domingo, 29 de junho de 2008

O Escafandro e a Borboleta

Um homem que tinha tudo na vida: fama, mulheres, filhos lindos, um carro conversível e um trabalho glamouroso, sofre um acidente e torna-se completamente paralisado, incluindo sua fala. Tudo de seu corpo que se move é seu olho esquerdo, já que o direito também ficou inutilizado.

Uma história como essa poderia parecer uma das mais tristes e deprimentes da história do cinema. Algo como “Mar Adentro”, em que a imobilidade do protagonista o faz querer desistir da vida e mergulhar na morte. Mas não. Ao contrário do que se possa imaginar, “Escafandro e a Borboleta” é uma ode à vida e à “joie de vivre”.

A narrativa é dividida em duas partes que se entrelaçam: o passado e o presente no hospital. O presente é filmado, em grande parte, do ponto de vista de Jean Dominique Bauby (Mathieu Amalric). Com isso, podemos ver por meio de seus olhos e saber o que ele está sentindo através de sua voz em off, tradutora de seus pensamentos. A outra parte é mostrada um pouco aleatoriamente, seguindo o fluxo de lembranças do protagonista e muitas vezes é enquadrada em planos médios e closes, como que nos aproximando da cena, das emoções vividas ali. Há também espaço para algumas fantasias. Momentos subjetivos em que memória e imaginação se misturam, como a cena de Jean Do e sua atual namorada rolando nas areias de uma praia, como em “A um passo da eternidade” ou a representação dele mesmo, antes do acidente, como Marlon Brando. Há também planos bem estéticos que dão mais sensação, quase física, à cena, como os cabelos esvoaçantes de Marina Hands. E imagens ilustrativas do seu fluxo de pensamentos, muitas vezes servindo como metáforas visuais de seu estado atual.

A direção é espetacular, seja em questão de escolha do elenco, de planos, de diálogos, de trilha sonora, de luz, etc. O resultado final, conjunto de tudo isso, o prova.

A fotografia é genial. As cores muito vivas. Mesmo no hospital, onde tudo é branco ou esverdeado, a luz é bem utilizada, deixando esses tons mais claros, atraentes. O olhar de Jean Do é mimetizado tecnicamente através da constante mudança de foco, pelos closes de todos que se aproximam, ou seja, pela perspectiva a partir de seus olhos aplicada à câmera, pelo vaguear do olhar sempre mudando de direção e, claro, pelas piscadelas, responsáveis por sua nova forma de comunicação.

Os atores estão todos formidáveis. Inclusive os mais secundários como Isaach De Bankolé e Niels Arestrup.

A montagem articula muito bem os dois universos da vida do protagonista, nos dando informações a mais, no tempo certo, e nunca deixando um ou outro saturar.

A narração em off, além de fazer alusão ao livro (muito bem escrito) que vai resultar dessa experiência, se combina perfeitamente com as imagens

A trilha sonora é fantástica. Esta se divide em momentos mais emotivos e suaves, em que estamos em contato com a melancolia da história e outros, mais animados em que fantasia ou lembrança vêm à tona e a música dá a idéia de liberdade e êxtase que tais cenas contêm. Não importa onde e como, ela está sempre lá, ajudando a dar-nos a emoção da cena, a abstrair e a fantasiar junto com o personagem. E também ajudando-nos a voltar à realidade (quase que nos jogando de volta pra ela), quando um corte seco de cena a pára bruscamente. Com direito a Tom Waits e algumas canções pops como “Ultraviolet” de U2 e “Dont’t kiss me goodbye” de Ultra Orange and Emmanuel, até Charles Trénet.

Agora, além de todos os impecáveis fatores técnicos, temos esse homem. Esse novo homem lutando como pode pra escapar de seu escafandro e manter-se uma borboleta. Como Jean Do mesmo diz, ele ainda tem duas coisas que não estão imobilizadas, sua imaginação e sua memória. E se utilizará de ambas para manter-se VIVO, em letra maiúscula.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Canções de Amor

O novo filme de Christophe Honoré, diretor de Em Paris, conta mais uma vez com a presença de Louis Garrel e tenta se aprofundar em questões que já mencionava em seu outro filme como a perda, o ciúme e a dor gerada pelo amor.

Dividem a tela com Garrel, Clotilde Hesme, com quem fez Amantes Constantes, e Ludivine Sagnier. Os três são um trio amoroso há cerca de um mês e passaram também a dividir a cama nos últimos dias. Esse acordo, entretanto, não parece estar deixando todas as partes desse relacionamento, satisfeitas. Várias coisas se desenrolam daí, mas vou tentar me ater a outras questões para não falar demais sobre a história, antecipando-a ao espectador.

O filme se passa quase todo durante a chuva ou tempo nublado. A fotografia se aproveita disso e, principalmente nas externas, as cores são azuladas e cinzas, combinando com o ambiente melancólico de "Canções de amor". Não há muitas cores vivas, nem mesmo nos personagens, a não ser, talvez, naqueles que vêm para quebrar essa crosta de tristeza. Assim também, Honoré consegue passar uma idéia não tão romantizada de Paris, ou ao menos, não tão clichê. Ele brinca com a realidade parisiense cinzenta e chuvosa, mostrando diversas cenas de vida cotidiana, com pessoas andando nas ruas, paradas em padarias, etc. Todos indo e vindo, sem muitos sorrisos, sem que se passe a impressão de que tudo é bom e feliz em Paris.

Ainda não mencionei algo importante. É um musical. Não musical dançante em que muitos figurantes aparecem e temos a cidade inteira fazendo coreografias. Mas um musical simples, em que os atores cantam em determinados pontos do filme para tentarem expressar melhor seus sentimentos. A trilha sonora, então, é composta por algumas músicas instrumentais, com seus bonitos violinos e pelas canções, que foram compostas por Alex Beaupain, o mesmo de Em Paris.

"Les Chansons d'Amour" consegue escapar da breguice e do tédio que sua característica "pseudo" musical poderia lhe dar. As canções são delicadas e bem encaixadas e nos ajudam a entender os personagens e juntamente a outros elementos do filme nos narra de forma lírica essas histórias de amor.

Mais uma vez Christophe Honoré se mostra grande apreciador da Nouvelle Vague. Seja através de cenas como os três na cama lendo um livro cada, que mostra como eles estão naquela situação, seja na montagem em FF durante uma cena, nos trazendo uma sensação cômica ou no personagem de Garrel, que parece uma reinvenção do ator dos filmes de Truffaut: Jean Pierre Léaud. Ambos têm um certo humor intrínseco (mais irônico que inocente, em Garrel) e parecem sempre meio alheios à realidade. Mesmo as canções são um exemplo de algo que acontecia bastante durante a Nouvelle Vague. Fosse em pequenas inserções como em "Pierrot le Fou" ou filmes inteiros como os de Jacques Demy.

Um dos grandes trunfos de Canções de Amor é mostrar o amor sem limitações de gênero, idade, etc. E conseguir, apesar do título de comédia musical, se aprofundar em sentimentos humanos, como a tristeza e a solidão. Um filme jovem, leve e liberal sobre as alegrias e as dores do amor.

Hulk

Hulk é mais uma super-produção do cinema americano baseada em revistas em quadrinhos da Marvel, que está fazendo sucesso nas grandes telas do mundo inteiro. Muitos desses filmes são divertidos, mas nada além disso, outros conseguem ser um pouco mais interessantes e criativos e outros são muito bons. Fico contente em dizer que Hulk se encaixa na última categoria.
Eu costumo ser meio rígida em relação a filmes de super heróis, tanto por causa do patriotismo exacerbado que muitos deles contêm, como pela falta total de qualquer apoio na realidade. Ou simplesmente pela quantidade absurda de efeitos especiais em detrimento da história. E finalmente, mas não menos importante, há também aqueles furos de conteúdo, seja se distanciando do que a revistinha realmente mostrava, seja na própria narrativa fílmica. Levando tudo isso em conta, vamos a Hulk.

É o segundo filme feito nos últimos anos sobre esse jovem cientista que depois de um acidente relacionado com radioatividade, acaba se transformando em uma pessoa muito volúvel que toda vez que fica com raiva ou excitada demais se torna uma criatura verde gigantesca e quase indestrutível.

Tendo em vista que o primeiro foi decepcionante em muitas questões, principalmente a parte do plot do pai maluco de Bruce Bane, esse segundo leva em consideração apenas os fatos ocorridos na primeira versão. Para isso, durante os créditos iniciais do filme, vemos através de flashs e imagens rápidas, algo como a memória de Bruce. Forma inteligente de contextualizar-nos sem necessidade de (re)vermos ou (re)ouvirmos tudo de novo. Assim, nos é mostrado o que aconteceu em seu passado até chegarmos ao momento presente.

Localidade: Favela do Rio de Janeiro.

O filme já começa bem. Por quê? Porque a favela é de verdade, as pessoas realmente falam português, ele tenta falar português, em vez de um espanhol aportuguesado! Tem até a diferenciação entre português e espanhol, coisa difícil de se ver em superproduções americanas que não se importam muito com a veracidade dos fatos ou com a cultura do país que eles ilustram.

Todos os atores estão ótimos: Edward Norton, como o cientista fugitivo tentando descobrir um antídoto para sua condição, ao mesmo tempo em que tenta arranjar meios de controlar-se; Liv Tyler como a mocinha compreensiva; William Hurt, como o pai general (muito bem caracterizado fisicamente) preocupado em gerar armas poderosas para o governo americano; Tim Roth, como o vilão sedento por força e poder e Tim Blake Nelson, como o cientista maravilhado com as possibilidades que aquela aberração pode trazer para a ciência, mas que não prevê as conseqüências maléficas de suas experiências.

A história se mantem num ótimo ritmo, desde a apresentação de Bruce Bane, até seu retorno aos EUA e à sua amada Betty, incluindo todo o processo de correr atrás de uma cura. Os atores e a história conseguem criar um clima verdadeiro, mesmo que fantástico, nos levando a empatizar com aquele grande monstro verde e nos fazendo vibrar com todas as reviravoltas do roteiro e suas tensas cenas de ação.

Outra boa coisa do filme é que ele economiza nos clichês mais banais, como frases de efeito “a torto e a direito” e esbanja em menções ao antigo seriado e às referências originais dos quadrinhos. Seja através da aparição de Lou Ferrigno, ator do seriado; da famosa calça roxa; etc.

Há, claro, suas desvantagens. Nada é perfeito. "O" Hulk é um grande efeito computadorizado e nada nega isso. É difícil esquecer, mas outros elementos, como as emoções que lhes deram, o olhar esverdeado e o fato dele não aparecer muito o tempo todo nos resguarda um pouco dessa sensação de falsidade. E, afinal de contas, ele é um monstro, quem vai dizer como um monstro parece?

Hulk me surpreendeu por conseguir ser denso e ter emoção. É um filme tenso, ao mesmo tempo em que carinhoso. É crítico, ao mesmo tempo que divertido. Tem uma narrativa bem amarrada e personagens envolventes, e apesar dos efeitos especiais exagerados (muitas vezes), pude me interessar pela história e torcer por aquelas pessoas, a ponto até mesmo de querer ver uma seqüência.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A Banda


"A Banda" é uma produção israelita, com alguma ajuda francesa e americana, dirigida pelo diretor Eran Kolirin. 

Uma banda da academia de polícia egípcia é convidada para tocar na abertura de um centro cultural em Israel. Mas devido a alguns desentendimentos, acabam indo parar em uma outra cidade, árida e desértica. O regente da banda, formada por oito músicos, é um homem sério, amargurado e solitário e sua relação com os outros membros não parece muito bem resolvida. Dos outros se destacam o mais jovem do grupo, um "woman`s man" que tem problemas em seguir ordens e um tímido, "loser", que parece ser o único que consegue lidar minimamente com o líder rabugento.
 
Ao chegarem nessa cidadezinha perdida no meio do nada, dão de cara com um restaurante, que parece ser o único lugar habitado das redondezas e nele, encontram uma mulher, dona do estabelecimento e dois rapazes, um desempregado e um mais jovem que não parece ter muitas expectativas. Algo como aquelas pessoas do clássico de Spike Lee “Faça a coisa certa”, parados na calçada olhando o dia passar.

A atmosfera do filme é toda criada para que percebamos a solidão, o constrangimento, a infelicidade e a iniqüidade da vida daquelas pessoas. Em questão de fotografia, há muitos planos parados, alterando entre closes e planos abertos, onde os personagens normalmente aparecem sozinhos na tela e perdidos no centro do quadro, como quando queremos mostrar alguém desconcertado. Primeiro vemos ela por inteiro em meio aquele contexto que a “oprime” para depois vermos sua expressão, normalmente parada, como que desentendido. 

As paisagens desérticas, as cores neutras como azul, bege e cinza e as luzes pálidas ajudama dar o clima que mencionei. Essa tendência começa a mudar com o surgimento de novas personagens, como a de Dina. A narrativa tem um ritmo lento, mais uma vez correspondendo a algo que parece o próprio raciocínio daqueles personagens, meio parados no tempo, parados em suas vidas. Seja o músico que tenta terminar sua sinfonia há anos, o regente que não consegue deixar seu passado para trás ou um dos israelitas que está desempregado há um ano e cujo relacionamento com sua mulher está indo de mal a pior.

A trilha sonora também tem forte participação na atmosfera da história. Algumas pinceladas de músicas instrumentais e melancólicas pontuam alguns momentos do filme, ajudando a marcar, também pela sua ausência em grande parte das cenas, a questão da solidão, da suspensão no tempo desses personagens.

O encontro dessas duas culturas diferentes interfere nas vidas de todos mutuamente. Não há uma grande mudança redentora no final, como se teria num roteiro hollywoodiano, mas há algumas sutis reconfigurações nas suas vidas, mesmo que apenas em forma de esperança.

A música é a questão central de “A Banda”. Ela que passa por todas as relações pessoais, muitas vezes os unindo ou gerando significados. É lindo observar o poder dessa linguagem que não precisa de tradução para ser entendida. Basta o ritmo, o som e a voz. Seja na cena do restaurante, em que o israelita se impressiona com um pedaço de composição de um dos músicos, gerando uma simpatia instantânea. Ou o momento em que todos os homens que estão jantando cantam “summertime” desafinadamente. Ou a fixação do membro mais jovem da banda por Chet Baker, que fica perguntando a todos se conhecem o músico e depois canta "My Funny Valentine" na tentativa de conquistar mulheres, mas que ao invés disso, consegue algo muito mais si gnificativo.

A atriz do filme, Ronit Elkabetz, tem olhos lindíssimos e consegue iluminar a tela com a presença de espírito de sua personagem cheia de audácia e carisma. Os outros também estão muito bem e conseguem passar a condição um pouco ridícula, ainda que carinhosamente de seus personagens. Todos eles têm problemas. E isso os torna muito mais reais e interessantes. Simpatizamos com suas situações. Como o rapaz que não sabe paquerar, ou o que fica horas ao lado de um orelhão esperando um telefonema de sua namorada, ou o homem casado há anos que discute com sua mulher sobre o momento em que teriam se apaixonado. O que nos leva ao próximo tópico.

Além das relações humanas apresentadas, das mudanças do percurso natural de suas vidas em conseqüência desse encontro e do papel da música, o humor também é central. Um humor seco, lento e de observação que depende do ritmo apresentado para conseguir ser captado. A excentricidade é definitiva para esse tipo de humor. Desde os uniformes azuis com seus chapéus, que os tornam deslocados visualmente já de imediato e que os tiram do comum, até os personagens secundários que quase nunca aparecem, mas conseguem ser importantes para a narrativa. Como o velhinho, da banda, que só aparece em planos fechados quando está parado fumando com uma expressão séria, digna de filmes western dos anos 60 e deixando a vista sua grande unha do mindinho. Só isso, só de vermos este velho sentado fumando, sorrimos. E assim, percebemos a importância do diferente, do estranho para a ambientação e a graça do filme. 

É interessante o modo como o diretor consegue nos fazer rir ternamente. Não é um riso de escárnio, mas sim um riso que pode facilmente se transformar em lágrima dependendo do momento. 

Ao longo do filme vemos muito poucos personagens além dos que nos foram apresentados no começo. Isso, mais a decupagem que dispensa grandes movimentos de câmera, maquinário e equipamentos de luz, além das histórias que envolvem esses personagens tão singelos e verdadeiros nos oferece uma história simples e genuína. Um filme que nos é apresentado como ele é, sem grandes apresentações ou expectativas. Um filme real.

Cleópatra

Cleópatra de Julio Bressane é um filme de imagens, de luz, de sombras. Como em outros de seus filmes, cenas se transformam em quadros e cores em pinceladas de tinta. Contando, para isso, com a maestria de Walter Carvalho na direção de fotografia e com uma tela cinemascope muito bem preenchida.

A história de Cleópatra é narrada desde seu encontro com Julio César, interpretado por um canastrão Miguel Falabela, passando por sua paixão por Marco Antonio, até sua polêmica morte.

O diretor escolheu seguir um caminho mais ligado à sexualidade desses personagens históricos. Digo históricos, por terem existido, mas não num sentido de exigência de verossimilhança, pois em realidade, nenhum de nós saberia dizer como eles realmente eram e como os eventos históricos realmente se sucederam.

Mas é fácil imaginar, e o filme nos seduz nesse sentido, que Cleópatra devia ser deslumbrante, exalando sexualidade, desde seus 16 anos, na flor da idade. E presumivelmente, nem César, nem Marco Antonio resistiram aos seus encantos, ao seu cosmos estrelado. Ela se diferenciava das outras mulheres por diversos motivos, como podemos ver no filme. Por ser uma rainha, por ser de outra cultura, a cultura grega com seus costumes e sua maior liberdade, por ser inteligente e culta, dentre outros. Porém, nada disso desmerece o poder da atração sexual exercido por ela. A Cleópatra de Julio Bressane conhecia muito bem seu corpo e seu poder como mulher, algo extremamente atraente e perigoso, fatal para esses dois imperadores romanos.

Alessandra Negrini interpreta uma mulher que em momentos se parece com uma deusa realmente: confiante e indestrutível, e em outros, demonstra sentimentos mundanos, como ciúmes, inseguranças e dor. Apesar de uma pronúncia exagerada escolhida pela atriz em sua atuação, que ao meu ver, é um tanto quanto incômoda de vez em quando, consegui ver Cleópatra. Tal aspecto não atrapalhou minha percepção de uma personagem complexa que se desenvolve ao longo do filme. Podemos ver seu amadurecimento, seu ascender e sua decadência, até chegarmos numa Cleópatra abatida, desiludida e cínica, na Cleópatra mulher.

Além de algo como pintura, há muita teatralidade no filme. As luzes não são diegéticas, não tentam recriar um lugar verossimilhante, não é naturalista. Talvez realista, numa tentativa de dar uma noção de “realidade” espacial ao mesmo tempo em que levando os espectadores a penetrar as emoções dos personagens, os encaminhando para o efeito dramático desejado. Uma luz que exacerba as sensações. Não é sutil, não faz questão de se esconder em origens descritas, em fontes confiáveis que comprovem sua existência. Uma luz que se modifica de acordo com os interesses da cena e que sabe valorizar aspectos como adornos, cenários, roupas e mudança de humores.

Diversas “divagações” da câmera ajudam a penetrarmos na história. Seja as várias facetas de Cleópatra; sua prisão e primeira real demonstração de fraqueza no túnel; a morte de Julio César; a fumaça lírica que parece dançar em câmera lenta; as inversões na montagem, etc.

Apesar da teatralidade funcionar muito bem na fotografia, na atuação e em outros aspectos não compõe um quadro tão degustável. Algumas escolhas como transições abruptas ou dublagens não sincadas podem incomodar, mas não atrapalham o decorrer narrativo do filme.

A atuação de Bruno Garcia está ótima. Parece-me que ele conseguiu consideravelmente sair do formato teatral que ficou generalizado em muitas das cenas. Assim como outros atores como Tuca Andrada, que ilumina a tela quando aparece.

Não é um filme simples. Não é corriqueiro. Não é uma narrativa linear explicadinha. Entretanto, tirando alguns dos aspectos que mencionei que podem gerar incômodo, há uma seqüência de acontecimentos que são facilmente identificados e que, de forma lírica, nos disponibiliza a história. Há muitos simbolismos, muitas sutliezas, muitos murmúrios. Mas esses só servem para enriquecer.

Pra mim foi ótimo ver um filme brasileiro que se dispôs a contar a história dessas figuras míticas, já contadas por grandes escritores como Shakespeare e que já impressionaram por sua grandeza, muitas vezes retratadas em filmes hollywoodianos. “Cleópatra” consegue passar essa história tantas vezes vista e contada de forma criativa, de forma bela, de forma sedutora e simples, já que não foi necessária uma superprodução com milhares de figurantes, locações... É bom ver o que o cinema é capaz de fazer quando ele se dispõe.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Longe Dela

A jovem Sarah Polley, que vai fazer trinta anos em janeiro de 2009, mais conhecida por atuar em filmes como Don’t come knocking (Estrela solitária) de Win Wenders, Dawn of the dead (Madrugada dos mortos) e Go (Vamos nessa), acaba de dirigir seu segundo longa metragem: Longe Dela.

“Away from her”, no original, é um filme de grande lirismo. Com um tema forte, a diretora poderia ter transformado tal história num dramalhão, mas ao contrário, faz um filme cheio de sutilezas e de esperança.

Uma mulher, interpretada por Julie Christie, que com 67 anos de idade ainda deslumbra os espectadores com sua beleza, descobre que está começando a desenvolver Alzheimer. A partir daí, ela (Fiona) e seu marido, Grant, terão que lidar com a doença e suas conseqüências.

Falando assim, ainda não sinto que dê para perceber como o filme supera essa simples sinopse. Talvez se eu explicitar alguns de outros fatores como:

A montagem. A montagem não linear, principalmente no começo, se alinha com a mente da protagonista, um pouco confusa, com memórias que vêm e vão. Além disso, não há um processo detalhado, que normalmente se torna repetitivo e chato para que percebamos o que está acontecendo com ela. Em algumas cenas, poucas falas e determinadas expressões e ações conseguimos sacar exatamente o que está se passando. Mais uma vez, felizmente, um bom filme que sabe se resguardar quando precisa, sem explicar tudo tintim por tintim.

Isso faz parte da sutileza de direção e de roteiro. Longe dela é cheio de sentimentos ditos e não ditos. Alguns guardados, outros demonstrados. E todos eles enchem a tela através de pequenas frases e de alguns olhares decisivos.

A trilha sonora instrumental é linda, e ajuda a gerar a atmosfera dramática.

A fotografia se encaixa perfeitamente com o local em que a história se passa. Muita neve, muito branco, muito azul e marrom. Cores sóbrias que dialogam com a “secura” do enredo. É interessante, também, perceber as cenas em que Grant está olhando para Fiona, e uma luz forte ensolarada preenche todo o entorno de seu rosto em close, dando bem a noção do que ele sente por ela, e como ele a vê.

Algo fantástico é o modo como o casal lida com a doença de Fiona. Apesar da tristeza e da dor, há esperança, há brincadeiras e, principalmente, naturalidade. Outra coisa interessante é a humanidade com que essas pessoas mais velhas, dentro ou fora da “casa de repouso” são apresentadas. Pessoas que apesar da idade, ainda têm desejos, ainda transam, ainda têm capacidade de se apaixonar.

Há muita generosidade no filme. Seja dos atores, que fazem um trabalho incrível e parecem ter se doado nos papéis, como dos próprios personagens. Grant, marido de Fiona, sofre muito com a nova situação, mas mesmo assim respeita o tempo de sua mulher e aprende a amá-la sem pedir nada em troca.

Essa para mim é a maior mensagem de “Longe dela”: aprender a amar. Um amor não egoísta, que vai além da necessidade de ter a pessoa que se ama. Um amor que se basta em amar e em querer bem a quem se ama.

Pois o amor ao qual se faz mais propaganda por aí é um amor pra si, um amor que exige. Como diz Fiona, “people wanna be in love every day”. A realidade não é assim, relacionamentos são difíceis, nem sempre se tem o que se quer, nem sempre somos correspondidos, etc etc etc. E isso é muito bem retratado nesse belo filme que consegue ultrapassar os clichês esperados nesse tipo de temática e criar uma narrativa suave, lírica e serena.

domingo, 8 de junho de 2008

Altman e a Música

Robert Altman nutria um fascínio pela música. Desde o início dessa mostra no CCBB que recapitula seus filmes, vi 12, além dos outros 8 que já tinha visto. Sinto-me razoavelmente mais conhecedora de Altman, ainda que leiga e tendo que conhecer muito mais e rever muito mais suas obras para falar com categoria sobre qualquer coisa a seu respeito. Mas vou arriscar esse palpite em relação à música, tendo em vista que os últimos três filmes que vi dele têm como base ou pano de fundo um grande número de apresentações musicais.

“Nashville” gira em torno da música tradicional do sul dos EUA. Começa com uma gravação de estúdio de um cantor country e termina com um grupo de pessoas cantando num comício político. Entre isso, vemos várias outras performances, seja de trios de folk, da “rainha do country”, etc. E a música não é apenas uma anedota no meio da cena. Ela é um complemento à narrativa. Muitas vezes tem forte significado para a história ou para entendermos os personagens.

“Jazz ’34” retrata uma época presenciada por Altman na sua infância: Kansas City nos anos 30 e seus clubes de Jazz. Em uma hora e quinze de filme, vemos um grupo de músicos tocando seus diferentes instrumentos: clarinete, contra-baixo, saxofone, piano, violão, bateria... Todos juntos improvisando diferentes sons e ritmos numa harmonia jazzística sem igual. Ao longo das performances ouvimos (em off) algumas frases curtas de alguns deles fazendo comentários e relembrando essa época.

Não há personagens claramente definidos, não há falas, nem um roteiro, mas conseguimos construir uma narrativa na nossa cabeça através das imagens. Cenas de sedução, de admiração entre os músicos, de rivalidades e disputas entre saxofonistas dão um contexto mais emocionante ao filme. Tudo isso muito bem filmado e captado, seja na imagem ou no som. Como todos os ângulos pareceram acontecer num take só, fiz as contas e concluí que Altman utilizou três câmeras posicionadas em locais diferentes, mas todas filmando ao mesmo tempo. Enfim, um puro deleite aos olhos e aos ouvidos.

“Um Casal Perfeito” parece ser um dos primeiros filmes sobre casais formados através dessas agências de relacionamento de acordo com os perfis. Segue as regras das comédias românticas mais comuns, mas se diferenciam pelo... casal. Ao invés de atores famosos e bonitos, são duas pessoas bastante ordinárias e desinteressantes visualmente.

Bem, vamos a uma rápida sinopse: um homem e uma mulher que parecem não ter nada a ver um com o outro se conhecem e, como numa surpresa, até mesmo pra eles, se dão bem. Para ficarem juntos vão ter que passar por cima de vários problemas e desencontros. Mas não pensem que esqueci a música não.

A moça, interpretada pela esquelética Marta Heflin, é uma “backup singer” num conjunto bem típico dos anos oitenta, “Keepin’ ‘em off the Streets”, com aquelas formações de banda que misturam homens e mulheres, um constante som de teclado, vozes solos poderosas, dentre outras características. Vou usar ABBA ou Mammas and the Pappas como referência, apesar de ser uma comparação fraca e ineficiente.

Mais uma vez as apresentações são muito bem aproveitadas e enfatizadas, não empacando a narrativa ou se servindo de falsos pretextos para acontecerem.

“A última noite” se passa na noite de despedida de uma rádio, então não preciso nem comentar como as performances são importantes e presentes.

Em relação aos outros filmes, pode não haver uma ênfase tão explícita na música como os mencionados, mas ela aparece quase sempre como um personagem. Seja em “Onde os homens são homens” ou “Voar é com os pássaros”, onde ela aparece como um coro que comenta a história. Ou em “No assombroso mundo da lua” como trilha sonora tensa. Ou em pequenas performances significativas para a história como “Os delinqüentes”, seu primeiro longa-metragem. Ou em musicais propriamente ditos como “Popeye”.

Enfim, espero tê-los convencido da inclinação musical de Robert Altman. E deixado-os um pouco mais curiosos em relação à obra ainda pouco conhecida desse fantástico e diversificado diretor de cinema.

Nashville

“Nashville” é um filme fantástico. Segue a famosa tradição do diretor de juntar muitos personagens em pequenas histórias que se relacionam por algum motivo em comum, que normalmente efetiva a união, mesmo que não física, de todos no final do filme. Além de ótimos atores, incluindo alguns menos famosos, mas ainda recorrentes como: Shelley Duval, Henry Gibson e Lily Tomlin, Nashville conta com um ótimo roteiro, cheio de críticas em relação aos EUA.

Lançado em 75, os americanos passavam por um momento difícil: logo depois da guerra do Vietnam, Nixon tinha acabado de sair do governo e eles enfrentavam uma crise de energia. Ótimo momento pra se falar de política. E é exatamente isso que faz o filme, além de passar por outros assuntos, como casamento, estrelato, atentados de assassinato (comuns nessa época), visões estereotipadas e preconceituosas da imprensa, artimanhas políticas, interesse, cultura popular, dentre outros. Tudo isso através da visão tradicional de uma cidadezinha conservadora localizada em Tenessee, EUA.

Uma coisa que gosto muito nos filmes de Altman é que ele nos mostra os fatos e nos apresenta os personagens, ponto. A conclusão, entretanto, vem de nós mesmos. O filme não diz com todas as letras para o que se propõe. Além do que, fala sobre tantas coisas, que seria necessário revê-lo algumas vezes para captarmos todas.

Alguns desses pontos que acharia interessante ressaltar são:

A mídia - A personagem de Geraldine Chaplin é uma repórter britânica que vai aos EUA para investigar o “modo americano de ser”, mas em vez de realmente tentar entender seu entorno, vai atrás do que já pensa conhecer, do que já espera. De certo modo, acho que o filme é exatamente o contrário. É uma investigação real sobre os americanos, sobre o seu modo de viver e de pensar. Não simplesmente uma exposição de estereótipos.

A música - Nesse filme a música utilizada é a country, muito famosa e promovida nos Estados Unidos, principalmente no sul. Vemos personagens comuns e de todas as classes sociais, com hábitos e vidas diferentes que se unem através da mesma. Seja um grupo de cantores gospel, um trio famoso de folk, uma mulher que canta muito mal, mas que devido a seus dotes físicos, consegue vislumbrar seu sonho de ser cantora, uma mulher com talento, mas que devido a não aceitação de seu marido “careta” e de faltas de oportunidade não consegue seguir carreira ou até mesmo uma estrela da música country que canta desde pequena.

Só nesses três personagens Altman já fala sobre o oportunismo, o talentoso que nunca consegue sucesso e alguém que, impulsionada desde criança, trabalha, sem nem mesmo ter tempo de cuidar de si mesma.

A fama - Chegamos então em outro ponto importante do enredo. A vontade, hoje em dia generalizada, mas que surge com força nessa época e nesse local, de ser conhecido, de ter seus cinco minutos de fama. Essa necessidade é muito bem caracterizada não só pelas três personagens mencionadas como por Haven, um famoso cantor de músicas bastante conservadoras que tem o ego muito maior que ele mesmo (certamente) e que julga as pessoas pelo que eles têm a oferecer ou pelo que já alcançaram. Elliot Gould ou Julie Christie, que interpretam a si mesmos, por exemplo, tornam-se importantes figuras e são muito bem tratados por Haven, apesar deste nunca tê-los conhecido, devido aos seus status de “estrelas”. Ainda nessa questão, a validade e a qualidade da arte e dos artistas são questionadas num momento em que fama era tudo e talento ficava em segundo lugar.

O “american way of life” – Tal conceito tão divulgado ao redor do mundo como uma propaganda americana está bastante presente em Nahsville. Muitos de seus personagens perseguem essa promessa e se julgam merecedores de sucesso simplesmente por terem nascido nos EUA, basta querer e se esforçar. Todos querem uma boa família, um bom partido, um bom presidente, um filho com um bom emprego, etc. E se para isso tiverem que passar por cima dos sentimentos dos outros ou dos seus próprios, isso é apenas mera casualidade. Isso tudo parece ser questionado num ato final e excêntrico de um dos personagens.

São muitos atores e muitas histórias. Não é necessário dissertar sobre todas. Apenas digo que vale a pena ver como o diretor consegue com clareza e fluidez conectá-las, perpassando-as por meio de números musicais, num ritmo que dá tempo para cada personagem se estabelecer.
Mais um filme que dá muito valor às expressões, entonações e gestos dos atores, nos aproximando, mesmo que não explicitamente de suas intimidades e emoções e complexificando-os.

Retrata ainda a passividade e a falta de liberdade numa cultura em que se espera que você aja de determinada maneira. Seja o filho de Haven que gostaria de ser cantor, mas vira administrador formado em Harvard, uma cantora sem idéia própria sobre aquilo que faz, mas que segue fazendo, por não saber viver de outra forma ou uma mulher casada infeliz no casamento. Tudo isso de uma maneira muito verdadeira e prazerosa de se ver.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Quando eu era cantor

“Quando eu era cantor”, tradução direta do título em francês (Quand J’étais chanteur) que se tornou “Quando estou amando” aqui no Brasil é o novo filme de Xavier Giannoli. Não tão novo assim, posto que foi feito em 2006.

Então. Composto por um elenco exemplar, “quando eu era cantor” se baseia mais nas atuações de Gérard Dépardieu, Cécile de France e Mathieu Amalric do que em qualquer outro aspecto, incluindo-se a história.

O enredo é simples. Um homem mais velho (Alain Moreau) que vive no passado, cantor de baladas antigas e românticas, se sustenta financeiramente através de shows em bailes e pequenas cerimônias arranjadas por sua ex-mulher, agora produtora de sua banda. Uma mulher (Marion) jovem, cética e muito trabalhadora, que tenta lidar com os problemas de sua vida pessoal. Os dois se encontram num desses bailes em razão de um amigo em comum, Bruno, chefe de Marion e antigo colega de Alain.

A partir desse encontro um tanto quanto inesperado, o filme narra uma tentativa constante e cheia de tropeços de aproximação desses personagens. Cada um ajudando o outro de sua maneira.

A fotografia é bem comum, sem grandes inovações. A não ser quando nas apresentações de Alain, que se caracterizam pela breguice e pelo exagero, com suas luzes fortes vermelhos, azuis e amarelas.

A trilha sonora é ambientada de acordo com a temática do antiquado, do fora de seu tempo. Muitas canções românticas, com arranjos de teclado e tons dramáticos.

Não há muito a se dizer sobre “Quando eu era cantor”. É uma história simples, bem contada e muito bem atuada através das sutilezas de seus atores, que transmitem bastante veracidade aos personagens, com suas demonstrações de ciúmes, interesse, carinho, desconforto, etc.

Um filme que fala um pouco sobre as emoções humanas, um pouco sobre estar apaixonado, mas mais do que isso, um filme para apreciar Gerard Dépardieu, que além dos dotes de ator, se mostrou um cantor muito competente. =)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Não por acaso

Não por acaso

Phillippe Barcinski, advindo do mundo da publicidade, estreou no mundo dos longas-metragens com o filme “Não por acaso”.

Esse filme, estrelado por Rodrigo Santoro, Letícia Sabatela e Leonardo Medeiros, trata sobre o acaso, como diz o nome. O acaso como fatalidade, como acidente, algo que não há como ser previsto ou evitado. E que muitas vezes nos traz tristezas, nos causa dor. Levando ao pé da letra, o sentido do título com relação ao desenvolver da história, seria sobre como se apesar desses acontecimentos que estão fora de nosso alcance poderem nos trazer sofrimento, haveria, por trás, algum funcionamento obscuro que faria tudo voltar a funcionar. Como: há coincidências, que trazem coincidências. Algo como "há males que vêm pro bem". Como num fluxo que se renova.

Para citar duas situações do filme, eu diria: algo fluido, como os carros, que mais parecem fluxos de água passando por um encanamento. Então, em um momento, algo emperra no caminho e o fluxo pára... até tudo se acalmar de novo e a água voltar a escoar livremente. Mas esse percurso é imprevisível. Os danos que um problema lá na frente gera nos que estão lá atrás é incontrolável. E assim, na vida. O que me leva a segunda citação: dois segundos fazem diferença.

Resumidamente, devido a minha clara dificuldade, inabilidade e inaptidão em determinar o conteúdo real da sinopse desse filme, essa história nos mostra um pouco como lidar com o que está além de nosso controle. Como se, em vez de só sofrermos e não aceitarmos o que nos acontece, talvez houvesse como dar voz ao acaso, ao contingente. Em uma grande divagação, algo como o que Nietzsche nos diria. Trazendo para algo mais palpável, a perda muitas vezes nos fortalece e o amor nos ajuda nesse processo.
Mas não é só isso. O filme mostra também que não devemos esperar necessariamente que o destino bagunce com nossos planos. É bom tomarmos iniciativas próprias. Termos algum controle sobre nossas vidas. E isso os personagens aprendem.

“Não por acaso” fala sobre duas histórias paralelas que se unem em um instante, devido a um acidente de carro. Tanto Leonardo Medeiros (Ênio), como Rodrigo Santoro (Pedro) perdem pessoas importantes de suas vidas em frações de segundos. Assim. Sem mais nem menos. Ambos são pessoas racionais que vivem seu dia a dia em um mundo fechado e controlado, envolvendo repetição e lógica, seja a profissão de controlador de tráfego de um ou a matemática da sinuca de outro. E os dois seguem suas vidas aos poucos, de sua maneira, cada. Nos dois casos, a fatalidade justifica um pouco os rumos que suas vidas tomaram, dando ênfase ao título. Ironicamente, uma das mudanças se dá devido a um problema de encanamento.

A parte técnica realmente me impressionou. A direção de arte é ótima, com suas cores que permeiam o azul, o branco, o bege e o cinza, gerando uma atmosfera fria, de solidão e de sobriedade. É interessante ver a mudança de figurino e de luz à medida que o personagem de Ênio, por exemplo, vai mudando, vai se abrindo pra vida.

A fotografia foi feita por Pedro Farkas, que soube aproveitar bem esses tons claros e neutros, assim como teve maestria nos enquadramentos. Há muitos pequenos detalhes, pequenos gestos, olhares que definem as cenas. E tudo isso é muito bem captado. Algumas situações como desfocados, os personagens sendo introduzidos ao quadro através de suas sombras ou a sobreposição das imagens, dando idéia de “delay”, também são ótimas intervenções da imagem.

A narrativa soube contar bem através de poucas palavras. Como o que eu considero um bom filme, as imagens falam por si só. Nada que não precisa ser dito é dito. Muitas coisas estão subentendidas pelos momentos de silêncio, pelos enquadramentos, pelos planos parados, etc.

Ainda em relação à fotografia, a escolha de planos do filme mostra como Phillippe é experiente e cuidadoso em relação a decupagem, usando bastantes closes ou planos próximos, e boas resoluções como: planos de cima, super gerais da cidade, dentre outros. Há também alguns “efeitos”, como nas cenas da sinuca. Tudo na intenção de deixar a imagem narrar por si só.

Nem por isso o som fica em segundo plano. A música, em sua maioria instrumental, mas também dividida com algumas canções interpretadas por Nasi, Céu e Kátia B dão o tom certo ao desenrolar da história. Ademais, o som ambiente e as vozes foram muito bem captadas e mixadas.

Os atores estão ótimos. Em especial, Leonardo Medeiros, que sempre rouba a cena em seus papéis e Rodrigo, que consegue cada vez mais, se modificar de acordo com o que lhe é demandado. A construção de personagens pode ser percebida em cada detalhe, desde o modo de falar, até o jeito de andar, de sorrir, de pausar, enfim. O olhar franzido de Rodrigo e os olhos apreensivos de Leonardo dizem tudo.

Enfim, mais um bom filme brasileiro, que não só consegue emocionar através dos “pesares narrativos”, como também passar uma boa sensação ao final.