segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ao som de Sympathy For the Devil

Andava pela Cinelândia. bzzz, bzzzz. Alô? Oi mãe. Não, ainda não tá chovendo aqui não. Tá, fica tranquila, daqui a 5 minutos vou pra casa. 
Termino de deixar o filme da máquina pra revelar e desço as escadas para sair. As ruas já estão molhadas. Gotas pesadas essas! Deliciosas. Aquele vazio das ruas da cidade do dia 28 de dezembro, ampliado pelo temor de se molhar. Então atravesso a rua e vou esperar meu ônibus.
Me dá uma vontade de ligar pra alguém.
Bom dia! tá aonde? porque eu estou no centro, na Cinelândia e está chovendo. Mas é daquelas chuvas que só refrescam. aqueles pingos grossos. mas que mantem a claridade do dia. _ Em questão de cor e luz eu diria que diminue a saturação, por causa do tempo nublado, mas sem perder em exposição. O contraste não é dos melhores assim de cara, mas com uma camera digital deve ficar bem bonito. _ Então. só te liguei pra saber se aí onde você tá, tá chovendo também. Porque se estiver, as chances de haver um arco íris por aí são grandes. 
E aí? Tem um arco íris aí?

sábado, 19 de dezembro de 2009

A filosofia de vida segunda Julia Child

Bom dia. Dois filmes que assisti nas últimas duas semanas e gostaria de comentar.
Comecemos pelo primeiro: Julie e Julia.
Dirigido por Nora Ephron, conhecida principalmente por seus filmes anteriores: Sintonia de Amor e Mensagem pra você. Como o trailer, o teaser e acho que até o cartaz já diziam, é baseado em duas histórias verdadeiras, dois livros serviram de base para a inspiração: My Life in France, de Julia Child e no homônimo, Julie e Julia, de Julie Powell.
O primeiro, escrito por Julia e complementado por cartas dela e de seu marido para amigos e parentes, conta sua experiência como mulher de embaixador à procura de uma atividade em Paris e a descoberta de sua paixão pela culinária.
O segundo é uma junção dos posts do blog de Julie Powell, que resolveu fazer as 500 e poucas receitas do livro "Mastering the art of french cooking" (escrito por Julia Child) durante 365 dias.
Independente de qualquer critério artístico cinematograficamente falando, esta resenha será focada no conteúdo.
Não dá pra negar, filmes americanos, em sua maioria, e principalmente hollywoodianos, tendem a contar uma história. De cabo a rabo, com o mínimo de arestas ou nós frouxos possíveis. Um conteúdo empacotado numa forma idealmente planejada para ser discreta, suave e eficiente. Por isso, o que tenho a dizer sobre a luz, o som e outras questões técnicas é irrelevante. Bem feitos, claro. E as atuações estão ótimas. Meu chapéu para Merryl Streep, pela enésima vez, que não encarna ou se torna seus personagens, mas dá vida e cor e luz e voz a eles. 
Além do mais, não foram esses aspectos que mais me chamaram atenção. O que me interessou foram essas personagens, a trajetória que seguem e as sensações que obtemos através de suas histórias.
O formato em montagem paralela é muito interessante, pois conseguimos observar as constantes aproximações entre a vida dessas duas mulheres, suas dificuldades, motivações, paixão pela cozinha e por seus maridos. Apesar das semelhanças e referências entre ambas, não creio que a montagem tenha tido a intenção de manter uma fluidez e imperceptibilidade nas transições, como alguns poderiam pensar e criticar por não alcançar, pois acredito que há uma divisão clara entre as seções que deve ser mantida não só por conteúdo, mas pela forma.

Certamente a narrativa de Merryl Streep carrega o filme, com todo seu charme e sua presença, não só em tamanho (falseado e aumentado dos 1,68 aos 1,88 em tela), mas na alegria que trasmite com seu sorriso e a graciosidade de seus gestos. Sua voz engraçada, feita sob medida para a personagem, além das caras e bocas emprestadas para Julia Child preenchem a personalidade cativante dessa mulher que superou dificuldades e preconceitos para se tornar uma cozinheira e lançar seu livro de culinária, vendido até hoje.

Julia Child pode ter sido apenas uma mulher na vida real. Pode ter tido muitos defeitos, nem ter sido tão interessante quanto vemos no filme. Mas essa Julia, a verdadeira, não é a que nos interessa, nem que interessava a Julie Powell. O que ela e nós temos é uma fantasia. Uma mulher maravilhosa que nos ajuda seja a cozinhar, seja a apreciarmos pequenas coisas da vida ou simplesmente a sorrir. A Julia Child do filme de Nora Ephron é uma inspiração idealizada, um mito, um símbolo. No caso de Powell, daquilo que ela gostaria de se tornar. Uma mulher amada, bem sucedida em sua vida profissional e em família e que pudesse praticar aquilo que gostasse no seu dia a dia. No nosso caso, uma alegoria do que um filme como esse pode nos trazer. Não importa se aquilo tudo não é verdade, contanto que nos traga conclusões boas ou úteis, reflexões, alegria. E o que mais me impressiona é termos essa revelação do mito a nosso alcance. 
Quando Julie consegue finalizar seu projeto e está radiante por causa da aceitação e do respaldo que está tendo recebe o telefonema de um jornalista que diz ter conversado com a senhora Child e que esta teria elatado sua visão negativa em torno da iniciativa do blog de Julie. Ela fica arrasada e nesse hora, seu marido, corretamente, esclarece: isso não importa. Essa Julia com quem ele falou não importa. E sim aquela que te inspirou, que te trouxe bons sentimentos e te impulsionou a ser melhor. E é isso. Sem rancor, sem maiores explicações, sem retaliações. Simplesmente um tablete de manteiga em sua homenagem e em agradecimento por toda a ajuda.
Ao longo dessas duas horas, acompanhamos as vidas dessas duas mulheres e crescemos com elas.
É muito bom quando podemos obter tamanhas compensações através de coisas tão simples, como cozinhar. Não só há uma mensagem de seguir atrás de seus sonhos (por mais "filme da Xuxa" que isso possa soar), como de apreciar aqueles que te amam e de ter paciência e saber lidar melhor com os obstáculos que surgem em nossos caminhos, mas principalmente, nos mostra que não há necessidade de abrirmos mão da fantasia. Deixemos ela fazer parte de nossas vidas e nos enriquecer.
Então é isso. Um filme feel-good sim e assumido, mas com subtextos que chegam mais próximos de nós do que esperaríamos.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Encontro com Lucrecia Martel



Mais um encontro memorável com uma cineasta. Desta vez, Lucrecia Martel.
A diretora Argentina dos filmes “O Pântano”, “A Menina Santa” e o mais recente, “A mulher sem cabeça”, estava no Rio esta semana e aproveitou para dar entrevistas e palestras, conhecer lugares e ainda falar com os alunos da UFF. O evento propulsor de sua vinda foi o III Encontro Internacional de Cinema e Educação da UFRJ. Nesta terça feira encontrou docentes e ouvintes na cinemateca do MAM para falar um pouco sobre o universo juvenil que se encontra em seus filmes e a utilização da narrativa na educação e formação de crianças e adolescentes, além de responder perguntas gerais de sua filmografia.

          Magra, cabelos longos e ondulados e sua marca registrada: os óculos bastante femininos. Apesar de pequena, Lucrecia domina o lugar com sua presença, sua voz delicada e seus comentários repletos de informação e experiência.
Começa se desculpando por não falar português e pedindo para que se não entendermos algo, dizer-lhe, para que possa repetir com mais calma. Depois pede para que façamos perguntas porque não se dá muito bem com um esquema de palestra.
De mãos tímidas a mãos mais seguras, o panorama de questões vai se formando e Lucrecia vai desenvolvendo complexas respostas que abrangerão desde sua infância até os processos de filmagem de seu último filme.
No encontro com a escola de cinema da UFF, falou principalmente sobre casting e seu trabalho com os atores, assim como sobre a importância do som.
Quando está no processo de seleção, não está atrás do mais talentoso ou do que mais se aproxima do personagem. O que ela quer é um entendimento entre diretor e ator. Diz que gosta de conhecer todos na filmagem, incluindo figurantes, porque para ser capaz de ir até eles e lhes pedir coisas precisa se sentir a vontade, precisa desse entendimento. Essa comunicação é mais importante do que uma suposta adequação ou perfeição.
Um outro ponto importante a se verificar é se o elenco escolhido funciona bem em conjunto. Esse é um cuidado que diz ter na hora do casting. Sempre pensar tal pessoa em relação a como ficaria com a outra, tanto na tela quanto pessoalmente.
Em relação à maneira com que lida com os atores, diz que não há método certo e nem mesmo UM apenas para com todos. É como se quiséssemos falar da mesma forma com sua sobrinha, mãe, tia e avó. Atores são pessoas estranhas, diz ela, caminham pelos limites da loucura, onde quase ninguém quer chegar.
Sobre ensaios, Lucrecia fala que não gosta de fazer testes de elenco com textos retirados do roteiro, para não desgastar as cenas. Cria outros textos, muitas vezes inspirados em situações corriqueiras de seu cotidiano e que se encaixem nesses personagens para que possam atingir a atuação/naturalidade desejada.
Na realidade, não gosta de repetir muitas cenas nem na hora de filmar. O máximo de takes que repetiu numa cena foi 11 vezes e achou desgastante demais.
Saindo um pouco do assunto, entrando na preparação da filmagem em si, não gosta de criar storyboardings, porque não consegue imaginar os planos e posicionamentos de câmera até estar no local com a luz montada, com a visão dos elementos reunidos... Pode pensar sim cores, tonalidades, enfim uma identidade visual com o fotógrafo e principalmente definir zonas de foco. Agora voltando...
Quando fala sobre seu trabalho com crianças e adolescentes, Lucrecia dá dicas importantes. “Não pode existir crianças profissionais de seis anos. E se existirem, serão pequenos monstros. Por isso procuro não chamar atores mirins e sim crianças sem muita experiência. E não lhes dou um roteiro com suas falas, porque quando se tem uma criança envolvida, que quer muito dar o melhor de si pro projeto, ela tentará ser o mais precisa possível. Vai tentar ler o que está escrito, incluindo as pausas, pontos e vírgulas. E tudo isso determina a forma dela falar.” Diz que se compararmos num programa de edição de som qualquer um telefonema de nossa mãe no telefone com uma cena atuada, perceberemos a diferença da freqüência do som de cada uma. A primeira sendo muito mais irregular, onde as frases não se terminam por completo, enquanto a outra será preparada, tanto na respiração quanto na disposição corporal para que cada frase seja dita correta e inteligivelmente.
Por isso, prefere conversar com as crianças, contando-lhes histórias e contextualizando sobre aquilo que terão que dizer nas filmagens, para que assim, os textos fiquem gravados em suas memórias. Gerando uma sobrecarga de informação e uma certa confusão, levando-as a falarem com a tal imperfeição e irregularidade sonoras que busca.
“Atores adultos são treinados para tentarem atingir um tom mais natural, eles têm esse tipo de preparação. Crianças precisam de ajuda”.
Já entrando no tema sonoro, Lucrecia falou do local cinema como um espaço preenchido por fluidos, como uma piscina. Só que em vez de água, esse fluido seria o ar. O som perpassaria esse ar através das vibrações atingindo fisicamente o espectador, sendo assim o único elemento do qual o público não pode se ausentar. Mesmo que tampemos os ouvidos, ainda escutaremos alguma coisa e saberemos o que está acontecendo.
“Podemos tampar o ouvido numa cena de esfaqueamento de um filme de terror, mas o barulho vai nos dizer o que se passou”.
E complementa:
“Cinema é composto de imagens e sons. Muitas vezes, não é tão importante entender o que se está dizendo, contanto que se entenda que é um diálogo romântico, ou uma briga, etc”.
Com o intuito de gerar uma atmosfera sonora, a diretora comenta que muitas vezes escolhe com a direção de arte objetos como geladeiras ou ventiladores que tenham um barulho, uma cor sonora para preencher o ambiente.

Lucrecia foi sincera quando questionada sobre sua formação numa universidade pública.
“Não me ajudou muito, na verdade. Minha universidade não tinha muitos recursos e as aulas eram esparsas. Estudei durante a crise Argentina e as verbas eram mínimas. Então acabamos lendo por nós mesmos e vendo muitos filmes. Essa foi nossa formação. Não acho na verdade que seja necessário ter aulas de cinema para trabalhar com isso. Porque grande parte do aprendizado se obtém muito rapidamente praticando e a outra vem da vivência, do seu conhecimento, da sua intuição”.
No tema sobre suas motivações para a escolha do cinema como forma de expressão, Lucrecia admite que se escrevesse bem, provavelmente seria escritora. Sua carreira como cineasta foi acidental. Segundo ela “meu pai tinha comprado uma câmera filmadora quando eu era pequena e disse - Essa câmera custa tanto quanto um carro. Então quem quiser usar vai ter que ler o manual. – eu li, porque nessa época gostava mais de ler manuais do que literatura. Filmei bastante cenas familiares e filmes de cowboys com meu irmão, mas sem nenhuma pretensão de trabalhar com cinema. Na minha cidade ser cineasta era tão difícil quanto ser astronauta. E olha que eu já quis ser astronauta!”
Fazia escola de animação, não só por seu interesse narrativo como por um aspecto quase científico de observação e controle da realidade. Nessa época, seus colegas resolveram ir para a faculdade de cinema e ela resolveu ir junto para segui-los. Depois de um inesperado sucesso de seu curta metragem, outra surpresa: o roteiro de “O Pântano” recebeu o prêmio do Sundance Film Festival. A partir daí, seus dois outros filmes tiveram a produção de Almodóvar.
Agora, que não tem nada para compartilhar com o público, Lucrecia está em busca de outros modelos narrativos.

No debate que aconteceu no Instituto Moreira Salles na última sexta feira, (4 de dezembro) a diretora mostrou ter uma visão pragmática do cinema por um lado, mas também fantástica por outro.

Acredita na diversidade cinematográfica, na necessidade de produzirem-se filmes dos gêneros mais variados, desde açucarados hollywoodianos a filmes cabeça. “Não importa se é bom ou ruim. Há filmes para determinados momentos. Depois dos gregos, ninguém criou tantos mitos quanto os americanos criaram”.
Admira a mentira fílmica. “Tudo no cinema é falso. Acho fantástico. Pessoas que não são da mesma altura parecem ser, corpos que caem do segundo andar sem se machucar, etc. Até os atores que choram sem necessidade de estarem sofrendo. Não acredito em torturá-los. Não suporto ser torturada”.
Já num âmbito menos prático, a roteirista de “La cienaga” comenta acreditar no poder de apropriação que o cinema, assim como outras formas narrativas, possuem em relação ao que está a nossa volta. “Quando se conta uma história sobre uma casinha no alto de uma montanha ou se filma uma base prolífica, está-se criando afecção em torno desses lugares. Se alguém tentar destruí-los mais tarde, haverá pessoas que tentarão conservá-los e protegê-los”.
Essa apropriação nos leva ao segundo ponto que tocou na palestra, a transformação da realidade através da narração. “A realidade é o que queremos que ela seja. Não acredito num real uno e definitivo. Por isso gosto de cineastas que mostrem o mundo com mais fluidez, sem defender uma determinada realidade como certa ou natural, como Buñuel ou Aldrich”.
Depois de tudo isso ainda deu tempo de comentar assuntos políticos da Argentina e da América Latina.
Impossível relatar todas as suas respostas aqui. Tentei resumir ainda que seguindo fielmente seu discurso, para dar uma idéia de sua sensibilidade como diretora e capacidade de transmitir suas idéias de forma descontraída e inteligente ao público curioso e admirador de sua obra.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Acústica: de elevador

Acústica: de elevador
maneirismos: de um cantor grunge (fenomeno que se figura principalmente na pronúncia de breath e fearless)
cor: fundo esverdeado. provavelmente um branco adaptado.
letra: massive attack, não conheço muito, mas estou mais intrigada a conhecer.
instrumento: um violão. aparentemente. mas sonoramente uma percussão se faz presente.
a voz dele viaja irregularmente pelo espaço. abaixa, equaliza, sobe, e volta.sempre agradável.
incrível como maneja os sons, distintivamente de uma batida para outra, de um lugar no violão para outro, de uma mão aberta para uma semi aberta.como dedilha e solta o verbo e os dedos, que flutuam pelas cordas.
o som um pouco metálico só mais credibilidade, se é que isso faz algum sentido.
e pra finalizar, balança o violão, gerando ondas das ondas sonoras. provocando um efeito simples mas eficiente.

Newton Faulkner

Teardrop:

Love love is a verb
Love is a doing word
Fearless on my breath
Gentle impulsion
Shakes me makes me lighter
Fearless on my breath

Teardrop on the fire
Fearless on my breath

Night night of matter
Black flowers blossom
Fearless on my breath
Black flowers blossom
Fearless on my breath

Teardrop on the fire
Fearless on my breath

Water is my eye
Most faithful mirror
Fearless on my breath
Teardrop on the fire of a confession
Fearless on my breath
Most faithful mirror
Fearless on my breath

Teardrop on the fire
Fearless on my breath

you're stumbling into
you're stumbling into

domingo, 15 de novembro de 2009

500 dias com ela


This is not a love story. True or false?
(Essa não é uma história de amor. Verdadeiro ou falso?)
Vejamos....
Começo por um dos elementos mais importantes do filme: a trilha sonora. Composta de acordo com o gosto musical dos personagens e seguindo o caráter leve, melancólico, às vezes, mas principalmente carinhoso da linha narrativa. Dentre as principais canções, estão The Smiths, Regina Spektor, Pixies, Carla Bruni, Paul Simon e a própria banda de Zooey Deschanel: She & Him.
O filme de estréia de Marc Webb como diretor nos dá a oportunidade de acompanhar o processo do relacionamento de Tom Hansen e Summer Finn.
Os tais 500 dias são a duração desse ciclo: rapaz conhece moça, rapaz se interessa, moça fica intrigada, um beijo acontece, um beijo leva a dois, três e quando vêem estão se beijando na horizontal. Da cumplicidade e do riso se faz a careta e o drama por algo que você nem entende. Do término vem a dor e a vontade da reconquista. Quando esse desejo não se realiza e você percebe que é incontornável, vem o buraco, o fundo e a subida. A necessidade de mudança e de perceber que aquilo foi só uma dificuldade, uma tristeza, uma das muitas que sentirá, mas que de forma alguma deve ser visto como o fim do mundo e nem como algo ruim.
E um dos grandes méritos do filme é conseguir mostrar todos esses procedimentos de forma descontraída, simples, mais realista do que normalmente vemos: a antecipação, as expectativas, aquele começo quando aceitamos tudo que o outro diz porque não queremos estragar nada, mesmo que saibamos que podemos nos machucar mais tarde, a conquista e todas as investidas que saem pela culatra. Os constrangimentos e a obsessão de interpretarmos cada palavra ou ato do alvo de nosso interesse. Em suma, o período de descobrir o outro: suas manias, suas marcas, seus segredos, as semelhanças entre os dois, as convergências de gostos, etc. Depois da aparente conquista, vem o momento tão esperado de se sentir a pessoa mais feliz do mundo.
Duas pessoas se conhecendo. Não sabem o que o outro vai dizer ou fazer. Aquela insegurança de estar se entregando a um recém desconhecido.
Summer lhe diz, depois de um desentendimento, que não pode prometer nada, não pode dar garantias de que vai acordar todos os dias sentindo a mesma vontade de estar com ele (ninguém pode). E diante da necessidade de alguma consistência, como ele mesmo diz, reafirma que não é um rótulo de namorado(a) que lhes dará isso.
Apesar dos empecilhos e da aparente certeza de que Summer não quer se envolver, Tom percebe seu processo de desabrochar acontecer na frente de seus olhos. Ele, indivíduo naquela dupla que, como quase sempre há, está mais apaixonado do que ela, nota as barreiras desmoronando e acredita que em algum momento será correspondido com um sentimento tão forte quanto o seu. Mas as coisas não são simples assim na vida e nem sempre acontecem como queremos....
Ao que nos leva ao segundo e grande mérito do filme. Seu conceito de amor, de final feliz não segue o mainstream de comédias românticas americanas, em que quase sempre podemos adivinhar os passos seguintes e certamente o desfecho.
Diferente do que comumente vemos, “500 dias com ela” defende que não há apenas uma pessoa para cada um. Achar que só existe UMA, alma gêmea, a ser encontrada e capturada é esperar um par idealizado e se fechar para qualquer outra possibilidade. Como um dos melhores amigos de Hansen mesmo diz, a mulher IDEAL dele provavelmente seria muito diferente daquela com quem está, mas ele prefere essa, por ser REAL.
Há uma cena em que Tom está prestes a se demitir, coração partido e indignado com a falsidade de dizeres dos cartões que têm ajudado a escrever e vender. Diz que é culpa de filmes, músicas e cartões como esses que sempre esperamos algo que acabamos por não encontrar. Por mais que essa reação seja um certo exagero, fruto de sua desilusão, há um fundo de verdade nisso. Somos muito influenciados por aquilo que vimos e ouvimos. Essas representações do que seria amar, estar apaixonado, ter um amigo, ter um término, sofrer, etc... que só fazem nos confundir.
Porque na verdade o que mais vemos são falsas interpretações que se pretendem verdadeiras. Filmes hollywoodianos que escolhem UM dos milhares de caminhos possíveis, mas que não necessariamente é o certo. Ao invés de vermos filmes e ouvirmos músicas que nos ajudem a lidar com nossas situações, questionamentos e sofrimentos, vemos espelhos que não nos representam e achamos que os errados somos nós. Estamos incessantemente a espera de algo que vimos antes, de um pré-conceito. Achamos que a não ser que sintamos aquilo que Hannah Montana ou Julia Roberts disse sentir, não deve ser verdade.
Depois desse grande desvio de caminho, (dês)abafado, continuo na exposição dos meus elementos favoritos:
Quando Tom conversa com sua amiga mais nova e sábia, muito importante para sua recuperação, ela lhe diz para parar de pensar apenas nos momentos bons e em quanto eles combinavam, mas pede para que ele dê uma vista geral, mais minuciosa e perceba que nem tudo era tão perfeito e incrível como imaginava. Ao pensar com mais atenção, Tom vê que realmente ouve momentos bons e ruins. Não necessariamente Summer era tão compatível assim e o simples fato dela não corresponder seus sentimentos como ele precisava, já indica um bom motivo de separação.
Porém não há necessidade de melodrama. Como os personagens dizem numa de suas conversas:
Todas essas pessoas que você namorou parecem bacanas. O que aconteceu?
O que sempre acontece. A vida aconteceu.
Na vida, passamos por períodos difíceis, desilusões, sofremos! Mas seguimos em diante! E aprendemos.
O que me leva ao terceiro grande mérito do filme: a aproximação dos personagens na tela com nós mesmos e nossos amigos. Eu estar citando as situações do desenrolar ficcional é apenas um artifício para mostrar o quão parecidas com nossa vivência essas são.
As brigas e as motivações que os unem são muito mais próximas da nossa realidade. Assim como essa não definição de relacionamentos, resultado de um fenômeno recente, que se recusam a colocar rótulos.
A intimidade que permanece quando os dois voltam a se encontrar, o carinho que não se desfaz. A dor que sentimos ao ouvir que um novo alguém é capaz de oferecer o que nós não pudemos. A mão sobre a mão de desfecho.
O momento em que a tela é dividida entre realidade e expectativa é sensacional. Todos já sentiram isso.
O que a uma hora e quarenta nos mostra é que a experiência que ambos tiveram juntos valeu a pena. Esse momento que dividiram serviu para que aprendessem, se divertissem e conhecessem uma outra pessoa que sempre irão admirar e amar.
Uma quarta conseqüência desse encontro foi um ter ajudado o outro a mudar, a enxergar certas coisas que antes não viam. Conclusão essa que podemos tirar tanto da atitude de Hansen...
...é necessário estar bem consigo mesmo, sozinho, autosuficiente para que outra pessoa possa nos dar valor e para que possamos olhar ao redor. O amor que ele sentia por ela equilibrava todas as imperfeições de sua vida. Contanto que os dois estivessem bem, ele podia estar num emprego que não gostava. Percebe então que estar com outro deve ser um complemento a uma já contentação pessoal.
... quanto da de Summer, que percebeu que pode ser surpreendida pelo inesperado.
A narração vem dos momentos mais pertinentes, viradas importantes na vida de Hansen, com um caráter muito narrativo e quase irônico, em harmonia, mais uma vez, com a sensação leve do filme.
Como o narrador diz logo no início temos duas situações opostas que podemos dizer ao final serem ambas incorretas.
  • ele achava que a vida seria realmente feliz e completa somente quando encontrasse a mulher ideal.
  • ela não acreditava que houvesse nada tão forte ou significativo quanto a idéia de amor que todos disseminam.
Depois de tantos aprendizados que podemos captar, um dos que mais gosto é que não há caminho certo. Não há fórmula ou receita para saber o que sentimos e o quão verdadeiro o sentimento é. O que há é o acaso. Encontros, coincidências...
Mas a vida é assim, uma série de encontros e desencontros imprevisíveis. E o que fazemos dessas coincidências é que muda nossas vidas.
Um filme delicado, que não precisa inventar grandes eventos, reconquistas ou finais tradicionalmente felizes para mostrar o que bem estar pode ser. Um filme com o qual muitos vão poder se identificar, que fala mais diretamente e abertamente ao público e que gera finalmente um pouco de conforto, ajudando esse público a compreender e se recuperar de suas próprias dificuldades. Ainda, um filme de amor sim. Pode não ser o tipo convencional que acaba em casamento, mas amor de amizade, de alegria, de amar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Filhos bastardos do cinema de guerra

Inglorious Bastards, de Quentin Tarantino é um de seus filmes mais maduros e políticos. Como justificar isso? Tentarei.
As influências de diretores como Sam Peckinpah e Sergio Leone continuam lá, (in)sãs e salvas. Desde a estética da violência, com direito a câmeras lenta e expressões desgraçadas dos personagens ao atirarem  de um a uma atmosfera de tensão e traição do outro.
Os primeiros 15 minutos são magistrais, uma abertura quase épica. Uma aula de cinema em "como criar tensão e gerar expectativa no espectador, parte um".
Me lembrou bastante o começo de Era uma vez no Oeste. Os gestos lentos, o silêncio, a espera, a não explicação ao espectador logo de primeira do que está acontecendo... Além disso, a trilha sonora misturando "Pour Elise" com um violão "flamenco", contextualiza a dramaticidade daquele momento e ainda atualiza o clássico de Beethoven.
A calma com que tudo se desenrola naquelas primeiras cenas na casa do senhor Lapadite: servir o leite, acender o cachimbo, a educação e polidez do Coronel e do chefe da família, a paciência e meticulosidade de cada gesto e palavra são impressionantes e provocam eficientemente a sensação de tensão quase superficial (de superfície, não falsa) pretendida pelo diretor. Além de ser uma fantástica maneira de se apresentar um de nossos protagonistas.
Momentos de tensão como esse são espalhados por todo o filme. A antecipação da chegada do Judeu Urso, com apenas o som do taco de beisebal ecoando de dentro da caverna, ou a cena das armas apontadas em direções opostas debaixo de uma mesa, e ainda uma, quase versão subversiva de cinderela, dentre outras são alguns exemplos.










Meu comentário deste ser um filme político, advem de dois fatores.
Um - todos os personagens são caricatos. Ninguém se salva. Americanos são burros e rudes, alemães são inquietos, fortes e raivosos, alguns simplesmente maus e ingleses são polidos e exagerados na dicção das palavras e em sua educação. Essas são algumas possíveis, mas não finitas interpretações. O que quero dizer é que não há dois lados caracterizados: maus e bons. Ambos os lados são atraentes em seus personagens e cretinos. Ninguém está imune aos terrores da guerra. Os próprios judeus, inesperadamente, estão sendo mostrados como assassinos em busca de vingança. Há um equilíbrio admirável entre os dois lados: Aldo Raine e Coronel Hans Landa de um lado, a judia e o soldado nazista simpático do outro, Hitler mimado e ridículo e Churchill gordo e de meias palavras, etc. Acho até que o comportamento dos judeus (violento e vingativo) é razoavelmente justificado pela caracterização também exagerada dos nazistas e pode ser tido apenas como um artifício para gerar humor durante o filme quase inteiro. O momento mesmo em que para mim esse discuroso muda é o que me levará ao segundo fator:
A cena final de Bastardos Inglórios me parece (e sei que é uma das possíveis interpretações) um discurso claro de Tarantino como uma crítica não só ao cinema de segunda guerra, como ao espectador comum e à própria guerra.
Quem não viu o filme, não leia o que vou escrever aqui:

Quando a sala de cinema pega fogo e todas aquelas pessoas estão sendo queimadas vivas, desesperadas por uma saída, aquele ato de justiça pretendido pela judia torna-se crueldade, vingança, desumano. É difícil rir ou tirar satisfação daquele momento, pelo menos para mim. E para finalizar vem o ápice do absurdo, quando os dois bastards metralham Hitler e seus acompanhantes, destruindo assim a fonte e a pirâmide do poder nazista. E não bastando mudar completamente os rumos da história, Tarantino reafirma a ação: Donny Donowitz metralha até destruir completamente a cara de Hitler, num ato e num ângulo quase Rambo ou filme de metralhadoras que o valha. É o momento que todos na platéia estavam esperando, mas não achavam, que ia acontecer. A ultra vingança, a vingança última do espectador. Dar a Hitler o que ele merece. Mas a cena é construída de forma tão exagerada que chega a ser patética. Ele está dando o que o público quer. Está dizendo, "é isso não é? sem nenhuma piedade. vamos destruir todos aqueles nazistas desgraçados." Mas no final das contas o bastard que o mata está se igualando às imagens do filme que estava passando, "O Orgulho da Nação", em que grande parte dos minutos mostrados é preenchido por muitas mortes, uma atrás da outra.

Bom. Resumindo. Creio que o filme mostra que numa guerra não há vítimas nem culpados. Ninguém está impune ou isento dos horrores, todos acabam se rebaixando aos atos mais terríveis e a crueldade passa a ser a lei.

A crítica que mencionei ao cinema feito pós 45 vem da forma de retratar Hitler, que além de recurso cômico,  é genial por nos mostrar quão ridícula era a maneira com que costumávamos pensá-lo: louco, sem personalidade, nenhuma simpatia, etc. Filmes dessa época retratavam comunistas e nazistas como robôs malvados, pessoas sem nenhuma compaixão. No máximo eram astutos e inteligentes, mas nunca mereciam um respiro de hesitação na hora de serem executados. Por serem inimigos (americanos e portanto, de Hollywood), não mereciam maiores complexidades de caráter. Deveriam ser vistos sem piedade.


Outro ponto que admiro é a narrativa instável, que não segue um padrão lógico nem previsível, muitas vezes fazendo exatamente o que não esperávamos.

E finalmente, como não poderia deixar de ser, Tarantino ama cinema, e neste filme sua devoção vai muito além das citações e claras influências. O cinema tem um papel fundamental na narrativa e nos personagens. É tida como metáfora em diversos momentos:

  • Quando Brad Pitt diz que um espancamento é o mais próximo de um filme que eles teriam, está falando de um cinema espetáculo, que gera entretenimento. 
  • Há o cinema como resistência, no caso do filme, levado ao extremo e usado como arma de vingança.
  • Espaço de encontro. Um local que reúne as pessoas.
  • Cinema de arte, a cima de qualquer nacionalidade ou teoria política (até hoje os filmes de Riefenstall são tidos como obras prima e o personagem do soldado inglês, um ex crítico de cinema, era um admirador do expressionismo alemão).
  • Cinema como propaganda e fonte de contágio de valores morais, por mais terríveis que possam ser.
Enfim, é pelas referências, pela capacidade de fazer rir e falar sério, pela reflexão que gera sobre a linguagem cinematográfica e a forma que esta lida com a história, pela maestria na execução de planos e cortes, diálogos como sempre inteligentes e exatos e por seus personagens sedutores... é que Bastardos Inglórios é um dos melhores filmes de Tarantino.

domingo, 8 de novembro de 2009

Frases que fazem sorrir

Este ano, Yoko Ono recebeu o prêmio Leão de Ouro de Lifetime Achievement na Bienal de Veneza.
Para comemorar, mais de mil outdoors foram espalhados por diferentes cidades da Itália. Bologna, Padova, Milão, Veneza, Florença, Roma, Mestre e Verona.
Conteúdo do outdoor, uma palavra: DREAM e embaixo, em letras menores, Yoko Ono 2009.
Uma iniciativa simples, uma palavra óbvia, um verbo infinitivo, quase um livro poema ao ar livre. 
Mas uma definição não é importante, o que importa mesmo é a reação das pessoas. 
Não há muito a ser dito... Creio que cada um pensa em outras muitas frases depois de olhar para o outdoor.
Tudo que sei é que me fez a faz sorrir e pensar que tudo é possível.




A dream you dream alone is only a dream
A dream you dream together is reality

Yoko Ono 

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A change is gonna come - Um primeiro passo

A ler, escutando "A change is gonna come" - Sam Cooke 
http://www.youtube.com/watch?v=wUT1WgHat6I



Bom dia!
então.
Tenho pensado em como é difícil olhar a nossa volta e perceber o que acontece.
Acabamos ficando tão absorvidos em nossos próprios problemas, familiares, amorosos, profissionais e com nós mesmos, que não tem muito espaço para outras preocupações.
E isso não é uma crítica. É apenas a realidade. Já é terrível para um motorista de ônibus ter que escutar diariamente críticas ao seu trabalho.. 
Um homem segurando no ombro sua camisa do flamengo levanta-se e chama-o de jumento porque este não quis abrir a porta em um lugar que não era mais ponto. Uma coisa é o motorista responder com educação ao passageiro que esta não é mais uma descida. Se ele abre ou não vai depender do julgamento de valor dele. E o outro, sem blusa, e sem modos, não tinha o menor direito de invadir seu direito de decisão e ainda chamá-lo de jumento. Pra piorar, o rapaz, que não percebeu que estava sendo mesquinho, continuou a conversa sobre a incompetência do motorista com os passageiros de trás. 
O que quero dizer é que vemos esse tipo de comportamento todos os dias. Como podemos nos concentrar em outras pessoas, no mundo, no aquecimento global, no desmatamento da Floresta Amazonica, nas decisões do ministro da educação, e tantos OUTROS    se tem sempre alguém nos deprimindo, nos desrespeitando, nos prejudicando ou nos desconcentrando? Uma pessoa com raiva não vai conseguir ser solidária, não vai ver os dois lados de uma situação, não será compreensiva. Estará pronta para descarregar sua raiva e insatisfação em outros. E assim por diante.
Então eu sugiro um pacto.
Uma tentativa geral e coletiva daqueles que conseguem ver essa situação acontecendo e que, como eu, querem mudar (alguma coisa).
Em primeiro lugar, com calma, tentar nós mesmos entendermos aqueles a nossa volta. Um chefe estúpido, uma pessoa mal educada, etc... As vezes eles tiveram um dia ruim... e se esse não for o caso, ter raiva deles e falar mal pelas costas não vai resolver nada. As pessoas sempre têm um lado que não conhecemos. Claro, você pode continuar não gostando do indivíduo, mas talvez em algumas situações, seja possível conversar com ele e mostrar que está sendo intolerante, incompreensivo, etc. 
E se você estiver numa situação como essa do ônibus e tiver vontade e abertura para falar algo, diga o que pensa. Mas sempre com calma. Porque no momento em que a gente começa a agir que nem o rapaz brutamontes do exemplo, parecemos imbecis descontrolados. Chamar o motorista de jumento não ajuda em nada, só prejudica. mas chegar pra ele e dizer, poxa mas o cara não sabia que o ponto mudou, abre lá pra ele, por favor? sei lá...
enfim, esse papo meio cristão é só uma tentativa de chamar atenção pra situações que vivemos em nosso dia a dia e que acabamos deixando passar.
Converse com as pessoas. CONVERSE MAIS!

Existe tanta gente nesse mundo e muitas são completamente diferentes de você.
Seja ela de uma religião que você detesta, fale coisas das quais você discorda ou o que for. Converse, quem sabe há alguma opção de diálogo?




domingo, 25 de outubro de 2009

Na praia com Agnès





Um andar calmo. Uma inquietude serena, o olhar vibrante e expressivo. Um encantamento com as coisas, próprio de uma criança. Agnès Varda olha para o mundo como se sempre fosse a primeira vez.

Essa mulher, senhora, cineasta, super simpática e carinhosa que desata a falar depois que se sente a vontade é uma força ambulante, energia impaciente, que esbanja conhecimento. Não somente um conhecimento de livros, mas um advindo da experiência, ingênuo, repleto de impressões e sentimentos.

Ela consegue extrair beleza de quase qualquer coisa. E gerar questionamentos das mais simples paisagens. E mostra no dia a dia que tudo está ali, depende apenas da sua forma de ver o mundo, de um ângulo, de uma espera por um plano perfeito, simplesmente do seu olhar.

Tive o privilégio de conversar com Agnès nos três dias em que esteve aqui para o Festival do Rio. Aprendi muito, apenas observando sua humildade, integridade, honestidade e senso de humor. Até mesmo fechar uma caixa com barbantes pode se tornar um evento e uma fita vermelha se transformar numa gravata enlaçada por ninguém menos que ela para ser um presente de despedida.

Para quem nunca assistiu um de seus filmes, aproveitem que há vários curtas e médias metragem no youtube. Eu recomendo “Salut Les Cubains”, “documentário” que ela fez em 1962, quando esteve em Cuba; Black Panthers, sobre o movimento dos Pantera Negras nos EUA e L’Opera Mouffe, uma montagem de imagens filmadas na Rua Mouffetard, em Paris, no ano de 58.

Conhecendo ou não sua obra, “As praias de Agnès” é um filme necessário. Não atinge apenas os cinéfilos ou amantes da nouvelle vague e de seu trabalho nesse período. Atinge a qualquer um que admire o belo e que preze por momentos de magia.

Agnès abre as portas de seus 80 anos e conta sua vida, seus temores, suas alegrias e suas dores. Te dá energia de vidas a fio apenas mostrando do que ela foi e é capaz até hoje. Além disso, é um filme de amor. Amor pela vida, por sua família, pelos filmes, pelas praias…

Um amor também incondicional pelo marido Jacques Demy, falecido há quase 20 anos, que por mais sofrer que possa ter causado, é lembrado com carinho, admiração e sem desespero, num clima “que seja eterno enquanto dure”.

Ao longo desses tres dias pude observá-la.

Varda ama cores. Anda colorida como só ela. Admirou e comprou vários vestidos brasileiros. Dá uma aula de empacotamento com direito a “Viu? Já podemos trabalhar profissionalmente numa loja de embalagens!”.

Na praia, no último domingo de sua estadia aqui, Agnès filmou o mar, procurava a linha do horizonte em meio aos reflexos do sol na tela de sua pequena câmera. Ajudei-a a criar sombras, mas o efeito não era o mesmo. Essa incapacidade a deixava indignada (“Não dá pra ver nada nisso! Não vejo nada! Que que eu vejo? Eu mesma, é o que eu vejo”). E na hora de fotografar o mar, ela não se apressava. Esperava a onda perfeita. Fez algumas tentativas, mas não desatou a fotografar como é de costume na era digital. Tirava uma foto. Não era o que queria, esperava… tirava outra. “Pas mal…”

Eu, na minha mudez estarrecida de admiração só escutava as lições que Agnès passava, assim, como quem fala de receita de bolo ou de sobre como tá quente o dia hoje. A impressão que me dá é que essa mulher transborda paixão. O lirismo presente em um simples comentário sobre a luz das sete da manhã, a mais bonita segundo ela. “Não há outra melhor que essa, a luz lateral. Veja como ela preenche as formas, dá textura…”

O deslumbramento que flores caídas no chão lhe causam, a vontade de conhecer museus, a curiosidade de saber lugares, bairros, de aproveitar cada momento ao máximo. Varda vive descobrindo o que está a sua volta. Fala de seus queridos amigos ou familiares com muito amor e admiração. Não faz nada para agradar ninguém.

“Você tem que alimentar o espectador. O diálogo ja é a cena. A questão é que não pode mostrar apenas duas pessoas se despedindo na estação de metro, você precisa dar sustância ao público” – disse em resposta a uma pergunta minha.

Nos últimos minutos antes de ir pro aeroporto, ajudei-a a arrumar suas coisas e ela filmou a praia do Leme cheia pela janelo de seu quarto, subindo a câmera dos desenhos das pedras portuguesas, passando pelo mar de gente até chegar a água. Esse diário de imagens que ela está construindo é bem mais interessante do que qualquer aula de cinema que pudesse dar falando. E ao final, fui presenteada com uma pose para que pudesse fazer um retrato. “Vou tentar sorrir pra você”.

Fotografei também as lindas flores que ela, muito decepcionada, teve de deixar aqui por restritas leis aéreas.

A senhora de cabelos bicolores que diz ter deixado assim só pra se divertir disse, como veredito, ter adorado as praias brasileiras. Gostou também do evento e de conhecer pessoas ávidas por cinemas.

Mesmo admitindo certas limitações físicas, decorrentes de sua idade, a calma e a segurança em seus gestos e palavras (palavras essas certeiras que vão sempre direto ao assunto), transpassam a sabedoria dessa jovem senhora.

Um coração sábio e vivido, um corpo um pouco cansado, mas teimoso que só ele. Linda, definitivamente uma das mulheres mais lindas que já conheci.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Relembrar é viver


American Boy é um filme que Martin Scorcese fez em 1978, dois anos após o grande sucesso de Táxi Driver, mas também imediatamente posterior à realização de New York New York, numa época em que passava por um momento de depressão e se questionava sobre sua vocação como cineasta, por talvez estar desviando do caminho que havia pensando em tomar quando decidira trabalhar com cinema.

"If this movie doesn't do big I'll shave, or start doing cocaine”.

Foi o que ele disse antes do musical sair em cartaz. Com a desaprovação do público confirmada e o fracasso de bilheteria após seu primeiro filme de grande orçamento, Martin acabou cumprindo uma das profecias.

E ele não fez a barba.

Em meio a boatos sobre um suposto relacionamento confuso com Liza Minelli e dúvidas sobre seu talento e suas escolhas como diretor, Scorsese faz American Boy, um média metragem de 50 minutos cujo tema e protagonista é um de seus amigos mais próximos naquele momento, Steven Prince.

Steven, que na época tinha 20 e tantos anos, havia exercido muitas profissões até 78, desde holdie de Neil Diamond até atendente em posto de gasolina. Mas naquele momento estava se consolidando no mundo de Hollywood, já havendo atuado em papéis secundários de Táxi Driver (Easy Andy) e New York New York. Mesmo bastante jovem Prince tinha muitas histórias pra contar e Scorsese, após pesquisas e anotações, resolveu chamá-lo para contar algumas de suas anedotas numa filmagem informal.

Apesar de encontrarmos alguns furos em sua vasta cinematografia, algo que me sinto a vontade em afirmar é que Martin Scorsese ama cinema e ama o que faz. Isso fica claro nos planos, na luz, no som, em cada detalhe de seus filmes, aos quais percebemos que ele deu toda a atenção possível, tirando, às vezes, até mesmo uma possível falha bem vinda ou deixando um tom superficialmente perfeito. Talvez por ser meticuloso demais, não deixa espaço para o acaso, para reações espontâneas ou erros.

American Boy é um respiro libertário em que tudo não precisava ser perfeito e bem acabado e um momento em que Scorsese abre espaço para o público se aproximar. Isso acontece em dois níveis: um é a forma que ele se coloca no filme.

Está sempre presente (visualmente ou por meio de sua voz, comentando ou fazendo perguntas), mas deixando-se de lado para destacar o verdadeiro astro, Steven Prince. Uma ótima cena para demonstrar isso é quando George, o dono da casa, vai abrir a porta para Prince e inicia uma (falsa?) briga, até que o mesmo, diz “You! Scorsese!”. Ao que este responde “What?”. Ou seja, ele só estava se restringindo ao seu papel de observador, deixando a ação se desenrolar e captando as imagens que se apresentavam a ele.

Martin Scorsese se mostra um verdadeiro maestro, que está ali para reger os instrumentos: luz, câmera, atores, o discurso, etc. Um belíssimo exemplo é quando George declara já ter ouvido de Steven que overdose não seria uma maneira ruim de se morrer. “You just get higher, and higher, and higher....” e quando Steven, do outro lado da sala começa a repetir também “higher and higher...”, Marty simplesmente faz um movimento com o braço indicando para a câmera fazer uma pan até chegar nele.

É esse equilíbrio entre protagonista e figurante que encanta. Ao mesmo tempo em que coordena tudo, muito ciente do que está acontecendo, é humilde e carinhoso. Não trata Steven apenas como um objeto temático ou um personagem, mas como um amigo.

Tão tenso de ter feito algo grande, com altas expectativas e responsabilidades, e ainda decepcionado com o resultado, resolveu se dedicar a algo que pudesse realizar rapidamente, entre amigos e sem grandes requisitos.

Tudo que ele precisava era de película, uma pequena equipe que fizesse o som e a câmera e um amigo cheio de histórias fantásticas para contar. Se verídicas ou não, isso não importava. O importante era a química entre Prince e Scorsese e Prince e a câmera. Ele domina o público com sua personalidade espalhafatosa e seus vários personagens, às vezes sombrio, outras hilário. Sem falar de sua presença física mesmo, muito marcante através da voz esganiçada, fundas olheiras, olhar esbugalhado, um jeito um pouco frenético e muito gestual de falar.

Entre momentos cômicos e absurdos, presenciamos também a vulnerabilidade de Prince ao falar sobre seu histórico com as drogas, a vez que matou uma pessoa e sua relação com o pai. Um dos depoimentos pérola é a descrição que mais tarde foi usada como uma cena por Quentin Tarantino em Pulp Fiction.

Assim, após mais ou menos, 12 horas de material filmado, 50 minutos foram selecionados na edição final, aos quais foi adicionada uma música de Neil Young, algumas cartelas e cenas de vídeos caseiros ilustrando o que seria a família de Prince.

O que nos leva ao segundo aspecto muito importante de American Boy: a aproximação do público através da exposição do dispositivo.

Seu tom quase caseiro e a intimidade com a qual foi realizado dá ao público a oportunidade de observar alguns dos procedimentos de feitura do filme, desde discussões sobre a quantidade de película no chassi, até frases como “Isso vai ter que ser editado, porque senão estragaremos o final da história”.

Vemos refletores que estão sendo usados como iluminação nos cantos do quadro e microfones “sobrevoando” suas cabeças. Percebemos a naturalidade do processo de filmagem, pela câmera na mão; sua mobilidade e enquadramentos soltos; o plano e o foco sempre ajeitados, à medida que as coisas acontecem e a maneira informal com que tudo está organizado. Por tudo isso, pelos cortes abruptos e pelo fato da câmera quase nunca filmar Steven de frente, que está quase sempre falando para Marty ou para todos, nos sentimos mais um no meio a roda de amigos, ouvindo histórias e dando risadas.

Ainda pensando em seu papel como maestro, aprendemos um pouco sobre Scorsese e seu processo como diretor e entrevistador, através de momentos em que percebemos que está guiando Steven, ao fazer pequenas perguntas que impulsionam o discurso e guiam a entrevista. Ou através do bloco de folhas que o acompanha sempre, certamente um roteiro com idéias e anotações de histórias que ele gostaria de colocar no filme.

A última cena é um epílogo que resume bem o sentido do documentário. Ao falar sobre o relacionamento recente com seus pais, Prince se vê requisitado a repetir-se algumas vezes, pois Scorsese acredita que o relato dramático foi contado de forma muito leviana. Acompanhamos a mudança no tom de voz e na forma com a qual ele fala e sentimos até mesmo que é doloroso falar seriamente daquilo.

Nesse momento temos todos os elementos a mostra: personagem, diretor e dispositivo e é onde Scorsese exerce mais ativamente seu papel, assumindo completamente sua função de regente, que antes poderia estar sublimada, mas que se pensarmos bem, estava sempre ali: na escolha do formato, na decisão de expor o dispositivo da filmagem, na única música de Neil Young “Time Fades Away”, etc.

. American Boy é um filme simples e sincero que não está em busca de nenhuma grande verdade, mas prova que qualquer dúvida que Scorsese ou qualquer um pudesse ter em sua vocação como cineasta é desnecessária.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Viajo porque preciso, volto porque te amo

Lembrando sempre que falo apenas dos filmes que pude assistir, os três que destaco na seleção competitiva nacional são, não por acaso, filmes que revolucionam, cada qual do seu jeito, a estética e a temática dessa geração cinematográfica nacional em que nos encontramos.

“Viajo porque preciso, volto porque te amo”, longa dirigido pela parceria de Karim Ainouz e Marcelo Gomes é um filme sensível e lindo. Uma beleza que não é óbvia, mas que advem da sutileza e do sofrimento de seu personagem principal, assim como da crueza e do lirismo sincero das imagens.

Ambos diretores haviam filmado e fotografado durante as buscas de locação ou até mesmo durante a produção de seus filmes anteriores que se passavam no nordeste brasileiro. “Cinema, aspirinas e urubus”, assim como “Céu de Suely” foram material bruto do novo longa feito pela dupla. Engraçado como aquele material de pesquisa, que teoricamente seria o rascunho dos filmes mencionados se transformaria em linguagem e memória de um novo personagem, completamente destacado e independente das histórias que contaram anteriormente.

Uma das coisas mais surpreendentes é que nada parece estar fora de lugar. Por mais que sejam usados diversos formatos: digital, película - 16mm, 35mm, Super 8 - máquina fotográfica, as imagens todas se encaixam na narrativa sofrida e à flor da pele desse personagem em constante deslocamento.

José Renato, protagonista que nunca vemos, mas que nos guia durante todos os 70 minutos com sua voz calma e forte, parte em busca de conforto e de esquecimento. Após o término com sua mulher, Joana, fato que só descobrimos após algum tempo de filme, o geólogo viaja a procura de consolo, na expectativa de poder voltar a viver sem sofrer, sem lembrar o tempo todo de sua galega. Ou simplesmente na procura de si mesmo, e de respiro, já que se encontra naquela situação em que não consegue se pensar desligado do outro e precisa descobrir essa sua nova identidade unitária e só e nem consegue ver a dor passar.

O processo de superação deste amor, pelo qual ele passa, momento com a qual quase todos podemos nos identificar, é tocante, emocionante e possivelmente até revelador. Ao acompanhá-lo, o espectador fica em um instante estado de "à beira de transbordar".

Não nos é apresentado dados externos sobre essa mulher ou sobre o relacionamento dos dois. Toda a fonte de informação que temos é a memória e a fala de José Renato. Ele mesmo não contextualiza muito nem tenta explicar porque teriam terminado, quanto tempo juntos teriam ficado e nem dá detalhes sobre a felicidade ou tristeza anterior. Fala como num fluxo de pensamentos, que se justificaria por ser um diário de bordo, já que esta viagem tem também um propósito profissional de avaliar a possibilidade de construção de um canal que resultaria da transposição das águas do rio São Francisco.

Entre lembranças e impressões de sua viagem, as divagações de Zé Renato vão formando uma colcha de retalhos, cada pedaço com uma beleza particular, com uma história rica de detalhes, se completando pelo diferente, se encaixando pelas imperfeições.

Marcelo Gomes fala que este filme surgiu da idéia de usar das imagens filmadas na busca por esse sertão místico já tão retratado, mas pouco conhecido, aquelas que mais os impressionavam e os emocionavam. Para isso, precisavam de um personagem capaz de abarcar toda a emoção, a tensão e os questionamentos pelos quais os diretores também passaram.

Fala também que esse filme foi um ótimo exercício para se pensar a arte-profissão que pratica.

“É difícil assistir o filme até o final, por ser tão pessoal. Mas ao mesmo tempo é ótimo, porque acho que fala muito do que nós acreditamos que é fazer cinema”.
Marcelo Gomes

Assim como as contradições das imagens mostradas, ora poéticas, ora sujas, ora inspiradas, ora borradas e tortas, o personagem passa por etapas comuns para alguém em sua situação, de confusão e insatisfação. Um dos momentos mais significativos talvez seja quando diz algo que pode ser compreendido como uma fala dos diretores em relação a sua profissão ou a esta região árida brasileira, ou simplesmente de José Renato em relação à Joana: “Sinto ondas abruptas de ódio e amor por você”.

Além disso, uma das melhores coisas do filme é não só sua complexidade de sentimentos, como a maneira com a qual lida com toda a tristeza e a desilusão. Não é um sofrer apocalíptico e sem esperanças. É um gosto amargo e um processo pelo qual ele sabe que precisa passar antes de ficar bem.

Viajo porque preciso, volto porque te amo é uma raridade da cinematografia brasileira que merece ser vista pelo máximo número de pessoas. Espero que motive outros a pensarem que é possível fazer um cinema delicado, autoral e brasileiro, com poucos recursos, mas bastante sensibilidade e criatividade.