quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A experiência cinematográfica de Brilho de Uma paixão

Ao conversar com alguns amigos, fiz uma reflexão sobre quais os melhores filmes que assisti no cinema este ano. Fora de mostras, claro, porque senão Ozu iria ganhar diversos lugares nesta lista.
Os filmes que identifiquei como mais marcantes foram:

O Mensageiro
Direito de Amar
A Fita Branca
O Brilho de uma paixão

Ok, certamente existem alguns outros, mas a lista não cresce muito não.

É sobre este último mencionado que quero falar. Aproveitando que ainda está em cartaz e dá tempo para os que se interessarem ir ver.

Bright Star, nome original, é dirigido por Jane Campion, australiana e realizadora de filmes conhecidos como Um Anjo em Minha Mesa e o premiado O Piano. Não sou grande conhecedora de seus trabalhos prévios. Na verdade só assisti este primeiro mencionado, na edição em DVD da Lume Filmes, e é lindo. Conta a difícil história de uma das maiores escritoras da Nova Zelândia, a poeta Janet Frame.

Tendo visto este, já sabia que Campion é uma cineasta bastante sensorial, que sabe usar as cores para intensificar sensações e sentimentos.

“O Brilho de uma paixão” é inspirado em uma história que se passou em torno de 1820, nos últimos anos de vida do poeta inglês John Keats, quando se apaixona pela “estilista” Fanny Brawne.

Acho que quando gosto demais de um filme, minha palavras se tornam cada vez mais fracas para descreve-lo... Então aviso que tudo que disser são fragmentos de impressões que nunca serão comparáveis à emoção que foi assistir ao filme, as duas vezes.

A primeira característica que me sobressai é o fato de se tratar de um filme de época, mas sem as pretensões comuns a este gênero. Há um intimismo na forma de retratar os personagens e seus arredores, sem os planos abertos das paisagens, ou dos grandes salões de dança, e sem representar o cinismo da burguesia e a burocracia tão presentes. Não há a intenção de ensinar história, apesar de obviamente podermos captar diversos aspectos da época através dos hábitos, dos cenários e de certos diálogos. Há somente a intenção de nos mostrar, com sutileza e delicadeza, a transformação destes dois, Keats e Brawne, à medida que o sentimento vai crescendo em ambos. Como mencionam, eles criaram um mundo paralelo ao mundo real que é só deles, e é este o mundo que o filme nos apresenta.

Esta subjetividade pode ser percebida de diversas maneiras. O uso das cores é mais uma vez magnífico. Belos campos de flores, roupas ou borboletas que saltam aos nossos olhos. A luz é tão natural, deixando os interiores com uma sensação gostosa de sol. A sensorialidade está em tudo. Desde momentos em que algum personagem está acariciando o gato da família, até quando Fanny, deitada em sua cama, sente o vento adentrar a janela. O super close é outro aspecto que ajuda muito nesse sentido e nos possibilita observar contornos, desenhos e movimentos com maior privilégio.

Um dos momentos cruciais para o entendimento do filme e do próprio Keats é quando Fanny lhe pergunta sobre a arte do poeta. Ele lhe responde que o poeta não é nada poético. Fala que a arte (craftsmanship) de escrever poesia é uma fraude, pois ele só se vale daquilo que vem de inspiração, que não pode conter. E quando ela lhe diz que não entende poesia, ele simplesmente fala que poesia é algo que se deve entender através dos sentidos. “Não se entra num lago imediatamente para chegar ao outro lado. E sim para deleitar-se no estar na água. Não se compreende estar num lago, sente-se. É uma experiência além da imaginação”. E completa: “a poesia te abranda, e te ajuda a aceitar os mistérios”.

E isso pra mim, fala muito da minha experiência com o cinema e com este filme.

Não dá para descrever o amor. Pôr em palavras ou diálogos. Muitas vezes apreendemos mais o romance de um casal pelas cenas comuns do dia a dia do que em declarações apaixonadas.

Sabemos desde o início que o amor dos dois é algo impossível, pelos parâmetros da época. Mesmo com a confirmação disso, a tristeza não predomina. Predomina a certeza de que eles viveram cada momento juntos. Como Keats fala do seu sentimento em relação à poesia, é um constante estar no momento. E diversos planos do filme são exatamente isso. Não são ações representativas ou informativas sobre os personagens. São apenas um estar no momento.

Não vou chegar a uma conclusão dos fatos, porque tudo isso são impressões. Porém, posso ir chegando ao fim. Bright Star te abre os poros para aceitar as sensações, os olhos para que a luz suave do dia penetre as retinas e os ouvidos para que os poemas de Keats te deslumbrem. Sons e violinos e cores com formas que te preenchem indescritivelmente.

Realmente uma experiência cinematográfica.

Como apêndice, deixo aqui a transcrição do poema de Keats: Bright Star.

Bright star, would I were stedfast as thou art--

Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors--
No--yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever--or else swoon to death.

Um comentário:

Felicidade Clandestina disse...

impossível não se apaixonar por este filme. preciso rever :)