sábado, 29 de janeiro de 2011

Em Algum Lugar - Sofia Coppola

Parece haver um interesse em comum nos últimos filmes de Sofia: a desmistificação de certos símbolos. No caso de Maria Antonieta o interesse era mostrar que por trás do título de realeza e dos livros de história, a personagem mulher era mais complexa e sua vida continha mais do que algumas falas lendárias. Não vou entrar no mérito deste filme inteiramente e apenas dizer que, assim como em Somewhere, acredito que Sofia falhou e exagerou em seu intuito de subverter os valores estabelecidos.
“Em algum lugar” narra através de sequencias longas e um tanto entediantes alguns dias na vida de um famoso ator de Hollywood. Stephen Dorf interpreta Johnny Marco, que parece estar em meio ao período de divulgação de seu mais novo filme e disfrutando de diversas regalias, tais como um carro esporte, uma assessora que o telefona sempre que há algum compromisso, viagens pagas, estadia num hotel luxuoso e exclusivo, etc.
O filme é dividido em dois momentos, um prólogo de introdução ao personagem, onde presenciamos sua entediante existência e o período em que sua filha de 11 anos fica hospedada com ele. As três primeiras sequências do filme, uma antes dos créditos e duas logo depois já nos dão de bandeja informações que servirão como base de todo o resto. Na primeira, Johnny gira em círculos com seu carro numa estrada deserta, quase como numa metáfora de sua vida, que não o está levando a lugar nenhum, que é apenas um girar sem propósito. Logo depois, temos a cena em que Johnny machuca o pulso, levando-o ao gesso no braço que o acompanhará por quase toda a narrativa, também possivelmente uma metáfora deste imprisionamento, desta condição transitória, e a cena das gêmeas loiras dançando uma coreografia sexy para Johnny enquanto este adormece. É isso. Nestas três cenas temos um resumo bastante preciso do que veremos no resto do filme: tédio e banalidade que tentam ser mais do que isso.
Acho bacana esta motivação de apresentar um ator de Hollywood como apenas mais uma pessoa, com questões semelhantes as de qualquer um e de subverter a crença de que por este ser rico e rodeado de mordomias, seria uma pessoa feliz e completa. Nem mesmo interessante ele é. Sofia quer mostrar que não existe o glamour que as pessoas pensam. É uma vida bastante vazia. E solitária. Por mais que haja uma mulher por dia, pelo menos, se oferecendo a ele, no fim da noite, ele está sozinho novamente. Até sexo se tornou desinteressante para esta personagem.
Ok. Tais motivações ficaram claras, mas a que custo?
O tempo narrativo vagaroso, os planos sem conteúdo e os diálogos banais dão forma a este tédio ensurdecedor do filme, que diferente de “Encontros e Desencontros”, não encontra nenhuma inspiração, nenhum tom de profundidade ou de aprendizado.
Além disso, outra questão que me incomoda bastante é o fato destes personagens serem tão desinteressantes. Não há carisma, não há nada que realmente mantenha o espectador na poltrona querendo assistí-los. E a tentativa de dar profundidade psicológica aos mesmos e de igualar seus problemas e inquietações aos de qualquer um não convence. Dá quase vontade de rir, quando a filha de Johnny chora e demonstra inseguranças e para lidar com isso ele vai para Las Vegas. “Tudo bem se atrasar um pouco, porque é só chamar um helicóptero pra buscá-los depois”. Essa posição de coitadinho não cola. As cenas e as atuações são rasas demais para que eu me comova com este ator entediado em seu carro esporte.
A relação de pai e filha, que deveria ser o ponto de transformação é levado a um nível tão banal que não possui a força necessária.
Alguns dos melhores momentos são os de interação deste ator com o cotidiano esdrúxulo relacionado a profissão: o programa de TV italiana, a conferência de imprensa, o molde para efeitos especiais, as fotos de promoção com sua colega de trabalho no filme, etc. Nisto, acho que o humor e a ironia ainda são um ponto forte da roteirista.
Quase tudo no filme pode ser justificado ou interpretado em um campo simbólico. Mas isso não o torna um bom filme. Apenas coerente.
A última cena ilustra bem a personagem, que parece saber que está sendo filmada e se comporta como num filme. Sai do carro no meio de uma estrada pois está deixando tudo pra trás, está indo se encontrar, está se livrando das amarras e das certezas, todos estes possíveis clichês.
Por essas e outras, é um pouco decepcionante ver como a diretora regrediu desde “Encontros e Desencontros”, que deveria ser uma evolução, já que foram escritos ao mesmo tempo e possuem temas tão próximos.
Ainda assim, acredito em seu potencial e fico ansiosa para descobrir um outro bom filme seu.

Um comentário:

Julio disse...

Grata, gratíssima surpresa, encontrar um texto tão lúcido e bem escrito sobre um filme por uma autora que desconhecia (e passarei a seguir). Ainda que discorde, pq gosto demais tanto de Maria Antonieta (mais) quanto deste (menos). Não tenho a mesma visão otimista sobre o final (o trecho mais banal do filme, ao lado da tosca tentativa de S. Dorf de chorar ao telefone, mostrar tristeza, melancolia, etc). Eu vi, sim, um belo ensaio ao vazio, à solidão, um perfeitíssimo retrato de nossos tempos. E quanto à identificação com o espectador, os personagens de La Notte, de Antonioni, p. ex., tb nao o tinham. Era apenas um casal de bem nascidos fazendo uma DR, o que nunca inviabilizou a obra-prima que ele é, não?