segunda-feira, 19 de maio de 2008

I'm not there


“I’m not there” é pura poesia, pura canção, pura arte. É a busca por uma verdade e uma pessoa que não existem. É a constante mudança de alguém que não está lá.

O novo filme de Todd Haynes segue um caminho já iniciado por ele em 1998 com Velvet Goldmine. O estilo de biografias indiretas relacionadas ao mundo da música está presente também neste precursor, filme pelo qual Haynes ficou mais conhecido. Velvet Goldmine tinha como contexto a época do Glam Rock (anos 70) na Inglaterra e como maior inspiração e fio narrativo, David Bowie e suas diversas fases artísticas, mas misturando suas histórias com as de outros ícones da época como Loud Reed, Iggy Pop, Brian Ferry, dentre outros. Já esse, traduzido para o português como “Não Estou Lá” se inspira nas histórias, nas canções e na vida de Bob Dylan.

Sua personalidade é dividida, ou melhor dizendo, compartilhada por seis personagens. Logo na cena inicial estes são caracterizados por uma ou duas palavras apenas, mas no fundo tais adjetivos se encontram e desencontram por meio de todos eles:

O impostor - Um menininho negro (Marcus Carl Franklin) que aparenta mais velho pelo seu discurso e por sua grande habilidade de tocar o blues. Este aprende, em uma de suas viagens, que deve falar sobre seu próprio tempo, cantar sobre sua realidade. Tal momento é representativo da fase em que Dyaln era muito fã do cantor de blues Woody Guthrie, que no final dos anos 50, ficou gravemente doente, levando Dylan a visitá-lo num hospital em Nova Iorque.

O profeta - Um jovem sonhador e tímido (Christian Bale) que, com seu violão e sua gaita, homenageia o folk e cria músicas de protesto em meio a uma época de movimentos e acontecimentos decisivos no mundo. Momento em que o cantor se juntou a “rainha do folk” Joan Baez. Faz também alusão a um período, mais tarde, em que se converteu ao catolicismo.

A celebridade - Um ator mulherengo e grosseiro (Heath Ledger), mistura de Marlon Brando e James Dean, que tem um relacionamento conturbado com sua esposa e vive fugindo dos flashs. Fase representativa de suas pequenas participações no cinema, seu casamento seguido de divórcio e de seu acidente de moto.

A personificação do fantasma - Um cantor famoso e polêmico (Cate Blanchett), amado por alguns e detestado por seus antigos fãs, que acreditam terem sido traídos quando este mudou de estilo e temática. Momento em que Dylan mudou de folk para rock, com cenas fortemente inspiradas no documentário de 2005, dirigido por Scorcese “No Direction Home”. Parte também que exalta as dificuldades do artista com a mídia.

O poeta – Jovem (Ben Wishaw) que se denomina Arthur Rimbaud, narrador onisciente da história.

O fora da lei - Um herói popular tentando fugir do mundo e de seu passado. Esse personagem, interpretado por Richard Gere, faz alusão a alguns papéis interpretados por Bob no cinema e também a sua fase mais “escondida”, em que ele se isolou um pouco do mundo.

Todas essas histórias e pessoas completamente diferentes se juntam de maneira brilhante em apenas uma narrativa perfeitamente entrelaçada. Elas conseguem manter um ótimo ritmo e se infiltrar umas nas outras de modo equilibrado e inteligente. Tal habilidade faz um filme de duas horas e quinze minutos passar leve e despercebidamente.

A fotografia é outro mérito de “Não estou lá”. Seja qual for a história, com seu visual específico (documentário com narração e declarações de amigos e familiares, filmes do movimento “cinema direto” dos anos 60, ambientes rurais e cidadezinha bizarra, etc); os planos, a mistura de 16 com 35mm, as cores, o granulado, o preto e branco são lindos. Pode-se sentir a admiração pela temática e o tesão do diretor em realizar o filme a cada cena, cada travelling, cada encaixe de montagem e cada canto da imagem, preenchendo TODA a tela com sua lente anamórfica.

A trilha sonora é fantástica. Com músicas do cantor, interpretadas por ele e outros artistas, muitas vezes pontuando épocas e ajudando a narrar acontecimentos.

As atuações estão incríveis, destacando-se o desempenho de Cate Blanchett, que parece ter encarnado o cantor, desde o caminhar e os trejeitos até a voz e o sotaque.

Outro fator interessante são algumas discussões pertinentes que surgem: qual a validade de uma canção? Pode ela mudar o mundo? Ou então, uma música de protesto precisa ter literalmente uma causa? Ou basta ser sincera e verdadeira? O que é ser alguém? Somos os mesmos todos os dias? Essa e outras questões permeiam “I’m not there”, nesse que é uma das melhores cine-biografias do cinema. Mais uma vez Todd Haynes conseguiu humanizar um ídolo das massas e aproximá-lo da realidade do nosso dia a dia.

Os fãs do astro vão encontrar pequenas citações como fatos, capas de disco e respostas de entrevistas em todos os cantos do filme. Reconhecerão cenas, nomes e vozes. E se regozijarão com tamanha compreensão e sensibilidade do diretor ao contar sua(s) história(s).

E aqueles que não o conhecerem muito bem, vão ficar curiosos e se sentirão arrebatados por essa vida tão cheia de vida e essa personalidade tão cheia de personalidade que foi, é e será Bob Dylan.

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