terça-feira, 21 de maio de 2013

Sobre o filme canadense de Philippe Falardeau que concorreu ao oscar: O que traz boas novas.


Devo admitir que me agradam os filmes focados no seu universo particular. Que se atêm aos fatos dentro da narrativa central e nesse trajeto encontram uma brecha para abranger muito mais.
O que quero dizer com isso?

O que traz boas novas é um filme que toca em muitas questões sem necessariamente desenvolvê-las a fundo. Já no começo, quando o professor Bashir Lazhar, nosso protagonista, entra em sala de aula e inicia a chamada, a questão da mistura de origens, do passado cultural indicando um possível histórico de imigração das famílias daquelas crianças é exposta somente pela leitura de seus sobrenomes.

Bashir está em meio a um processo para tentar ser aprovado como refugiado e, assim, não ter mais que retornar ao seu país de origem, a Argélia.

Existe indicações de algum segredo em torno da vida pessoal de Bashir, que mais tarde nos é revelado, mas de maneira sutil, sem grandes dramas, sem flashbacks, sem mão pesada de uma tentativa de falar mais a fundo sobre a Argélia, ou o que teria levado à sua partida de lá. Esta paisagem histórica, esse pano de fundo que contextualiza sua motivação, deixa em pauta uma situação Argelina desestabilizada nos dias de hoje.

A Argélia e sua cultura, estão impressas subcutaneamente em sua maneira de ser, em suas lembranças, em sua maneira de ver o mundo. Tão enraizado, que nem percebe ou mal consegue evitar manifestações da mesma, como o início de passos de uma dança típica de seu país ou um tapa no pescoço de um dos alunos, quase ato reflexo de um modo de se portar bastante diferente do aceito em seu novo local de residência, o Canadá.

Esse evento traz à tona uma outra questão bastante pertinente do filme:
a proximidade na relação professor-aluno e o fato de que aquele país, assim como vários outros hoje em dia, não permitem o toque, a intervenção física de qualquer tipo, seja pelo carinho, seja pela repreensão.

As crianças são retratadas de forma bastante amadurecida. Falam, agem, olham e sentem como indivíduos em formação. Inocentes às vezes e carentes de determinadas palavras de ordem e direcionamento, mas nem um pouco ingênuos em relação a suas emoções. Não costumo ver isso no cinema. Não de uma maneira equilibrada aonde a criança mantem o caráter infantil (diferente da versão adulta “assustadora” de Dakota Fanning), mas é respeitada como um indivíduo em toda sua complexidade e opiniões.

Um dos diálogos mais marcantes é de Bashir com os pais de uma das alunas, quando dizem que ele deve ensiná-la, não educá-la, indicando bem essa diferença de valores e o limite de “envolvimento” que se espera de um professor. 
A dureza e a rigidez são postas em questão pelo próprio personagem e qualquer tipo de evolução em direção a um comportamento mais carinhoso mantem o padrão da sutileza, sem grandes arrebatamentos cor de rosa ou sequências musicais tão presentes em filmes de “professor aprende com os alunos e vice e versa”.

A vida pessoal de Bashir, os flertes com uma das professoras, os seus temores como imigrante em situação instável, os pesadelos em decorrência dos eventos na Argélia fazem parte da construção do personagem e são mostrados de maneira fluida, mesmo que pontualmente. Nada daquilo o define em si e nenhum desses movimentos se quer predominante no filme. Todos confluem para essa construção igualmente.

E finalmente, a morte, a maturidade daquelas crianças, a ambiguidade do caráter da professora que se suicida nas cenas iniciais do filme são outros temas abordados. A vida pessoal da professora e uma possível depressão é mencionada, mas nunca aprofundada. O marido não ir buscar a caixa com suas coisas é mais um dos elementos que ajudam a construir, mas não definir.

Nada é fato. Tudo é impressão, subjetividade. Adoro filmes assim. Abertos, não por um capricho ou por falta de consciência de para onde devem seguir, mas simplesmente porque é o que cabe neles. Nada se resolve realmente. A vida segue com os pais ausentes de Simon, com as regras de conduta questionáveis, com a mãe de Alice viajando sempre, com as dores de cabeça de Boris e com a impossibilidade de Bashir de continuar. Eles fazem o que lhes é possível, naquele momento, naquela cena.

Em termos técnicos, mesmo que de leve:
 as cores neutras, quase sempre pendendo pro azul sustentam o clima em suspensão do filme. Um azul de frio intercalado brevemente pela impressão de verde mencionada pelo protagonista.
As atuações são ótimas, sobretudo Mohamed Said Fellag e algumas das crianças, como Émilien Néron e Sophie Nelisse.
Assim como a narrativa, tecnicamente não há nada de exagerado. Sem floreios musicais, ou planos estilosos, nem mesmo aquela estética do real com câmera na mão tremida. A edição também é precisa, a duração das cenas é exata, com destaque à sequência de abertura e à cena do desabafo de Simon na sala de aula.


Nenhum comentário: