quarta-feira, 10 de março de 2010

Uma experiência cinematográfica que vale conferir

Entrei no cinema, me aloquei no centro, fileira D, como de costume. Trailer 1, Trailer 2 e então os créditos iniciais de Direito de Amar (nome ingrato que mais parece novela de sucesso da Globo nos anos 80) começam.

Me vem aquele baque de cara pelo filme ser em digital. Algo que pode parecer uma certa frescura, mas os motivos são vários, mesmo eu não sabendo enumerá-los para elucidá-los. Uma reação, por exemplo, não só decorrente disso, mas influenciada foi: projeção escura… tsc tsc tsc

Na tela: um homem debaixo d’água. Seu corpo nu gira em câmera lenta num azul escuro subexposto enquanto a trilha sonora tensa e emotiva guiada por violentos violinos nos anuncia que o assunto é sério. Algo que lembra um pouco produções inglesas recentes como As Horas, O Leitor.

Então, depois de um sonho, o homem abre os olhos assustado e sua voz, calma e fria diz: Waking up begins with saying am and now. (Acordar começa dizendo sou e agora).

E assim, com alguns cortes secos, uma expressão facial que parecia me sugar para sua angústia, suas cores dessaturadas e apenas duas frases, o filme me conquistou.

Eu estava lá e estaria ao longo dos 101 minutos que seguiriam.

Single Man consegue trazer várias questões de importante discussão à tona de forma coesa e coerente. Ao escolher o período de maior tensão da Guerra Fria, quando os mísseis em Cuba ameaçavam deslanchar uma 3a Guerra Mundial fulminante, o assunto não poderia ser outro: Medo.

Em apenas uma cena, nosso protagonista, professor de literatura, usa como pretexto o livro de Aldous Huxley para tentar esclarecer o discurso por trás do preconceito e da diferença.

Guiado por sua intenção de ter um dia diferente dos que preencheram os 8 meses desde a morte de seu companheiro, George resolve falar o mais abertamente que a sutileza permite sobre a perseguição a minorias e a manipulação do poder a partir do medo.

Para responder a uma pergunta (idiota) de um aluno se Huxley seria ou não antisemita Faulcon nega e após um momento diz: Quando uma maioria persegue uma minoria sempre há uma causa, só que esta pode ser imaginária, inventada, como no caso dos alemães e dos judeus. Mas há uma causa, e esta é o medo. Uma minoria só é tachada como tal quando representa uma ameaça para os demais.

Com apenas este discurso, o diretor consegue fazer uma reflexão sobre preconceito, o pensamento de conquista e superioridade americanos e fecha com uma questão que poderia tanto ser direcionada aos anos 60, quanto hoje: o controle das massas através da disseminação do medo. Este é até um assunto muito ilustrado nos últimos tempos de forma mais sutil ou berrante seja em filmes como Sherlock Holmes ou Avatar. Mas enfim, quem sabe depois de bater na mesma tecla, a mensagem entre na cabeça das pessoas?

O niilismo extremo do personagem é bem fundamentado por sua dor e luto, mas consegue ser ainda reforçado pelo clima de falta de esperança de um futuro melhor. Numa época em que a qualquer momento uma bomba atômica poderia explodir, o futuro era a morte, o fim do mundo, a guerra, o terror. Pra que pensar no amanhã ou dar valor a vida então?

Agora, saindo um pouco da questão ideológica, gostaria de comentar a estética visual do filme, a fotografia. Adorei a idéia de manter as cores dessaturadas ao longo da narrativa para demonstrar a total falta de ânimo e o estado de melancolia constante do personagem. Tal modelo é apenas alterado quando este se depara com elementos que chamam sua atenção, que lhe devolvem um pouco o sabor da vida e que fazem-no admirar beleza. Aí então as cores se tornam fortes e até exageradas, ás vezes.

George Faulcon é um homem sensível e apreciador de detalhes e a câmera é seu olhar. Na verdade, nem seu olhar, mas sua consciência, seu modo de perceber o mundo. Seja a câmera lenta, a repetição, a luz, as cores o foco ou o enquadramento. Tudo isso nos faz mergulhar em suas emoções e sensações. É um filme quase sensorial. O som também exerce um papel muito importante nessa composição. Tanto a música (pulsante) aos momentos de silêncio (vazio).

E ainda pra finalizar, essa viagem pela dor, tristeza e angústia consegue nos levar a clareza e plenitude.

Talvez minha única retensão em relação a “Single Man” seja uma busca pelo belo fácil. Todos os homens e mulheres que o páram, que o cativam, possuem uma beleza esperada e tão acessível que tornam sua sensibilidade quase viciada, previsível.

Um filme para mergulhar, desde a primeira cena. Tapar os olhos e os ouvidos e abrí-los novamente com o ponto de vista do personagem de Colin Firth, que nos guiará com cuidado, carinho e cautela ao longo do filme.