não querem nem ouvir falar do assunto. Infelizmente o filme não apresenta estes pontos de vista, que poderiam gerar uma discussão interessante e um confronto de argumentos, tanto favoráveis quanto desfavoráveis. Por ser unilateral e defender apenas o ponto de vista “liberal”, ele se apresenta como um manifesto, político e social, que se pretende como porta voz de uma mudança necessária no nosso modo de encarar o tema e se possível, um porta voz de mudanças no próprio sistema.
Para defender a liberação, temos argumentos como o de:
Liberdade de escolha – quando o dano é individual, cada um deve poder escolher o que fazer consigo mesmo.
O absurdo que é a situação em torno da legislação das drogas – quase sempre quem é preso são os bandidos menores, que superlotam cadeias e são facilmente substituídos na cadeia alimentar do tráfico. Sem contar que essas pessoas, quando soltas, não possuem nenhuma perspectiva de sair desta vida.
A maconha como principal foco do tráfico – sabe-se que a maior parte do consumo de drogas aqui é a maconha, que como demonstrado na primeira parte, não é esse bicho de sete cabeças. Os outros tipos são consumidos por cerca de 2% da população mundial e é um pouco absurdo criar legislações tentando controlar o que estes 2% fazem, ainda mais, em detrimento deles mesmos e não de outros.
A conclusão de que do jeito que está não dá – a luta entre polícia e traficantes é uma maneira injusta, cruel e ineficiente de conter os danos causados. Além disso, as próprias UPPs, que parecem apresentar uma forma um pouco melhor de combate, sem o uso excessivo da violência, é uma medida muito concentrada em favelas da Zona Sul.
Etc…
Não acho este assunto simples e não acredito em uma solução fácil, mas concordo que do jeito que está não dá. Ficar insistindo no erro não vai nos levar a lugar nenhum. Por isso, espero que o filme seja visto por muitos e possa gerar democratização da informação e debates e quem sabe, até propostas de mudança.

Curling
Denis Coté foi eleito por mim como o melhor convidado do Festival. Simpático, tranquilo, autosuficiente, engraçado e aberto para conversas de bar, Denis fez sucesso entre aqueles que trabalharam comigo no hotel ou pessoas do receptivo, que o acompanharam em suas atividades diárias. Conversamos sempre em francês. “Tenho que ter cuidado pra não falar rápido demais, senão você não vai entender nada” – disse ele me prevenindo de seu sotaque canadense de Montreal.
Aprendi um pouco sobre o panorama do cinema canadense, que aparentemente produz bastante, considerando o tamanho de seu país, ou melhor, de sua área, porque existe claramente, segundo ele,  uma divisória entre a parte francofônica e a anglofônica.
Frequentador de festivais assíduo, Denis já viajou pra diversos países, mas era sua primeira vez no Brasil. Alto, com tatuagens em ambos os braços e bem branquinho, não se incomodou com o tempo fechado. “Não sou do tipo que adora praia.” Em contrapartida, se encantou em conversar sobre futebol bebendo cerveja Antartica no baixo Botafogo com autênticos brasileiros.
Mas vamos ao filme.
Curling é seu sexto longametragem e aquele que mais demorou para fazer. Os outros 5 foram realizados em 5 anos total e este demorou 3 anos desde o roteiro até ser finalizado. Denis diz não saber muito bem de onde sai a inspiração para escrever. Ele tem uma idéia meio solta e começa a desenvolver daí.
Basicamente o filme fala de dois personagens, pai e filha, que vivem a margem da sociedade. Pessoas alheias ao mundo que não sabem se relacionar muito bem com o que lhes é externo. A filha não vai a escola e é educada pelo pai, por isso não tem amigos. O pai é um homem calado, que trabalha num ringue de boliche.
Denis disse que, sendo um país muito frio, em que durante os meses do inverno quase ninguém quer sair nas ruas e um clima de tédio se instala, o Canadá é cheio dessas pessoas, que parecem se esconder em suas casas. Ficou intrigado com isso e resolveu criar algo em cima desta premissa.
O filme cria muito bem essa noção de distanciamento da realidade, através de seu timing, da troca entre silêncios e diálogos, da forma fria com a qual a menina fala da mãe chamando-a pelo nome (Rosie), dos estranhos rituais que os personagens mantêm em seus cotidianos, das atuações fantásticas dos dois que passam inexpressividade e quase indiferença através do olhar. Além disso, o filme nos oferece elementos de estranhamento que podem ser interpretados de diversas maneiras. Essa multiplicidade de interpretações e até mesmo a diversidade de gostos é algo que agrada Denis. “Eu adoro quando vejo que as pessoas estão pensando em coisas completamente diferentes sobre meu filme. Se em uma platéia de 200 pessoas, todas estiverem batendo palmas no final, aí sim temos um problema. Isso não seria normal.”
Ao longo do tempo, os personagens vão passando por mudanças sutis até chegarem a uma certa urgência de se aproximarem do mundo lá fora. Me agrada muito a autenticidade com a qual ele consegue tratar deste tema ligeiramente convencional (mudança do personagem) - através de um processo que é mostrado de forma delicada, ao mesmo tempo que estranha. Os planos e a fotografia em geral são lindos e bastante conscientes. A segunda cena, com os dois andando na beira de uma estrada enquanto neva muito é linda demais.
Tentei falar mais sobre o clima do filme e não de sua história, porque creio que é o ambiente que consegue passar a sensação de isolamento, mais do que qualquer coisa.
É um filme intrigante, com escolhas visuais marcantes e um tempo narrativo interessante, que merece ser visto.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Festival do Rio 2010

Chegou a hora de fazer uma revisão geral dos filmes do Festival. Por estar trabalhando no evento, e em decorrência disto, acordando as 6 da manhã quase todos os dias, não pude enviar um recorte diário atualizado, como muitos o estão fazendo com o Twitter.
É uma pena, por não poder indicar certos filmes a tempo que vocês possam ir, mas… é sempre tempo para procurarem, seja para assistir no cinema mais tarde quando estrearem, seja para alugar, ou baixar na internet.
Costumo colocar os filmes do Festival em categorias, para facilitar o trabalho, já que assisto em torno de 50 filmes.

Filmes Relaxantes . Filmes de Festival . Filmes Esquisitos . Filmes Simpáticos . Documentários...

Começo por um filme simpático:

“8 vezes de pé”, francês, é o primeiro longametragem de Xabi Molia. Misturando comédia e drama, tenta tratar com uma certa leveza a difícil vida de Elsa, que não consegue se integrar as necessidades do mundo cotidiano. Passa por situações um tanto quanto preocupantes: seja sendo despejada de sua casa por falta de pagamento, seja não conseguindo arranjar um emprego ou sendo desprezada por seu filho, que mora com o pai.
A abertura, que lembra algumas características de filmes como Juno, pelos desenhos e pela música alegre “indie”, não nos prepara para o lado mais triste de Elsa, interpretada por Julie Gayet. Mas nos indica a intenção do diretor de não se entregar a um tom dramático ou excessivo.
É um filme bastante simpático. Daqueles que poderiam muito bem estrear um tempo depois nos cinemas e atrair um número significativo de público, principalmente os que gostam de acompanhar o cinema francês. As atuações de Julie e de seu companheiro de tela, Denis Podalydes, estão muito boas e vemos facilmente a química entre os dois.
Ele é outro personagem que está a margem da sociedade. Prestes a ser despejado, também a procura de um emprego, um pouco excêntrico, cujo hobby é tiro ao arco, o personagem de Denis completa a dupla. Quando juntos, potencializam nossa empatia e dão força um ao outro, aliviando nossa tensão e arcando com o tom cômico do filme. Este tom de leveza e tristeza, este equilíbrio entre o riso e o choro é bem estabelecido e mantido ao longo do filme. A trilha sonora é ótima e nos incita a procurá-la para escutá-la mais vezes. Eu, particularmente, gosto de histórias que não cedem a uma visão fatalista dos acontecimentos. Mesmo não sendo um grande filme, é um desses que vou guardar na memória com carinho.

A oeste de Plutão
Fui assistir este filme por recomendação de duas pessoas, uma delas um diretor canadense de Montreal, Denis Coté, que me disse: é um filme pequeno, interessante e extremamente quebecquois (de Quebec – Canadá). Pode até ser que o filme seja um retrato fiel de um grupo de jovens de Quebec, mas como não tenho como fazer comparações por não conhecer este grupo, o que posso dizer é que ele é uma representação muito próxima do que entendo como o mundo da adolescência. Ou seja, se bem que possa expressar um universo particular, atinge também o universal.
Pra reduzir a descrição, digo que é um “Kids” bom. Detesto Kids… acho extremamente pretensioso e tendencioso na representação do adolescente. Já em “A oeste de plutão”, os diretores Henry Bernadet e Myriam Verreault não fetichizam (como Gus Van Sant costuma fazer), nem idealizam, nem demonificam os jovens. Tentam tratá-los com a complexidade que merecem, sem uma visão maniqueísta ou a usual caracterização de juventude perdida e irresponsável.
É um filme simples, filmado de forma simples com um roteiro simples. Um dia na vida de alguns jovens de classe média, entre 15 e 16 anos. Momentos sozinhos e em grupo, situações comuns. Um padrasto que anuncia que vai morar com você e sua mãe, escrever um poema para a menina que nem nota que você existe, jogar videogame com seus amigos, fofocar sobre meninos, ter discussões pseudo intelectuais na quadra de educação física, ensinar como se pega mulher, ensaiar uma música que você compôs, etc, Até chegar no momento auge: a festa na casa da menina com quem todos implicam, que está superlotada porque uma outra que costumava ser sua amiga convidou muito mais gente do que deveria e as consequências dos atos impulsivos que se darão ali.
Conseguimos então ter uma visão geral de suas atividades, inseguranças e motivações, assim como um egoísmo que parece intrínseco a esta idade. Personagens que não se preocupam com a consequência de seus atos, que não pensam antes de agir e principalmente, que fazem qualquer coisa quando em grupo. Viram rebanho a postos para seguir um líder, que nem precisa ser alguém diferenciado. É simplesmente alguém que tomou frente e tomou alguma atitude. Os outros só vão atrás.
E ao mesmo tempo que nos deparamos com essa adolescência inconsequente, vemos também que não se pode reduzi-los a isso. Que são pessoas inseguras, capazes de gentilezas, de reflexão, etc e que estão passando por um turbilhão de emoções.
Enfim, um filme bacana que deveria ser visto não só pelos jovens mas por todos. Quem sabe entendendo melhor uns aos outros, não estabelecemos uma melhor comunicação?

A woman, a gun and a noodleshop
Filme mais recente de Zhang Yimou e inspirado no roteiro original do primeiro longa dos irmãos Cohen, Blood Simple, “A woman…” continua caindo no meu apreço pelo cineasta. Não chega a ser um desastre total, como “A maldição da flor dourada” mas ainda está bem abaixo de “O Herói”, filme com o qual descobri o diretor e o qual me deu curiosidade para procurar trabalhos antigos. Apesar de extremamente conservador em sua mensagem, e quase propaganda política do governo, “O Herói” era um filme sensível que passava de mera estética e truques de efeitos especiais. A história e seus personagens eram envolventes e o desenrolar emocionante, além de um clima lúdico fascinante que permeava a narrativa.
Desde então, este posto de O Diretor propaganda chinês vem lhe custando bastante. “O Clã das adagas voadoras” parecia uma tentativa de continuação de estilo do filme anterior combinando agora um toque mais tradicional de melodrama. Quem pode esquecer as três vezes que Mei, interpretada por Zhang Ziyi, morre no fim? Depois disso veio um filme diferente desta vertente: Um longo caminho, com temática mais simples, sem os efeitos especiais e ambientado na China atual. Excessões a parte, em 2006, Zhang Yimou lança o super melodramático, versão da peça Thunderstorm, de Cao Yu, ambientado durante a Dinastia Tang, “A maldição da flor dourada”. Exagerado em todos os sentidos, a imersão no gênero do melodrama resultou num filme longo e chato.
Finalmente chegamos em a “A woman a gun…”. Seguindo este caminho de cinema que deve agradar e atingir as massas, Zhang Yimou mistura a comédia pastelona e o melodrama, mas não consegue chegar aos pés da versão original da história. Não cria a tensão que os mal entendidos merecem, não gera empatia com nenhum dos personagens, nos tornando distantes e indiferentes ao que lhes ocorre, nem dá o peso necessário ao envolvimento entre os mesmos. O timing entre comédia e melodrama fica muito descompassado e exagerado para ambos os lados, sem que se encontrem no caminho.
Enfim, um filme que pode vir a ser divertido para alguns, mas que pra mim se reduz cada vez mais a estilo e não é bem sucedido em sua tentativa de misturar drama e comédia, tarefa realizada com maestria pelos Cohen Brothers.

Amores Imaginários
Segundo filme do badalado “recente talento descoberto” canadense, Xavier Dolan, “amores imaginários” foi uma decepção pra mim, que esperava um filme mais maduro e mais autoral.
Pensava que na segunda tentativa, Xavier poderia se desvencilhar do estilo exagerado que pega de cineastas como Gus Van Sant, Wong Kar Wai, Christophe Honoré dentre outros e criar algo, mesmo que antropofágico. Mas ao invés disso, ele deixa de lado o que mais apreciei em sua estréia, J’ai tué ma mere: uma explosão de sentimentos, algo de muito pessoal e sincero, que muitas vezes se torna auto indulgente e de extrema arrogancia, mas que em outras mostra a fragilidade e a sensibilidade de Xavier. Eu matei minha mãe foi escrito quando ele ainda tinha 16 anos e realizado quando tinha 18. Agora, após o lançamento do segundo, Xavier está com 21 anos e parece deslumbrado com as possibilidades técnicas que um orçamento maior traz, mais do que qualquer coisa. Ao invés de se aprofundar na honestidade do tema que vai tratar, permanece constantemente na superfície, preenchendo os 95 minutos de filme apenas com câmeras lentas wong karwainianas, closes de rapazes gusvansatianos, luzes coloridas godardianas etc. Creio que 80% do filme é pura estética, se não mais. 80% de câmera lenta, quadros tortos, enquadramentos de quina ou que preenchem um terço da tela, de cenas videoclípticas. Cansativo para aqueles que buscam algum conteúdo.
Reconheço que essa futilidade vai atrair um grande público, que vai se identificar com o estilo, vai achar bonito e sensível, que seja. Mas pra mim, isto que poderia ser um ensaio interessante sobre a rejeição virou um discurso super estetizado de um ainda adolescente mimado. A única diferença é que ele agora mora sozinho.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A experiência cinematográfica de Brilho de Uma paixão

Ao conversar com alguns amigos, fiz uma reflexão sobre quais os melhores filmes que assisti no cinema este ano. Fora de mostras, claro, porque senão Ozu iria ganhar diversos lugares nesta lista.
Os filmes que identifiquei como mais marcantes foram:

O Mensageiro
Direito de Amar
A Fita Branca
O Brilho de uma paixão

Ok, certamente existem alguns outros, mas a lista não cresce muito não.

É sobre este último mencionado que quero falar. Aproveitando que ainda está em cartaz e dá tempo para os que se interessarem ir ver.

Bright Star, nome original, é dirigido por Jane Campion, australiana e realizadora de filmes conhecidos como Um Anjo em Minha Mesa e o premiado O Piano. Não sou grande conhecedora de seus trabalhos prévios. Na verdade só assisti este primeiro mencionado, na edição em DVD da Lume Filmes, e é lindo. Conta a difícil história de uma das maiores escritoras da Nova Zelândia, a poeta Janet Frame.

Tendo visto este, já sabia que Campion é uma cineasta bastante sensorial, que sabe usar as cores para intensificar sensações e sentimentos.

“O Brilho de uma paixão” é inspirado em uma história que se passou em torno de 1820, nos últimos anos de vida do poeta inglês John Keats, quando se apaixona pela “estilista” Fanny Brawne.

Acho que quando gosto demais de um filme, minha palavras se tornam cada vez mais fracas para descreve-lo... Então aviso que tudo que disser são fragmentos de impressões que nunca serão comparáveis à emoção que foi assistir ao filme, as duas vezes.

A primeira característica que me sobressai é o fato de se tratar de um filme de época, mas sem as pretensões comuns a este gênero. Há um intimismo na forma de retratar os personagens e seus arredores, sem os planos abertos das paisagens, ou dos grandes salões de dança, e sem representar o cinismo da burguesia e a burocracia tão presentes. Não há a intenção de ensinar história, apesar de obviamente podermos captar diversos aspectos da época através dos hábitos, dos cenários e de certos diálogos. Há somente a intenção de nos mostrar, com sutileza e delicadeza, a transformação destes dois, Keats e Brawne, à medida que o sentimento vai crescendo em ambos. Como mencionam, eles criaram um mundo paralelo ao mundo real que é só deles, e é este o mundo que o filme nos apresenta.

Esta subjetividade pode ser percebida de diversas maneiras. O uso das cores é mais uma vez magnífico. Belos campos de flores, roupas ou borboletas que saltam aos nossos olhos. A luz é tão natural, deixando os interiores com uma sensação gostosa de sol. A sensorialidade está em tudo. Desde momentos em que algum personagem está acariciando o gato da família, até quando Fanny, deitada em sua cama, sente o vento adentrar a janela. O super close é outro aspecto que ajuda muito nesse sentido e nos possibilita observar contornos, desenhos e movimentos com maior privilégio.

Um dos momentos cruciais para o entendimento do filme e do próprio Keats é quando Fanny lhe pergunta sobre a arte do poeta. Ele lhe responde que o poeta não é nada poético. Fala que a arte (craftsmanship) de escrever poesia é uma fraude, pois ele só se vale daquilo que vem de inspiração, que não pode conter. E quando ela lhe diz que não entende poesia, ele simplesmente fala que poesia é algo que se deve entender através dos sentidos. “Não se entra num lago imediatamente para chegar ao outro lado. E sim para deleitar-se no estar na água. Não se compreende estar num lago, sente-se. É uma experiência além da imaginação”. E completa: “a poesia te abranda, e te ajuda a aceitar os mistérios”.

E isso pra mim, fala muito da minha experiência com o cinema e com este filme.

Não dá para descrever o amor. Pôr em palavras ou diálogos. Muitas vezes apreendemos mais o romance de um casal pelas cenas comuns do dia a dia do que em declarações apaixonadas.

Sabemos desde o início que o amor dos dois é algo impossível, pelos parâmetros da época. Mesmo com a confirmação disso, a tristeza não predomina. Predomina a certeza de que eles viveram cada momento juntos. Como Keats fala do seu sentimento em relação à poesia, é um constante estar no momento. E diversos planos do filme são exatamente isso. Não são ações representativas ou informativas sobre os personagens. São apenas um estar no momento.

Não vou chegar a uma conclusão dos fatos, porque tudo isso são impressões. Porém, posso ir chegando ao fim. Bright Star te abre os poros para aceitar as sensações, os olhos para que a luz suave do dia penetre as retinas e os ouvidos para que os poemas de Keats te deslumbrem. Sons e violinos e cores com formas que te preenchem indescritivelmente.

Realmente uma experiência cinematográfica.

Como apêndice, deixo aqui a transcrição do poema de Keats: Bright Star.

Bright star, would I were stedfast as thou art--

Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors--
No--yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever--or else swoon to death.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Voltando aos poucos parte 1

Bom dia!
Resolvi escrever um pouco sobre cada manifestação cultural cinematográfica que está ocorrendo na cidade.
Um pouco sobre a Mostra Faróis na Caixa Cultural, um pouco sobre a Mostra Noir no Moreira Sales e sobre a Exibição da Obra Completa de Pedro Costa no CCBB.
Ainda escreverei sobre alguns filmes que estão em cartaz no circuito normal.
Para começar, Pouco a Pouco, de Jean Rouch, filme que fui assistir na Caixa sábado passado a tarde.
Petit a Petit é o nome da empresa fictícia de um grupo de habitantes da cidade de Niamey, em Níger. Jean Rouch, para quem não conhece, era um etnólogo francês, nascido em 1917, que nos anos 50 começa a se aventurar no universo do cinema. Diretor dos renomeados Mestres Loucos (Les Maitres Fous), Jaguar, Eu - um negro (Moi – un noir) e Crônica de um verão (Chronique d’été), Petit a Petit foi um filme mais tardio. 1970.
Outra informação importante que devo fornecer para aqueles que estão começando a ouvir falar de Rouch é que seu cinema nunca foi muito definido entre ficção e documentário. Há características de ambos em seus filmes. Hoje em dia, este tipo de divisória nem faz mais tanto sentido, mas deixe eu só explicar porque esta questão é forte aqui. Ao mesmo tempo que Jean Rouch documentava aspectos reais da vida de seus personagens, criava uma linha narrativa fictícia. Era como se ele chegasse no local, conhecesse as pessoas, se integrasse as suas vidas e depois criasse uma historieta intrincada com as funções e atividades já exercidas por estas pessoas. Não bastasse esta mistura, num de seus primeiros filmes, Jaguar, quando estava na mesa de montagem, Rouch pediu para os “atores” irem ao estúdio comentarem as cenas. Esta improvisação, que as vezes recriava as falas anteriores e outras eram comentários sobre o lugar, os hábitos e eles mesmos, revelava ainda mais esse universo que o etnólogo queria mostrar.
Dito isso, Pouco a Pouco é um filme mais ficcional do que os outros. Cria-se uma empresa fictícia de importação e exportação que dá origem ao título do filme. A trama gira em torno do fato de que Damouré, o chefe do grupo, ao saber que uma cidade vizinha terá um prédio de vários andares, quer porque quer construir um também, se possível, ainda maior, em Niamey. Esta é a motivação inicial que vai gerar oportunidade do filme nos mostrar o que ele realmente pretende.
Niamey é uma cidade desprovida de prédios. Seus habitantes vivem próximo aos animais, pescam e caçam para se alimentar, enfim… têm uma realidade bastante diferente de uma grande cidade.
E quando Damouré fica com essa idéia fixa de construir um prédio de muitos andares, parte para Paris para conversar com arquitetos que possam desenhar as plantas do mesmo.
Agora sim, chegamos. O contraste. Desde que Damouré põe os pés num taxi, fora do aeroporto, já começa a sentir as diferenças gritantes. Ele diz que as ruas são todas parecidas. Depois, num ponto alto de Paris, observa-a e faz um comentário extremamente importante: “La Tout Eiffell c’est pas Paris”. Paris não é a Torre Eiffell. A torre Eiffell está ai, mas Paris não é isso. Nem aquela igreja que eu não lembro o nome, nem a Champs Elysée. Paris não é nada disso. A gente fica recebendo apenas os cartões postais com essas imagens, mas não é nada disso.
Claramente desapontado, Damouré começa uma investigação num formato comum ao cinema direto (modelo de documentário). Sai pelas ruas com uma câmera ao seu lado, fazendo perguntas aos parisienses. 
Através disso, o personagem vai fazendo críticas as vestimentas, as comidas, aos traços físicos e a falta de gentileza ou educação dos habitantes de Paris.
Acompanhamos também suas impressões sobre o clima e a própria estrutura do lugar. Ao observar o Rio Sena, diz que este está estrangulado. Sempre em comparações com Niamey. “Se parece com nosso rio, mas este está estrangulado”.
Apesar de suas críticas, Damouré não consegue conter o fascínio pela cidade que dizem ser a mais bela do mundo, lá em Níger e acaba adiando sua volta cada vez mais. Inventa sempre algum problema com o modelo do prédio, ou algo que precisa ser melhor definido.
Não quero ficar contando a história, ainda porque me parece o menos importante. O que mais me interessa é esse choque cultural e as interações entre pessoas de cada lugar.
O Amor é outro tema abordado, numa das conversas casuais dos personagens (africanos e franceses) e percebemos as diferentes visões: uma romântica e outra prática.
Como Rouch não é bobo e não queria fazer um trabalho incompleto, na segunda metade do filme, alguns personagens que foram encontrados na França partem para Niamey e agora temos o outro choque. As diferenças climáticas e comportamentais são tremendas. Há momentos muito engraçados pois a imagem reforça o ridículo que é a inserção de elementos estrangeiros em meio a paisagem selvagem da natureza africana. Objetos mesmo, como cadeiras ou roupas, etc.
E assim, chegamos a resolução do conflito. Os franceses vão embora e os africanos desistem de ficar tentando copiar tudo. Largam a empresa e falam para seus antigos companheiros: Pra que serve o dinheiro? Eu tenho tudo que preciso aqui. A gente nem sabe o que fazer com ele.Vamos criar a empresa “Les vieux cons” - Os Velhos Idiotas.
Eles nos mostram então como é errada a noção de atraso ou de que as grandes cidades sim são modelos de civilização ou que o sistema capitalista é o que deve ser seguido.
Para concluir então:
Pouco a Pouco é um filme construído nos moldes de uma ficção com não atores. Podemos constantemente perceber improvisações, risos de alguns e o conflito entre o ensaiado e o espontâneo. Construído numa linguagem ficcional as vezes e outras como reportagem ou câmera diário, o filme é uma ótima maneira de se descobrir esse universo tão distante do nosso e gerar interessantes discussões.

domingo, 29 de agosto de 2010

Primeiro Sinal

Fico até envergonhada de aparecer por aqui... tanto tempo ausente.
Em geral, utilizo este espaço para falar de filmes ou eventos cinematográficos, certo?
Algumas exceções como quando viajei, e isto virou mais um diário, ou quando acabo usando este espaço para falar do que penso sobre determinado tema.
Pois bem. estava trabalhando bastante, mas agora estou me liberando. Pretendo usar este quadrinho em branco para escrever mais e mais nos próximos tempos.
Vou ver tb se atualizo umas criticas antigas que nunca finalizei. Não sei se isso vai interessar muito gente porque os filmes não estão mais no cinema. Mas quem sabe? aqueles que nao viram podem ate se interessar e alugar =)
bom. isto então é apenas um aviso. O primeiro sinal antes da peça começar.
Pééééééééééé....

sexta-feira, 2 de julho de 2010

COPA 2010

EU GOSTO DO DUNGA!!!!!!!!!!!!!!!

Ele pode ter feito besteiras, mas conseguiu fazer uma copa com um time que crescia a cada jogo. Muito mais emocionante e com vitórias muito mais merecidas que o desastre de 2006.
Por essas e outras, gostaria de deixar meu apelo aqui:

eu gosto do dunga!!!!!!!!!

quarta-feira, 10 de março de 2010

Uma experiência cinematográfica que vale conferir

Entrei no cinema, me aloquei no centro, fileira D, como de costume. Trailer 1, Trailer 2 e então os créditos iniciais de Direito de Amar (nome ingrato que mais parece novela de sucesso da Globo nos anos 80) começam.

Me vem aquele baque de cara pelo filme ser em digital. Algo que pode parecer uma certa frescura, mas os motivos são vários, mesmo eu não sabendo enumerá-los para elucidá-los. Uma reação, por exemplo, não só decorrente disso, mas influenciada foi: projeção escura… tsc tsc tsc

Na tela: um homem debaixo d’água. Seu corpo nu gira em câmera lenta num azul escuro subexposto enquanto a trilha sonora tensa e emotiva guiada por violentos violinos nos anuncia que o assunto é sério. Algo que lembra um pouco produções inglesas recentes como As Horas, O Leitor.

Então, depois de um sonho, o homem abre os olhos assustado e sua voz, calma e fria diz: Waking up begins with saying am and now. (Acordar começa dizendo sou e agora).

E assim, com alguns cortes secos, uma expressão facial que parecia me sugar para sua angústia, suas cores dessaturadas e apenas duas frases, o filme me conquistou.

Eu estava lá e estaria ao longo dos 101 minutos que seguiriam.

Single Man consegue trazer várias questões de importante discussão à tona de forma coesa e coerente. Ao escolher o período de maior tensão da Guerra Fria, quando os mísseis em Cuba ameaçavam deslanchar uma 3a Guerra Mundial fulminante, o assunto não poderia ser outro: Medo.

Em apenas uma cena, nosso protagonista, professor de literatura, usa como pretexto o livro de Aldous Huxley para tentar esclarecer o discurso por trás do preconceito e da diferença.

Guiado por sua intenção de ter um dia diferente dos que preencheram os 8 meses desde a morte de seu companheiro, George resolve falar o mais abertamente que a sutileza permite sobre a perseguição a minorias e a manipulação do poder a partir do medo.

Para responder a uma pergunta (idiota) de um aluno se Huxley seria ou não antisemita Faulcon nega e após um momento diz: Quando uma maioria persegue uma minoria sempre há uma causa, só que esta pode ser imaginária, inventada, como no caso dos alemães e dos judeus. Mas há uma causa, e esta é o medo. Uma minoria só é tachada como tal quando representa uma ameaça para os demais.

Com apenas este discurso, o diretor consegue fazer uma reflexão sobre preconceito, o pensamento de conquista e superioridade americanos e fecha com uma questão que poderia tanto ser direcionada aos anos 60, quanto hoje: o controle das massas através da disseminação do medo. Este é até um assunto muito ilustrado nos últimos tempos de forma mais sutil ou berrante seja em filmes como Sherlock Holmes ou Avatar. Mas enfim, quem sabe depois de bater na mesma tecla, a mensagem entre na cabeça das pessoas?

O niilismo extremo do personagem é bem fundamentado por sua dor e luto, mas consegue ser ainda reforçado pelo clima de falta de esperança de um futuro melhor. Numa época em que a qualquer momento uma bomba atômica poderia explodir, o futuro era a morte, o fim do mundo, a guerra, o terror. Pra que pensar no amanhã ou dar valor a vida então?

Agora, saindo um pouco da questão ideológica, gostaria de comentar a estética visual do filme, a fotografia. Adorei a idéia de manter as cores dessaturadas ao longo da narrativa para demonstrar a total falta de ânimo e o estado de melancolia constante do personagem. Tal modelo é apenas alterado quando este se depara com elementos que chamam sua atenção, que lhe devolvem um pouco o sabor da vida e que fazem-no admirar beleza. Aí então as cores se tornam fortes e até exageradas, ás vezes.

George Faulcon é um homem sensível e apreciador de detalhes e a câmera é seu olhar. Na verdade, nem seu olhar, mas sua consciência, seu modo de perceber o mundo. Seja a câmera lenta, a repetição, a luz, as cores o foco ou o enquadramento. Tudo isso nos faz mergulhar em suas emoções e sensações. É um filme quase sensorial. O som também exerce um papel muito importante nessa composição. Tanto a música (pulsante) aos momentos de silêncio (vazio).

E ainda pra finalizar, essa viagem pela dor, tristeza e angústia consegue nos levar a clareza e plenitude.

Talvez minha única retensão em relação a “Single Man” seja uma busca pelo belo fácil. Todos os homens e mulheres que o páram, que o cativam, possuem uma beleza esperada e tão acessível que tornam sua sensibilidade quase viciada, previsível.

Um filme para mergulhar, desde a primeira cena. Tapar os olhos e os ouvidos e abrí-los novamente com o ponto de vista do personagem de Colin Firth, que nos guiará com cuidado, carinho e cautela ao longo do filme.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jason Reitman concorre ao Oscar com seu terceiro longa

“Up in the air”, traduzido como “Amor sem escalas” aqui no Brasil, é o mais recente longa de Jason Reitman. Este jovem diretor começou desde o início de sua carreira com o pé direito, desde sua estréia com “Obrigado por fumar”, passando por “Juno” e agora com seu filme concorrendo ao Oscar e ele mesmo a melhor diretor.
Fui assisti-lo ontem, no Odeon, com muitas expectativas e creio que talvez esse tenha sido o mal. Esperava um filme incrível, um “Embriagado de Amor”, algo que me tirasse do chão e me devolvesse só no fim. O que encontrei foi um bom filme, com um jeito metódico de edição, condizente com muitos diretores desta geração, ótimas atuações e uma trilha sonora deliciosa, cheia de rocks calmos e melódicos, tendendo para algo indie como Belle and Sebastian às vezes, e outras ao rock clássico dos anos 60.
Bem, agora que já abaixei as expectativas um pouco de quem ainda não assistiu, vou complementar o que escrevi com mais alguns detalhes para tentar fazer voltar aquela vontade de ir ao cinema conferir.
“Amor sem escalas” é uma comédia/drama romântico. Possui o típico roteiro de mudança interna do protagonista. Mas o faz muito bem.
Ryan Bingham trabalha numa empresa contratada para demitir funcionários de outras empresas. Para isso, passa mais da metade do ano viajando para diferentes cidades dos Estados Unidos. Uma vida que poderia parecer solitária para alguns é para ele exatamente o que desejaria. Ryan considera o “ar” sua casa, os aeroportos seu porto seguro. Não possui vínculos fortes com ninguém, nem mesmo sua família.
Um outro ponto interessante são os cartões de fidelidade e sua obsessão com a contagem de milhas. Para ele, tal reconhecimento e tais pontuações são mais importantes do que qualquer relação. São seguros e objetivos.
Até que uma novata adentra seu território e tenta mudar as regras do jogo. Numa tentativa de prová-la errada, se vê obrigado a ensiná-la seus métodos e acaba entrando em contato com outras ideologias de vida. No meio desse processo, claro, conhece uma mulher e a partir daí tudo se desenrola.
A grande questão do filme me parece ser uma reflexão universal, já desenvolvida de diversas e múltiplas formas: ninguém pode ser sozinho. Numa discussão chave, o personagem de George Clooney coloca seus argumentos na mesa – não preciso de amigos para ter com quem conversar, quase todos os casamentos terminam mal, todos nós morremos sozinhos – em contraposição aos de Anna Kendrick – todos precisamos de alguém para contar, de alguém para dividir nossa vida, de amor, de estabilidade. Esses dois valores são postos em conflito e aí vem um dos grandes trunfos do roteiro, pra mim: a percepção de que mesmo que escolhamos o caminho contrário ao solitário e da auto-suficiência, nem sempre este será um caminho fácil ou dado de bandeja. Ou melhor, é mais fácil sim seguir por um trajeto desvinculado, exije menos trabalho, mas não necessariamente é mais gratificante.
Para complementar, vem uma de minhas falas favoritas, numa seqüência um tanto quanto forçada para encaixá-la, quando Ryan está tentando convencer o futuro marido de sua irmã a prosseguir com o casamento. Ele diz que nada faz sentido: a vida, o que construímos, nosso trabalho, nada disso faz sentido porque vamos todos eventualmente morrer. Mas tendo isso em mente como garantido, o máximo que podemos fazer é aproveitar os bons momentos, e estes costumam vir em pacotes conjuntos, com aqueles que amamos.
O que me comoveu bastante foram os depoimentos das pessoas que teriam sido demitidas no começo do filme, falando sobre como estariam superando ou agüentando a situação. Todas elas mencionam suas famílias, seus filhos, seus companheiros, pessoas amadas.
O filme consegue ser atual, reconhecendo que essa situação de crise existe, que empresas cretinas contratadas para demitir funcionários alheios também continuarão existindo, mas mostra que enquanto existir amor, solidariedade e, enfim, pessoas com quem podemos contar, haverá esperança e possibilidade de continuar. E de qualquer forma, mesmo admitindo essa dura realidade, se opõe a ela de diversas formas e ainda oferece alternativas: a idéia absurda das demissões via Internet é retraída por causa do suicídio de uma funcionária, a auto demissão da personagem de Anna Kendrick e o tão esperado ato de liberdade de Ryan Bingham.
Então, apesar de ser um filme claramente com um propósito e de, em muitos momentos, ser “friamente calculado”, nos oferece momentos verdadeiros que o salvam, conseguindo finalmente mais para o desfecho, nos embarcar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Avaliação da primeira maratona de 2010

Um ano e meio sem aparecer em um de meus eventos cariocas favoritos, esta sexta feira (8 de janeiro) – finalmente – figurei na maratona do Odeon.

Não reconheci de cara.

Primeiro, havia ingressos até logo antes de começar. Melhor dizendo, não esgotaram os ingressos. Fenômeno esse que nunca havia visto desde minhas primeiras visitas ao trio fílmico nas primeiras sexta feiras do mês. Segundo, o público está diferente. Menos estudantes de cinema, menos pessoas com armações de óculos retangulares semi grossas e pretas e mais pessoas aleatórias, que parecem gostar do evento em si, mais do que dos filmes. Ainda um ponto de encontro, como nos tempos dourados. Terceira e grande mudança, seleção dos filmes. O tom geral permanece: primeiro filme, mais esperado. Segundo, quebra de ritmo, normalmente o mais sério dos três. Terceiro, o escrachado, o que menos tem que ser levado sério ou, ao menos antigamente, clássico, esquisito, com cópia ferrada, antigo ou cult.

Entretanto, antigamente, havia algo de especial nessa seleção. Não só senti falta do segundo filme surpresa ou a ser escolhido pelo público, como achei os três títulos fracos. O primeiro, que deveria ser a grande atração, desapontou bastante.

A Mente que Mente. Um filme de Sean McGuinly (nunca ouvi falar) com filho e pai Hanks, a presença ilustre de John Malkovich e algumas pontas como Steve Zahn, que estão ótimas.

Desde as primeiras cenas fiz o conhecido e involuntário “tsc”. Uma narração em off com montagem das imagens ilustrando aquilo que estava sendo dito. Além da falta de criatividade e da total falta de força deste início (tão importante para qualquer narração), a premissa do personagem lembra muito aquela de Xavier (Romain Duris) em Albergue Espanhol. A diferença é que um ia ser advogado e o outro trabalhar num escritório e que a solução de um é ir trabalhar com um mentalista e o outro resolve fazer intercambio. Falando assim, parecem bem distantes, mas a questão central é: rapaz chegando numa idade de tomar decisões importantes de vida resolve que o caminho que está seguindo não o levará a felicidade, por isso larga o que está fazendo. Além do que, ambos têm aptidão para escrever.

Bem, após minha insatisfação inicial, veio a decepção com os planos. Mal feitos, principalmente nos primeiros 15 minutos de filme. Todo o aspecto imagético foi prejudicado pela exibição digital. Pelo que pareceu, o filme também foi rodado em digital. De qualquer forma, quase não havia cor nem profundidade e isso me incomodou na maior parte do tempo.

O ritmo também não se encontrou. Entre romances desnecessários mal estruturados narrativamente, narrações em off excessivas nos contando tudo que o diretor era incapaz de mostrar imageticamente, vazios na história e cenas fracas, o que salva o filme é a atuação de Malkovich. Extremamente assertivo em seu papel de Buck Howard, John Malkovich criou um personagem complexo, cheio de defeitos e irritações, mas carismático e forte. Conseguimos entender de onde vem sua impaciência e dificuldade de lidar com aqueles a sua volta.

Ele é um mágico/mentalista que construiu sua fama por ter aparecido 61 vezes no famoso programa americano “Tonight Show”. Depois de um tempo, inexplicavelmente, os produtores do programa param de chamá-lo e sua carreira começa a decair exponencialmente até que o máximo que consegue fazer são alguns shows em teatros pequenos de cidades que nem aparecem direito no mapa. Buck passa metade do filme tentando conseguir voltar aos spotlights. Mas o que ele percebe ao longo da história é que aquilo que estava buscando: a fama novamente, aparições na televisão e shows fixos em Las Vegas não era mais o que precisava. Essas pessoas, essa parte do entretenimento era falsa, mesquinha, não o amava realmente, não estavam lá por ele e sim pelo espetáculo, pela fofoca, pelo que ouviram dizer, pela curiosidade e quase por um desejo de descobrir algo de mentiroso em suas mágicas e truques.

Essa descoberta é a grande questão a ser ressaltada pelo filme. Uma certa ingenuidade, a crença pela magia, o amor verdadeiro do mágico com seu público, para quem devotava seu tempo e sua mente no intuito de fazer-lhes rir e se maravilhar.

O problema é que isso fica solto num filme mal estruturado, que acaba sempre recorrendo à voz off nos momentos mais importantes.

Acho que como entretenimento é fraco, apesar de divertir em momentos. Acho que como um filme de John Malkovich é fantástico, porque cada cena com ele vale a pena ser vista. E acho que como filme poderia ter atingido a mensagem que pretendia passar de outras formas, mais eficazes e mais poéticas.

Bom. Continuando minha avaliação da Maratona…

O segundo filme foi de Christophe Honoré, autor de “Em Paris” e “Canções de amor”. Bem diferente do direcionamento que levou em ambos longas citados, onde equilibrava alegria e tristeza, leveza e densidade, poesia e melancolia, música e silêncio, Honoré escolheu ir até o fundo da angústia dessa vez. Mesmo já tendo tratado temas pesados como separação e morte, “Não minha filha, você não irá dançar” se passa em torno de uma família com problemas de relacionamento e cujo foco central é a filha mais velha, representada por Chiara Mastroiani, que está passando por um processo de separação. O grande problema é que tal personagem está em negação consigo mesma. Não quer admitir que está sofrendo por um marido que a traiu e acredita que por se bancar de forte e fria, este perceberá o erro que cometeu e voltará pedindo perdão. Quando isso não acontece, usa os filhos para atingi-lo.

Então, a história é centrada numa mulher que se mostra maior parte do tempo chata. Chata e angustiada. É difícil um filme desses manter um ritmo leve ou fácil.

Apesar de ter percebido que este foi o filme menos apreciado da noite, para mim foi o mais proveitoso. O mais próximo de querer dizer alguma coisa e atingir esse objetivo. O mais humano dos três.

Gosto dos planos, de certas cenas, até de ilustrações como o conto da mulher linda que fazia os homens dançarem. Honoré nos mostra alguém perdida, que não sabe sair de onde está e não consegue ver melhoria. Seu orgulho a impede de ser gentil com os outros e quanto mais cruel é, mais difícil é voltar atrás e pedir desculpas.

Por mais que as duas irmãs tornem a narrativa bastante sombria, a presença dos pais e do irmão mais novo clareiam um pouco a escuridão e ajudam a por em perspectiva as percepções dos personagens. A cena de amor entre os dois (Marie-Christine Barrault e Fred Ulysse) é linda e inusitada.

De certa forma, estou cansada de filmes franceses cujo tema gira em torno de um encontro familiar revelador das diferenças e problemas entre os membros daquele núcleo. Entretanto, acredito que este conseguiu, por manter o foco em uma das personagens e mostrar que nem todos tinham complexas reclamações uns dos outros, colocar uma questão em evidencia e desenvolvê-la.

É isso. Um pouco arrastado e bastante melancólico, porém verdadeiro e evidenciador (inventei para o fim de meu objetivo significativo).

Já o terceiro era um pastelão espanhol. “Á moda da casa” é um típico filme de comédia fácil, que recorre a piadas bobas, preconceitos e situações ridículas para obter as risadas do público.

Não vou me prolongar porque escolhi dormir durante o filme, depois de assistir 15 minutos. Vi também os últimos 30 e confirmei minha intuição de que seria bobo demais pra merecer minha atenção. Estou sendo dura, admito, mas acho que com minha já fixada decepção com outros aspectos da Maratona, esperava algo que, ao menos, me mantivesse acordada.

É engraçadinho, me fez rir de vez em quando, mas não trouxe nada. Um quadro que depende da minha presença na frente dele para ser apreciado, se tanto. Muitas vezes, ao se fazer uma comédia, o diretor cria um outro mundo, o mundo do riso em que tudo é possível, por exemplo, Jack Lemmon se passar por mulher em “Quanto mais quente melhor”, mas isso só funciona quando somos levados com ele até esse universo. “A Moda da casa” nos joga sem explicação nesse frame de diálogos estúpidos, mal entendidos óbvios e história rasa.

Bom, sem mais delongas, fica aqui minha esperança de que a seleção dos filmes da próxima maratona seja melhor e um convite para todos que queiram conferir. =)

Holmes, Sherlock Homes



Com certa relutância, mas uma excitação revelada, combinei com alguns amigos de ir ao cinema este sábado para assistir Sherlock Holmes, a mais nova versão deste tão cultuado personagem inglês. Holmes é um desses personagens que fizeram parte da minha infância mesmo não o conhecendo tão bem. É como um tio que só vi algumas vezes, mas conheço por ouvir falar nas reuniões de família. Como este, Shakespeare e Beatles vinham juntos.
A cada filme que assisti ao longo dos anos, desde os mais tenros até hoje, aprendia mais e tinha mais curiosidade para observar a dupla Holmes e Watson em ação. Não sei se pelo senso de humor, pela relação entre os dois ou pela maneira minuciosa de resolver seus casos, Sherlock Holmes sempre foi um super herói na minha cabeça e um dos mais intrigantes.
Ao saber que este ano, Robert Downey Jr, um de meus atores preferidos no cinema atualmente, estrelaria como o famoso detetive, entusiasmo me preencheu por completo. Porém, logo em seguida veio a dúvida e a insegurança. Guy Ritchie seria o diretor.
Para quem não conhece, Ritchie, muito conhecido como o mais recente ex-marido de Madonna, é o diretor de “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes”, além de “Snatch, porcos e diamantes”. Ambos divertidos, com personagens de moral duvidosa, mas simpáticos, um pouco de drogas, um pouco de armas, alguma confusão que só piora ao longo do filme para ser resolvida nos momentos finais e sempre um ator muito grande que deve ser temido. Além da montagem frenética, letreiros... enfim, uma certa onda estética que veio com Tarantino e Transpotting, de Danny Boyle.
Apesar de ter sido favorável ao estilo de Guy Ritchie no início de sua carreira, cansei. Tentei assistir o filme que fez para e com Madonna e, de tão insuportável, tive que mudar de canal algumas vezes até desistir. Rock’n’Rolla tão pouco me conquistou. Não basta mais repetir o mesmo estilo de sempre. Tem que renovar. Por essas e outras, minha preocupação de que seu olhar deturpasse o personagem de meu imaginário e que este fosse transformado em apenas mais um de seus personagens.
E agora, depois de ter sentado pelas duas horas de filme, posso afirmar que estava enganada.
Há sim alguns resquícios de sua cinematografia que acredito não ter conseguido deixar para trás, como as cenas de luta de boxe e outras brigas. Mas mesmo assim, consegue reverter esse aspecto para seu benefício e ressaltar, nessas cenas, a personalidade dedutiva e calculista de Holmes.
Uma herança de seu estilo que se encaixou perfeitamente foi a trilha sonora com canções instrumentais irlandesas, que retrata bem a rebeldia e o senso de humor presente.
Sherlock Holmes consegue não só divertir, comover e deixar a platéia tensa, como traz discussões atuais em sua trama: A questão ciência x religião, temor de armas químicas, mas principalmente, o poder que pode ser obtido facilmente quando a população está com medo. Medo e ignorância como as maiores armas de controle.
Já nos aspectos técnicos, fotografia, figurino, créditos de encerramento, estão todos fantásticos. Representam bem a época referida e trazem o clima sombrio e de evolução industrial pretendidos.
A dupla Downey Jr e Jude Law está em perfeita harmonia. Parecem casados há anos, começando a sentir as pontas do desgaste matrimonial. Mas essa “possível” relação amorosa se revela numa amizade carinhosa e de quase dependência entre os dois.
A necessidade de trazer um elemento feminino mais forte trouxe Rachel McAdams como Irene Adler, uma das poucas personagens femininas de alguma importância nas histórias do detetive. Não me convenceu de todo, nem a atriz, nem a personagem, mas funciona como acessório para a história.
Então, para finalizar, digo que fui surpreendida por um filme excelente. Usam-se artifícios narrativos e imagéticos construídos para seduzir o espectador sem ele perceber? Usa, mas muito bem. As cenas de briga, as piadinhas, as escapadas espertas, as frases de efeito, tem tudo isso. Mas estes se encaixam e não se tornam cansativos ou óbvios demais.
Atuações impecáveis, uma história envolvente, diálogos inteligentes e uma adaptação fiel (nos aspectos mais importantes) do personagem inglês. Digo tudo isso sabendo que muitos fãs, leitores das historias originais, correm o risco de indignarem-se com a mudança radical de ares de Sherlock Holmes.
De reflexão intelectual e lógica para o uso recorrente de músculos e habilidades físicas em geral, houve um grande salto. Porém, se se concentrarem no cerne do personagem, em sua falta de tato, sua reclusão social, sua impaciência com erros medíocres, seu amor por Watson, sua capacidade de dedução, etc é capaz de terem uma boa experiência na sala de cinema.
E o que gosto de ressaltar é que esta é apenas uma possível visão sobre o personagem lendário. Muitas outras vieram e outras hão de vir. Eu gosto dos casos mais simples, com menos ambição mundial e uma capa com cachimbo e lupa grande? Gosto. Gosto de personagens que conversam a maior parte do tempo, nos mostrando o percurso racional que estão fazendo para nos conduzir com eles à resposta em vez de correr, saltar de prédios ou derrubar barcos em construção na água? Gosto. Mas acho que na busca pelo sentido há espaço para variações e interpretações.
Entrei no cinema uma mulher ainda um pouco cética e saí uma menininha totalmente animada e pronta pra outra história.