quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Festival do Rio 2010

Chegou a hora de fazer uma revisão geral dos filmes do Festival. Por estar trabalhando no evento, e em decorrência disto, acordando as 6 da manhã quase todos os dias, não pude enviar um recorte diário atualizado, como muitos o estão fazendo com o Twitter.
É uma pena, por não poder indicar certos filmes a tempo que vocês possam ir, mas… é sempre tempo para procurarem, seja para assistir no cinema mais tarde quando estrearem, seja para alugar, ou baixar na internet.
Costumo colocar os filmes do Festival em categorias, para facilitar o trabalho, já que assisto em torno de 50 filmes.

Filmes Relaxantes . Filmes de Festival . Filmes Esquisitos . Filmes Simpáticos . Documentários...

Começo por um filme simpático:

“8 vezes de pé”, francês, é o primeiro longametragem de Xabi Molia. Misturando comédia e drama, tenta tratar com uma certa leveza a difícil vida de Elsa, que não consegue se integrar as necessidades do mundo cotidiano. Passa por situações um tanto quanto preocupantes: seja sendo despejada de sua casa por falta de pagamento, seja não conseguindo arranjar um emprego ou sendo desprezada por seu filho, que mora com o pai.
A abertura, que lembra algumas características de filmes como Juno, pelos desenhos e pela música alegre “indie”, não nos prepara para o lado mais triste de Elsa, interpretada por Julie Gayet. Mas nos indica a intenção do diretor de não se entregar a um tom dramático ou excessivo.
É um filme bastante simpático. Daqueles que poderiam muito bem estrear um tempo depois nos cinemas e atrair um número significativo de público, principalmente os que gostam de acompanhar o cinema francês. As atuações de Julie e de seu companheiro de tela, Denis Podalydes, estão muito boas e vemos facilmente a química entre os dois.
Ele é outro personagem que está a margem da sociedade. Prestes a ser despejado, também a procura de um emprego, um pouco excêntrico, cujo hobby é tiro ao arco, o personagem de Denis completa a dupla. Quando juntos, potencializam nossa empatia e dão força um ao outro, aliviando nossa tensão e arcando com o tom cômico do filme. Este tom de leveza e tristeza, este equilíbrio entre o riso e o choro é bem estabelecido e mantido ao longo do filme. A trilha sonora é ótima e nos incita a procurá-la para escutá-la mais vezes. Eu, particularmente, gosto de histórias que não cedem a uma visão fatalista dos acontecimentos. Mesmo não sendo um grande filme, é um desses que vou guardar na memória com carinho.

A oeste de Plutão
Fui assistir este filme por recomendação de duas pessoas, uma delas um diretor canadense de Montreal, Denis Coté, que me disse: é um filme pequeno, interessante e extremamente quebecquois (de Quebec – Canadá). Pode até ser que o filme seja um retrato fiel de um grupo de jovens de Quebec, mas como não tenho como fazer comparações por não conhecer este grupo, o que posso dizer é que ele é uma representação muito próxima do que entendo como o mundo da adolescência. Ou seja, se bem que possa expressar um universo particular, atinge também o universal.
Pra reduzir a descrição, digo que é um “Kids” bom. Detesto Kids… acho extremamente pretensioso e tendencioso na representação do adolescente. Já em “A oeste de plutão”, os diretores Henry Bernadet e Myriam Verreault não fetichizam (como Gus Van Sant costuma fazer), nem idealizam, nem demonificam os jovens. Tentam tratá-los com a complexidade que merecem, sem uma visão maniqueísta ou a usual caracterização de juventude perdida e irresponsável.
É um filme simples, filmado de forma simples com um roteiro simples. Um dia na vida de alguns jovens de classe média, entre 15 e 16 anos. Momentos sozinhos e em grupo, situações comuns. Um padrasto que anuncia que vai morar com você e sua mãe, escrever um poema para a menina que nem nota que você existe, jogar videogame com seus amigos, fofocar sobre meninos, ter discussões pseudo intelectuais na quadra de educação física, ensinar como se pega mulher, ensaiar uma música que você compôs, etc, Até chegar no momento auge: a festa na casa da menina com quem todos implicam, que está superlotada porque uma outra que costumava ser sua amiga convidou muito mais gente do que deveria e as consequências dos atos impulsivos que se darão ali.
Conseguimos então ter uma visão geral de suas atividades, inseguranças e motivações, assim como um egoísmo que parece intrínseco a esta idade. Personagens que não se preocupam com a consequência de seus atos, que não pensam antes de agir e principalmente, que fazem qualquer coisa quando em grupo. Viram rebanho a postos para seguir um líder, que nem precisa ser alguém diferenciado. É simplesmente alguém que tomou frente e tomou alguma atitude. Os outros só vão atrás.
E ao mesmo tempo que nos deparamos com essa adolescência inconsequente, vemos também que não se pode reduzi-los a isso. Que são pessoas inseguras, capazes de gentilezas, de reflexão, etc e que estão passando por um turbilhão de emoções.
Enfim, um filme bacana que deveria ser visto não só pelos jovens mas por todos. Quem sabe entendendo melhor uns aos outros, não estabelecemos uma melhor comunicação?

A woman, a gun and a noodleshop
Filme mais recente de Zhang Yimou e inspirado no roteiro original do primeiro longa dos irmãos Cohen, Blood Simple, “A woman…” continua caindo no meu apreço pelo cineasta. Não chega a ser um desastre total, como “A maldição da flor dourada” mas ainda está bem abaixo de “O Herói”, filme com o qual descobri o diretor e o qual me deu curiosidade para procurar trabalhos antigos. Apesar de extremamente conservador em sua mensagem, e quase propaganda política do governo, “O Herói” era um filme sensível que passava de mera estética e truques de efeitos especiais. A história e seus personagens eram envolventes e o desenrolar emocionante, além de um clima lúdico fascinante que permeava a narrativa.
Desde então, este posto de O Diretor propaganda chinês vem lhe custando bastante. “O Clã das adagas voadoras” parecia uma tentativa de continuação de estilo do filme anterior combinando agora um toque mais tradicional de melodrama. Quem pode esquecer as três vezes que Mei, interpretada por Zhang Ziyi, morre no fim? Depois disso veio um filme diferente desta vertente: Um longo caminho, com temática mais simples, sem os efeitos especiais e ambientado na China atual. Excessões a parte, em 2006, Zhang Yimou lança o super melodramático, versão da peça Thunderstorm, de Cao Yu, ambientado durante a Dinastia Tang, “A maldição da flor dourada”. Exagerado em todos os sentidos, a imersão no gênero do melodrama resultou num filme longo e chato.
Finalmente chegamos em a “A woman a gun…”. Seguindo este caminho de cinema que deve agradar e atingir as massas, Zhang Yimou mistura a comédia pastelona e o melodrama, mas não consegue chegar aos pés da versão original da história. Não cria a tensão que os mal entendidos merecem, não gera empatia com nenhum dos personagens, nos tornando distantes e indiferentes ao que lhes ocorre, nem dá o peso necessário ao envolvimento entre os mesmos. O timing entre comédia e melodrama fica muito descompassado e exagerado para ambos os lados, sem que se encontrem no caminho.
Enfim, um filme que pode vir a ser divertido para alguns, mas que pra mim se reduz cada vez mais a estilo e não é bem sucedido em sua tentativa de misturar drama e comédia, tarefa realizada com maestria pelos Cohen Brothers.

Amores Imaginários
Segundo filme do badalado “recente talento descoberto” canadense, Xavier Dolan, “amores imaginários” foi uma decepção pra mim, que esperava um filme mais maduro e mais autoral.
Pensava que na segunda tentativa, Xavier poderia se desvencilhar do estilo exagerado que pega de cineastas como Gus Van Sant, Wong Kar Wai, Christophe Honoré dentre outros e criar algo, mesmo que antropofágico. Mas ao invés disso, ele deixa de lado o que mais apreciei em sua estréia, J’ai tué ma mere: uma explosão de sentimentos, algo de muito pessoal e sincero, que muitas vezes se torna auto indulgente e de extrema arrogancia, mas que em outras mostra a fragilidade e a sensibilidade de Xavier. Eu matei minha mãe foi escrito quando ele ainda tinha 16 anos e realizado quando tinha 18. Agora, após o lançamento do segundo, Xavier está com 21 anos e parece deslumbrado com as possibilidades técnicas que um orçamento maior traz, mais do que qualquer coisa. Ao invés de se aprofundar na honestidade do tema que vai tratar, permanece constantemente na superfície, preenchendo os 95 minutos de filme apenas com câmeras lentas wong karwainianas, closes de rapazes gusvansatianos, luzes coloridas godardianas etc. Creio que 80% do filme é pura estética, se não mais. 80% de câmera lenta, quadros tortos, enquadramentos de quina ou que preenchem um terço da tela, de cenas videoclípticas. Cansativo para aqueles que buscam algum conteúdo.
Reconheço que essa futilidade vai atrair um grande público, que vai se identificar com o estilo, vai achar bonito e sensível, que seja. Mas pra mim, isto que poderia ser um ensaio interessante sobre a rejeição virou um discurso super estetizado de um ainda adolescente mimado. A única diferença é que ele agora mora sozinho.

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