segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Ao som de Sympathy For the Devil
sábado, 19 de dezembro de 2009
A filosofia de vida segunda Julia Child
Independente de qualquer critério artístico cinematograficamente falando, esta resenha será focada no conteúdo.
Não dá pra negar, filmes americanos, em sua maioria, e principalmente hollywoodianos, tendem a contar uma história. De cabo a rabo, com o mínimo de arestas ou nós frouxos possíveis. Um conteúdo empacotado numa forma idealmente planejada para ser discreta, suave e eficiente. Por isso, o que tenho a dizer sobre a luz, o som e outras questões técnicas é irrelevante. Bem feitos, claro. E as atuações estão ótimas. Meu chapéu para Merryl Streep, pela enésima vez, que não encarna ou se torna seus personagens, mas dá vida e cor e luz e voz a eles.
Além do mais, não foram esses aspectos que mais me chamaram atenção. O que me interessou foram essas personagens, a trajetória que seguem e as sensações que obtemos através de suas histórias.
Julia Child pode ter sido apenas uma mulher na vida real. Pode ter tido muitos defeitos, nem ter sido tão interessante quanto vemos no filme. Mas essa Julia, a verdadeira, não é a que nos interessa, nem que interessava a Julie Powell. O que ela e nós temos é uma fantasia. Uma mulher maravilhosa que nos ajuda seja a cozinhar, seja a apreciarmos pequenas coisas da vida ou simplesmente a sorrir. A Julia Child do filme de Nora Ephron é uma inspiração idealizada, um mito, um símbolo. No caso de Powell, daquilo que ela gostaria de se tornar. Uma mulher amada, bem sucedida em sua vida profissional e em família e que pudesse praticar aquilo que gostasse no seu dia a dia. No nosso caso, uma alegoria do que um filme como esse pode nos trazer. Não importa se aquilo tudo não é verdade, contanto que nos traga conclusões boas ou úteis, reflexões, alegria. E o que mais me impressiona é termos essa revelação do mito a nosso alcance.
Quando Julie consegue finalizar seu projeto e está radiante por causa da aceitação e do respaldo que está tendo recebe o telefonema de um jornalista que diz ter conversado com a senhora Child e que esta teria elatado sua visão negativa em torno da iniciativa do blog de Julie. Ela fica arrasada e nesse hora, seu marido, corretamente, esclarece: isso não importa. Essa Julia com quem ele falou não importa. E sim aquela que te inspirou, que te trouxe bons sentimentos e te impulsionou a ser melhor. E é isso. Sem rancor, sem maiores explicações, sem retaliações. Simplesmente um tablete de manteiga em sua homenagem e em agradecimento por toda a ajuda.
Ao longo dessas duas horas, acompanhamos as vidas dessas duas mulheres e crescemos com elas.
É muito bom quando podemos obter tamanhas compensações através de coisas tão simples, como cozinhar. Não só há uma mensagem de seguir atrás de seus sonhos (por mais "filme da Xuxa" que isso possa soar), como de apreciar aqueles que te amam e de ter paciência e saber lidar melhor com os obstáculos que surgem em nossos caminhos, mas principalmente, nos mostra que não há necessidade de abrirmos mão da fantasia. Deixemos ela fazer parte de nossas vidas e nos enriquecer.
Então é isso. Um filme feel-good sim e assumido, mas com subtextos que chegam mais próximos de nós do que esperaríamos.
domingo, 6 de dezembro de 2009
Encontro com Lucrecia Martel
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Acústica: de elevador
maneirismos: de um cantor grunge (fenomeno que se figura principalmente na pronúncia de breath e fearless)
cor: fundo esverdeado. provavelmente um branco adaptado.
letra: massive attack, não conheço muito, mas estou mais intrigada a conhecer.
instrumento: um violão. aparentemente. mas sonoramente uma percussão se faz presente.
a voz dele viaja irregularmente pelo espaço. abaixa, equaliza, sobe, e volta.sempre agradável.
incrível como maneja os sons, distintivamente de uma batida para outra, de um lugar no violão para outro, de uma mão aberta para uma semi aberta.como dedilha e solta o verbo e os dedos, que flutuam pelas cordas.
o som um pouco metálico só mais credibilidade, se é que isso faz algum sentido.
e pra finalizar, balança o violão, gerando ondas das ondas sonoras. provocando um efeito simples mas eficiente.
Newton Faulkner
Teardrop:
Love love is a verb
Love is a doing word
Fearless on my breath
Gentle impulsion
Shakes me makes me lighter
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
Night night of matter
Black flowers blossom
Fearless on my breath
Black flowers blossom
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
Water is my eye
Most faithful mirror
Fearless on my breath
Teardrop on the fire of a confession
Fearless on my breath
Most faithful mirror
Fearless on my breath
Teardrop on the fire
Fearless on my breath
you're stumbling into
you're stumbling into
domingo, 15 de novembro de 2009
500 dias com ela
- ele achava que a vida seria realmente feliz e completa somente quando encontrasse a mulher ideal.
- ela não acreditava que houvesse nada tão forte ou significativo quanto a idéia de amor que todos disseminam.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Filhos bastardos do cinema de guerra
Os primeiros 15 minutos são magistrais, uma abertura quase épica. Uma aula de cinema em "como criar tensão e gerar expectativa no espectador, parte um".
Meu comentário deste ser um filme político, advem de dois fatores.
A cena final de Bastardos Inglórios me parece (e sei que é uma das possíveis interpretações) um discurso claro de Tarantino como uma crítica não só ao cinema de segunda guerra, como ao espectador comum e à própria guerra.
- Quando Brad Pitt diz que um espancamento é o mais próximo de um filme que eles teriam, está falando de um cinema espetáculo, que gera entretenimento.
- Há o cinema como resistência, no caso do filme, levado ao extremo e usado como arma de vingança.
- Espaço de encontro. Um local que reúne as pessoas.
- Cinema de arte, a cima de qualquer nacionalidade ou teoria política (até hoje os filmes de Riefenstall são tidos como obras prima e o personagem do soldado inglês, um ex crítico de cinema, era um admirador do expressionismo alemão).
- Cinema como propaganda e fonte de contágio de valores morais, por mais terríveis que possam ser.
domingo, 8 de novembro de 2009
Frases que fazem sorrir
Para comemorar, mais de mil outdoors foram espalhados por diferentes cidades da Itália. Bologna, Padova, Milão, Veneza, Florença, Roma, Mestre e Verona.
Conteúdo do outdoor, uma palavra: DREAM e embaixo, em letras menores, Yoko Ono 2009.
Uma iniciativa simples, uma palavra óbvia, um verbo infinitivo, quase um livro poema ao ar livre.
Mas uma definição não é importante, o que importa mesmo é a reação das pessoas.
Não há muito a ser dito... Creio que cada um pensa em outras muitas frases depois de olhar para o outdoor.
Tudo que sei é que me fez a faz sorrir e pensar que tudo é possível.
A dream you dream alone is only a dream
A dream you dream together is reality
Yoko Ono
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
A change is gonna come - Um primeiro passo
domingo, 25 de outubro de 2009
Na praia com Agnès
Um andar calmo. Uma inquietude serena, o olhar vibrante e expressivo. Um encantamento com as coisas, próprio de uma criança. Agnès Varda olha para o mundo como se sempre fosse a primeira vez.
Essa mulher, senhora, cineasta, super simpática e carinhosa que desata a falar depois que se sente a vontade é uma força ambulante, energia impaciente, que esbanja conhecimento. Não somente um conhecimento de livros, mas um advindo da experiência, ingênuo, repleto de impressões e sentimentos.
Ela consegue extrair beleza de quase qualquer coisa. E gerar questionamentos das mais simples paisagens. E mostra no dia a dia que tudo está ali, depende apenas da sua forma de ver o mundo, de um ângulo, de uma espera por um plano perfeito, simplesmente do seu olhar.
Tive o privilégio de conversar com Agnès nos três dias em que esteve aqui para o Festival do Rio. Aprendi muito, apenas observando sua humildade, integridade, honestidade e senso de humor. Até mesmo fechar uma caixa com barbantes pode se tornar um evento e uma fita vermelha se transformar numa gravata enlaçada por ninguém menos que ela para ser um presente de despedida.
Para quem nunca assistiu um de seus filmes, aproveitem que há vários curtas e médias metragem no youtube. Eu recomendo “Salut Les Cubains”, “documentário” que ela fez em 1962, quando esteve em Cuba; Black Panthers, sobre o movimento dos Pantera Negras nos EUA e L’Opera Mouffe, uma montagem de imagens filmadas na Rua Mouffetard, em Paris, no ano de 58.
Conhecendo ou não sua obra, “As praias de Agnès” é um filme necessário. Não atinge apenas os cinéfilos ou amantes da nouvelle vague e de seu trabalho nesse período. Atinge a qualquer um que admire o belo e que preze por momentos de magia.
Agnès abre as portas de seus 80 anos e conta sua vida, seus temores, suas alegrias e suas dores. Te dá energia de vidas a fio apenas mostrando do que ela foi e é capaz até hoje. Além disso, é um filme de amor. Amor pela vida, por sua família, pelos filmes, pelas praias…
Um amor também incondicional pelo marido Jacques Demy, falecido há quase 20 anos, que por mais sofrer que possa ter causado, é lembrado com carinho, admiração e sem desespero, num clima “que seja eterno enquanto dure”.
Ao longo desses tres dias pude observá-la.
Varda ama cores. Anda colorida como só ela. Admirou e comprou vários vestidos brasileiros. Dá uma aula de empacotamento com direito a “Viu? Já podemos trabalhar profissionalmente numa loja de embalagens!”.
Na praia, no último domingo de sua estadia aqui, Agnès filmou o mar, procurava a linha do horizonte em meio aos reflexos do sol na tela de sua pequena câmera. Ajudei-a a criar sombras, mas o efeito não era o mesmo. Essa incapacidade a deixava indignada (“Não dá pra ver nada nisso! Não vejo nada! Que que eu vejo? Eu mesma, é o que eu vejo”). E na hora de fotografar o mar, ela não se apressava. Esperava a onda perfeita. Fez algumas tentativas, mas não desatou a fotografar como é de costume na era digital. Tirava uma foto. Não era o que queria, esperava… tirava outra. “Pas mal…”
Eu, na minha mudez estarrecida de admiração só escutava as lições que Agnès passava, assim, como quem fala de receita de bolo ou de sobre como tá quente o dia hoje. A impressão que me dá é que essa mulher transborda paixão. O lirismo presente em um simples comentário sobre a luz das sete da manhã, a mais bonita segundo ela. “Não há outra melhor que essa, a luz lateral. Veja como ela preenche as formas, dá textura…”
O deslumbramento que flores caídas no chão lhe causam, a vontade de conhecer museus, a curiosidade de saber lugares, bairros, de aproveitar cada momento ao máximo. Varda vive descobrindo o que está a sua volta. Fala de seus queridos amigos ou familiares com muito amor e admiração. Não faz nada para agradar ninguém.
“Você tem que alimentar o espectador. O diálogo ja é a cena. A questão é que não pode mostrar apenas duas pessoas se despedindo na estação de metro, você precisa dar sustância ao público” – disse em resposta a uma pergunta minha.
Nos últimos minutos antes de ir pro aeroporto, ajudei-a a arrumar suas coisas e ela filmou a praia do Leme cheia pela janelo de seu quarto, subindo a câmera dos desenhos das pedras portuguesas, passando pelo mar de gente até chegar a água. Esse diário de imagens que ela está construindo é bem mais interessante do que qualquer aula de cinema que pudesse dar falando. E ao final, fui presenteada com uma pose para que pudesse fazer um retrato. “Vou tentar sorrir pra você”.
Fotografei também as lindas flores que ela, muito decepcionada, teve de deixar aqui por restritas leis aéreas.
A senhora de cabelos bicolores que diz ter deixado assim só pra se divertir disse, como veredito, ter adorado as praias brasileiras. Gostou também do evento e de conhecer pessoas ávidas por cinemas.
Mesmo admitindo certas limitações físicas, decorrentes de sua idade, a calma e a segurança em seus gestos e palavras (palavras essas certeiras que vão sempre direto ao assunto), transpassam a sabedoria dessa jovem senhora.
Um coração sábio e vivido, um corpo um pouco cansado, mas teimoso que só ele. Linda, definitivamente uma das mulheres mais lindas que já conheci.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Relembrar é viver

American Boy é um filme que Martin Scorcese fez em 1978, dois anos após o grande sucesso de Táxi Driver, mas também imediatamente posterior à realização de New York New York, numa época em que passava por um momento de depressão e se questionava sobre sua vocação como cineasta, por talvez estar desviando do caminho que havia pensando em tomar quando decidira trabalhar com cinema.
"If this movie doesn't do big I'll shave, or start doing cocaine”.
Foi o que ele disse antes do musical sair em cartaz. Com a desaprovação do público confirmada e o fracasso de bilheteria após seu primeiro filme de grande orçamento, Martin acabou cumprindo uma das profecias.
E ele não fez a barba.
Em meio a boatos sobre um suposto relacionamento confuso com Liza Minelli e dúvidas sobre seu talento e suas escolhas como diretor, Scorsese faz American Boy, um média metragem de 50 minutos cujo tema e protagonista é um de seus amigos mais próximos naquele momento, Steven Prince.
Steven, que na época tinha 20 e tantos anos, havia exercido muitas profissões até 78, desde holdie de Neil Diamond até atendente em posto de gasolina. Mas naquele momento estava se consolidando no mundo de Hollywood, já havendo atuado em papéis secundários de Táxi Driver (Easy Andy) e New York New York. Mesmo bastante jovem Prince tinha muitas histórias pra contar e Scorsese, após pesquisas e anotações, resolveu chamá-lo para contar algumas de suas anedotas numa filmagem informal.
Apesar de encontrarmos alguns furos em sua vasta cinematografia, algo que me sinto a vontade em afirmar é que Martin Scorsese ama cinema e ama o que faz. Isso fica claro nos planos, na luz, no som, em cada detalhe de seus filmes, aos quais percebemos que ele deu toda a atenção possível, tirando, às vezes, até mesmo uma possível falha bem vinda ou deixando um tom superficialmente perfeito. Talvez por ser meticuloso demais, não deixa espaço para o acaso, para reações espontâneas ou erros.
American Boy é um respiro libertário em que tudo não precisava ser perfeito e bem acabado e um momento em que Scorsese abre espaço para o público se aproximar. Isso acontece em dois níveis: um é a forma que ele se coloca no filme.
Está sempre presente (visualmente ou por meio de sua voz, comentando ou fazendo perguntas), mas deixando-se de lado para destacar o verdadeiro astro, Steven Prince. Uma ótima cena para demonstrar isso é quando George, o dono da casa, vai abrir a porta para Prince e inicia uma (falsa?) briga, até que o mesmo, diz “You! Scorsese!”. Ao que este responde “What?”. Ou seja, ele só estava se restringindo ao seu papel de observador, deixando a ação se desenrolar e captando as imagens que se apresentavam a ele.
Martin Scorsese se mostra um verdadeiro maestro, que está ali para reger os instrumentos: luz, câmera, atores, o discurso, etc. Um belíssimo exemplo é quando George declara já ter ouvido de Steven que overdose não seria uma maneira ruim de se morrer. “You just get higher, and higher, and higher....” e quando Steven, do outro lado da sala começa a repetir também “higher and higher...”, Marty simplesmente faz um movimento com o braço indicando para a câmera fazer uma pan até chegar nele.
É esse equilíbrio entre protagonista e figurante que encanta. Ao mesmo tempo em que coordena tudo, muito ciente do que está acontecendo, é humilde e carinhoso. Não trata Steven apenas como um objeto temático ou um personagem, mas como um amigo.
Tão tenso de ter feito algo grande, com altas expectativas e responsabilidades, e ainda decepcionado com o resultado, resolveu se dedicar a algo que pudesse realizar rapidamente, entre amigos e sem grandes requisitos.
Tudo que ele precisava era de película, uma pequena equipe que fizesse o som e a câmera e um amigo cheio de histórias fantásticas para contar. Se verídicas ou não, isso não importava. O importante era a química entre Prince e Scorsese e Prince e a câmera. Ele domina o público com sua personalidade espalhafatosa e seus vários personagens, às vezes sombrio, outras hilário. Sem falar de sua presença física mesmo, muito marcante através da voz esganiçada, fundas olheiras, olhar esbugalhado, um jeito um pouco frenético e muito gestual de falar.
Entre momentos cômicos e absurdos, presenciamos também a vulnerabilidade de Prince ao falar sobre seu histórico com as drogas, a vez que matou uma pessoa e sua relação com o pai. Um dos depoimentos pérola é a descrição que mais tarde foi usada como uma cena por Quentin Tarantino em Pulp Fiction.
Assim, após mais ou menos, 12 horas de material filmado, 50 minutos foram selecionados na edição final, aos quais foi adicionada uma música de Neil Young, algumas cartelas e cenas de vídeos caseiros ilustrando o que seria a família de Prince.
O que nos leva ao segundo aspecto muito importante de American Boy: a aproximação do público através da exposição do dispositivo.
Seu tom quase caseiro e a intimidade com a qual foi realizado dá ao público a oportunidade de observar alguns dos procedimentos de feitura do filme, desde discussões sobre a quantidade de película no chassi, até frases como “Isso vai ter que ser editado, porque senão estragaremos o final da história”.
Vemos refletores que estão sendo usados como iluminação nos cantos do quadro e microfones “sobrevoando” suas cabeças. Percebemos a naturalidade do processo de filmagem, pela câmera na mão; sua mobilidade e enquadramentos soltos; o plano e o foco sempre ajeitados, à medida que as coisas acontecem e a maneira informal com que tudo está organizado. Por tudo isso, pelos cortes abruptos e pelo fato da câmera quase nunca filmar Steven de frente, que está quase sempre falando para Marty ou para todos, nos sentimos mais um no meio a roda de amigos, ouvindo histórias e dando risadas.
Ainda pensando em seu papel como maestro, aprendemos um pouco sobre Scorsese e seu processo como diretor e entrevistador, através de momentos em que percebemos que está guiando Steven, ao fazer pequenas perguntas que impulsionam o discurso e guiam a entrevista. Ou através do bloco de folhas que o acompanha sempre, certamente um roteiro com idéias e anotações de histórias que ele gostaria de colocar no filme.
A última cena é um epílogo que resume bem o sentido do documentário. Ao falar sobre o relacionamento recente com seus pais, Prince se vê requisitado a repetir-se algumas vezes, pois Scorsese acredita que o relato dramático foi contado de forma muito leviana. Acompanhamos a mudança no tom de voz e na forma com a qual ele fala e sentimos até mesmo que é doloroso falar seriamente daquilo.
Nesse momento temos todos os elementos a mostra: personagem, diretor e dispositivo e é onde Scorsese exerce mais ativamente seu papel, assumindo completamente sua função de regente, que antes poderia estar sublimada, mas que se pensarmos bem, estava sempre ali: na escolha do formato, na decisão de expor o dispositivo da filmagem, na única música de Neil Young “Time Fades Away”, etc.
. American Boy é um filme simples e sincero que não está em busca de nenhuma grande verdade, mas prova que qualquer dúvida que Scorsese ou qualquer um pudesse ter em sua vocação como cineasta é desnecessária.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Viajo porque preciso, volto porque te amo
Lembrando sempre que falo apenas dos filmes que pude assistir, os três que destaco na seleção competitiva nacional são, não por acaso, filmes que revolucionam, cada qual do seu jeito, a estética e a temática dessa geração cinematográfica nacional em que nos encontramos.
“Viajo porque preciso, volto porque te amo”, longa dirigido pela parceria de Karim Ainouz e Marcelo Gomes é um filme sensível e lindo. Uma beleza que não é óbvia, mas que advem da sutileza e do sofrimento de seu personagem principal, assim como da crueza e do lirismo sincero das imagens.
Ambos diretores haviam filmado e fotografado durante as buscas de locação ou até mesmo durante a produção de seus filmes anteriores que se passavam no nordeste brasileiro. “Cinema, aspirinas e urubus”, assim como “Céu de Suely” foram material bruto do novo longa feito pela dupla. Engraçado como aquele material de pesquisa, que teoricamente seria o rascunho dos filmes mencionados se transformaria em linguagem e memória de um novo personagem, completamente destacado e independente das histórias que contaram anteriormente.
Uma das coisas mais surpreendentes é que nada parece estar fora de lugar. Por mais que sejam usados diversos formatos: digital, película - 16mm, 35mm, Super 8 - máquina fotográfica, as imagens todas se encaixam na narrativa sofrida e à flor da pele desse personagem em constante deslocamento.
José Renato, protagonista que nunca vemos, mas que nos guia durante todos os 70 minutos com sua voz calma e forte, parte em busca de conforto e de esquecimento. Após o término com sua mulher, Joana, fato que só descobrimos após algum tempo de filme, o geólogo viaja a procura de consolo, na expectativa de poder voltar a viver sem sofrer, sem lembrar o tempo todo de sua galega. Ou simplesmente na procura de si mesmo, e de respiro, já que se encontra naquela situação em que não consegue se pensar desligado do outro e precisa descobrir essa sua nova identidade unitária e só e nem consegue ver a dor passar.
O processo de superação deste amor, pelo qual ele passa, momento com a qual quase todos podemos nos identificar, é tocante, emocionante e possivelmente até revelador. Ao acompanhá-lo, o espectador fica em um instante estado de "à beira de transbordar".
Não nos é apresentado dados externos sobre essa mulher ou sobre o relacionamento dos dois. Toda a fonte de informação que temos é a memória e a fala de José Renato. Ele mesmo não contextualiza muito nem tenta explicar porque teriam terminado, quanto tempo juntos teriam ficado e nem dá detalhes sobre a felicidade ou tristeza anterior. Fala como num fluxo de pensamentos, que se justificaria por ser um diário de bordo, já que esta viagem tem também um propósito profissional de avaliar a possibilidade de construção de um canal que resultaria da transposição das águas do rio São Francisco.
Entre lembranças e impressões de sua viagem, as divagações de Zé Renato vão formando uma colcha de retalhos, cada pedaço com uma beleza particular, com uma história rica de detalhes, se completando pelo diferente, se encaixando pelas imperfeições.
Marcelo Gomes fala que este filme surgiu da idéia de usar das imagens filmadas na busca por esse sertão místico já tão retratado, mas pouco conhecido, aquelas que mais os impressionavam e os emocionavam. Para isso, precisavam de um personagem capaz de abarcar toda a emoção, a tensão e os questionamentos pelos quais os diretores também passaram.
Fala também que esse filme foi um ótimo exercício para se pensar a arte-profissão que pratica.
“É difícil assistir o filme até o final, por ser tão pessoal. Mas ao mesmo tempo é ótimo, porque acho que fala muito do que nós acreditamos que é fazer cinema”.
Marcelo Gomes
Assim como as contradições das imagens mostradas, ora poéticas, ora sujas, ora inspiradas, ora borradas e tortas, o personagem passa por etapas comuns para alguém em sua situação, de confusão e insatisfação. Um dos momentos mais significativos talvez seja quando diz algo que pode ser compreendido como uma fala dos diretores em relação a sua profissão ou a esta região árida brasileira, ou simplesmente de José Renato em relação à Joana: “Sinto ondas abruptas de ódio e amor por você”.
Além disso, uma das melhores coisas do filme é não só sua complexidade de sentimentos, como a maneira com a qual lida com toda a tristeza e a desilusão. Não é um sofrer apocalíptico e sem esperanças. É um gosto amargo e um processo pelo qual ele sabe que precisa passar antes de ficar bem.
Viajo porque preciso, volto porque te amo é uma raridade da cinematografia brasileira que merece ser vista pelo máximo número de pessoas. Espero que motive outros a pensarem que é possível fazer um cinema delicado, autoral e brasileiro, com poucos recursos, mas bastante sensibilidade e criatividade.