Devo admitir que me agradam os
filmes focados no seu universo particular. Que se atêm aos fatos dentro da
narrativa central e nesse trajeto encontram uma brecha para abranger muito mais.
O que quero dizer com isso?
O que traz boas novas é um filme que toca em muitas questões sem necessariamente
desenvolvê-las a fundo. Já no começo, quando o professor Bashir Lazhar, nosso
protagonista, entra em sala de aula e inicia a chamada, a questão da mistura de
origens, do passado cultural indicando um possível histórico de imigração das famílias
daquelas crianças é exposta somente pela leitura de seus sobrenomes.
Bashir está em meio a um processo
para tentar ser aprovado como refugiado e, assim, não ter mais que retornar ao
seu país de origem, a Argélia.
Existe indicações de algum segredo
em torno da vida pessoal de Bashir, que mais tarde nos é revelado, mas de
maneira sutil, sem grandes dramas, sem flashbacks, sem mão pesada de uma
tentativa de falar mais a fundo sobre a Argélia, ou o que teria levado à sua
partida de lá. Esta paisagem histórica, esse pano de fundo que contextualiza
sua motivação, deixa em pauta uma situação Argelina desestabilizada nos dias de
hoje.
A Argélia e sua cultura, estão
impressas subcutaneamente em sua maneira de ser, em suas lembranças, em sua maneira
de ver o mundo. Tão enraizado, que nem percebe ou mal consegue evitar
manifestações da mesma, como o início de passos de uma dança típica de seu país
ou um tapa no pescoço de um dos alunos, quase ato reflexo de um modo de se
portar bastante diferente do aceito em seu novo local de residência, o Canadá.
Esse evento traz à tona uma outra
questão bastante pertinente do filme:
a proximidade na relação
professor-aluno e o fato de que aquele país, assim como vários outros hoje em
dia, não permitem o toque, a intervenção física de qualquer tipo, seja pelo
carinho, seja pela repreensão.
As crianças são retratadas de forma
bastante amadurecida. Falam, agem, olham e sentem como indivíduos em formação.
Inocentes às vezes e carentes de determinadas palavras de ordem e
direcionamento, mas nem um pouco ingênuos em relação a suas emoções. Não
costumo ver isso no cinema. Não de uma maneira equilibrada aonde a criança
mantem o caráter infantil (diferente da versão adulta “assustadora” de Dakota
Fanning), mas é respeitada como um indivíduo em toda sua complexidade e
opiniões.
Um dos diálogos mais marcantes é de
Bashir com os pais de uma das alunas, quando dizem que ele deve ensiná-la, não
educá-la, indicando bem essa diferença de valores e o limite de “envolvimento”
que se espera de um professor.
A dureza e a rigidez são postas em
questão pelo próprio personagem e qualquer tipo de evolução em direção a um
comportamento mais carinhoso mantem o padrão da sutileza, sem grandes
arrebatamentos cor de rosa ou sequências musicais tão presentes em filmes de
“professor aprende com os alunos e vice e versa”.
A vida pessoal de Bashir, os flertes
com uma das professoras, os seus temores como imigrante em situação instável,
os pesadelos em decorrência dos eventos na Argélia fazem parte da construção do
personagem e são mostrados de maneira fluida, mesmo que pontualmente. Nada
daquilo o define em si e nenhum desses movimentos se quer predominante no
filme. Todos confluem para essa construção igualmente.
E finalmente, a morte, a maturidade
daquelas crianças, a ambiguidade do caráter da professora que se suicida nas
cenas iniciais do filme são outros temas abordados. A vida pessoal da
professora e uma possível depressão é mencionada, mas nunca aprofundada. O
marido não ir buscar a caixa com suas coisas é mais um dos elementos que ajudam
a construir, mas não definir.
Nada é fato. Tudo é impressão,
subjetividade. Adoro filmes assim. Abertos, não por um capricho ou por falta de
consciência de para onde devem seguir, mas simplesmente porque é o que cabe
neles. Nada se resolve realmente. A vida segue com os pais ausentes de Simon,
com as regras de conduta questionáveis, com a mãe de Alice viajando sempre, com
as dores de cabeça de Boris e com a impossibilidade de Bashir de continuar.
Eles fazem o que lhes é possível, naquele momento, naquela cena.
Em termos técnicos, mesmo que de
leve:
as cores neutras, quase sempre pendendo pro
azul sustentam o clima em suspensão do filme. Um azul de frio intercalado brevemente
pela impressão de verde mencionada pelo protagonista.
As atuações são ótimas, sobretudo Mohamed
Said Fellag e algumas
das crianças, como Émilien Néron e Sophie Nelisse.
Assim como a narrativa, tecnicamente
não há nada de exagerado. Sem floreios musicais, ou planos estilosos, nem mesmo
aquela estética do real com câmera na mão tremida. A edição também é precisa, a
duração das cenas é exata, com destaque à sequência de abertura e à cena do
desabafo de Simon na sala de aula.
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