terça-feira, 14 de setembro de 2010

Voltando aos poucos parte 1

Bom dia!
Resolvi escrever um pouco sobre cada manifestação cultural cinematográfica que está ocorrendo na cidade.
Um pouco sobre a Mostra Faróis na Caixa Cultural, um pouco sobre a Mostra Noir no Moreira Sales e sobre a Exibição da Obra Completa de Pedro Costa no CCBB.
Ainda escreverei sobre alguns filmes que estão em cartaz no circuito normal.
Para começar, Pouco a Pouco, de Jean Rouch, filme que fui assistir na Caixa sábado passado a tarde.
Petit a Petit é o nome da empresa fictícia de um grupo de habitantes da cidade de Niamey, em Níger. Jean Rouch, para quem não conhece, era um etnólogo francês, nascido em 1917, que nos anos 50 começa a se aventurar no universo do cinema. Diretor dos renomeados Mestres Loucos (Les Maitres Fous), Jaguar, Eu - um negro (Moi – un noir) e Crônica de um verão (Chronique d’été), Petit a Petit foi um filme mais tardio. 1970.
Outra informação importante que devo fornecer para aqueles que estão começando a ouvir falar de Rouch é que seu cinema nunca foi muito definido entre ficção e documentário. Há características de ambos em seus filmes. Hoje em dia, este tipo de divisória nem faz mais tanto sentido, mas deixe eu só explicar porque esta questão é forte aqui. Ao mesmo tempo que Jean Rouch documentava aspectos reais da vida de seus personagens, criava uma linha narrativa fictícia. Era como se ele chegasse no local, conhecesse as pessoas, se integrasse as suas vidas e depois criasse uma historieta intrincada com as funções e atividades já exercidas por estas pessoas. Não bastasse esta mistura, num de seus primeiros filmes, Jaguar, quando estava na mesa de montagem, Rouch pediu para os “atores” irem ao estúdio comentarem as cenas. Esta improvisação, que as vezes recriava as falas anteriores e outras eram comentários sobre o lugar, os hábitos e eles mesmos, revelava ainda mais esse universo que o etnólogo queria mostrar.
Dito isso, Pouco a Pouco é um filme mais ficcional do que os outros. Cria-se uma empresa fictícia de importação e exportação que dá origem ao título do filme. A trama gira em torno do fato de que Damouré, o chefe do grupo, ao saber que uma cidade vizinha terá um prédio de vários andares, quer porque quer construir um também, se possível, ainda maior, em Niamey. Esta é a motivação inicial que vai gerar oportunidade do filme nos mostrar o que ele realmente pretende.
Niamey é uma cidade desprovida de prédios. Seus habitantes vivem próximo aos animais, pescam e caçam para se alimentar, enfim… têm uma realidade bastante diferente de uma grande cidade.
E quando Damouré fica com essa idéia fixa de construir um prédio de muitos andares, parte para Paris para conversar com arquitetos que possam desenhar as plantas do mesmo.
Agora sim, chegamos. O contraste. Desde que Damouré põe os pés num taxi, fora do aeroporto, já começa a sentir as diferenças gritantes. Ele diz que as ruas são todas parecidas. Depois, num ponto alto de Paris, observa-a e faz um comentário extremamente importante: “La Tout Eiffell c’est pas Paris”. Paris não é a Torre Eiffell. A torre Eiffell está ai, mas Paris não é isso. Nem aquela igreja que eu não lembro o nome, nem a Champs Elysée. Paris não é nada disso. A gente fica recebendo apenas os cartões postais com essas imagens, mas não é nada disso.
Claramente desapontado, Damouré começa uma investigação num formato comum ao cinema direto (modelo de documentário). Sai pelas ruas com uma câmera ao seu lado, fazendo perguntas aos parisienses. 
Através disso, o personagem vai fazendo críticas as vestimentas, as comidas, aos traços físicos e a falta de gentileza ou educação dos habitantes de Paris.
Acompanhamos também suas impressões sobre o clima e a própria estrutura do lugar. Ao observar o Rio Sena, diz que este está estrangulado. Sempre em comparações com Niamey. “Se parece com nosso rio, mas este está estrangulado”.
Apesar de suas críticas, Damouré não consegue conter o fascínio pela cidade que dizem ser a mais bela do mundo, lá em Níger e acaba adiando sua volta cada vez mais. Inventa sempre algum problema com o modelo do prédio, ou algo que precisa ser melhor definido.
Não quero ficar contando a história, ainda porque me parece o menos importante. O que mais me interessa é esse choque cultural e as interações entre pessoas de cada lugar.
O Amor é outro tema abordado, numa das conversas casuais dos personagens (africanos e franceses) e percebemos as diferentes visões: uma romântica e outra prática.
Como Rouch não é bobo e não queria fazer um trabalho incompleto, na segunda metade do filme, alguns personagens que foram encontrados na França partem para Niamey e agora temos o outro choque. As diferenças climáticas e comportamentais são tremendas. Há momentos muito engraçados pois a imagem reforça o ridículo que é a inserção de elementos estrangeiros em meio a paisagem selvagem da natureza africana. Objetos mesmo, como cadeiras ou roupas, etc.
E assim, chegamos a resolução do conflito. Os franceses vão embora e os africanos desistem de ficar tentando copiar tudo. Largam a empresa e falam para seus antigos companheiros: Pra que serve o dinheiro? Eu tenho tudo que preciso aqui. A gente nem sabe o que fazer com ele.Vamos criar a empresa “Les vieux cons” - Os Velhos Idiotas.
Eles nos mostram então como é errada a noção de atraso ou de que as grandes cidades sim são modelos de civilização ou que o sistema capitalista é o que deve ser seguido.
Para concluir então:
Pouco a Pouco é um filme construído nos moldes de uma ficção com não atores. Podemos constantemente perceber improvisações, risos de alguns e o conflito entre o ensaiado e o espontâneo. Construído numa linguagem ficcional as vezes e outras como reportagem ou câmera diário, o filme é uma ótima maneira de se descobrir esse universo tão distante do nosso e gerar interessantes discussões.

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