terça-feira, 8 de setembro de 2009

Festival CineMúsica






Saindo do Rio sexta feira, às duas da tarde, concomitantemente a vários cariocas ávidos por aproveitar o feriado prolongado e dar uma merecida escapadela, passando por Piraí, Barra do Piraí e outros enfim, a viagem de quatro horas me trouxe a Conservatória, cidade sede do Festival CineMúsica.

Em sua terceira edição, o Festival, mais uma vez, prestigiou e homenageou nomes importantes da história do som no cinema brasileiro, atual e de outrora. Nomes como Carlos de la Riva, Juarez Dagoberto e Ricardo Reis são alguns dos que figuraram os prêmios e homenagens da sessão de abertura na sexta feira à noite.

Além de cinema e música, o evento trouxe também, através da parceria com o Senac, um setor gastronômico com degustações e aulas de culinária abertas para o público.

A estrutura do festival contou com a sala de cinema itinerante CineTelaBrasil, montada no fim da rua principal, ao lado de vários barzinhos e uma charmosa praça; uma reprodução do Cinema Metro Tijuca com 60 lugares construída pelo cinéfilo delegado da cidade e entusiasta do CineMúsica, Ivo Raposo, e um palco na Praça Central, equipado com duas telas de tamanhos diferentes, onde as atividades de dança e apresentações se desenrolaram.

Conservatória não é uma cidade convencional. Conhecida como a capital mundial da seresta, a cidade turística é talvez a única que conheço que fecha durante a semana. Pousadas, lojas, comércio funcionam de sexta a segunda. Se você estiver querendo um lugar pra ficar entre terça e quinta, vai encontrar sérias dificuldades. Mas bizarrices de lado, o clima era de festa. Todas as sessões foram gratuitas e contaram com a participação de pessoas de todas as idades.

Hernani Heffner, curador da mostra, chama atenção para o fato deste ser o único festival nacional voltado ao universo do som no cinema, área muitas vezes negligenciada, escondida pelo glamour da fotografia, do roteiro ou da direção.

O som é um aspecto que muitas vezes passa despercebido pelos espectadores, exceto quando há problemas na exibição, na legibilidade dos diálogos, ou dessincronização. Dessa maneira, quando mais difuso e incorporado à narrativa, menos notado ele é. Em sua totalidade, desde ruídos imperceptíveis e foley à mixagem geral, dividida em múltiplos canais, a trilha acaba sendo vista como um simples acompanhamento e não uma segunda forma de expressão, que não só complementa, mas adiciona significado a linguagem visual. Ademais, muitas pessoas não entendem que a captação do som envolve um processo todo diferenciado da captação das imagens. Cada um depende de regras e tecnologias diferentes e seus técnicos passam por desafios diversos.

Não só esses quatro dias foram uma oportunidade de se assistir os filmes e pensar sobre o tema, como também de discutir e aprender através de debates e entrevistas.

Juarez Dagoberto, ganhador do Troféu Personalidade Sonora deste ano, técnico de som desde a década de 50 e ativo até hoje no mercado, nos contou um pouco sobre suas aventuras ao longo destes anos, incluindo uma experiência quase morte nas filmagens de Fitzcarraldo com o diretor alemão, Werner Herzog. Através de suas histórias pudemos conhecer um pouco mais sobre detalhes técnicos, a evolução nos processos de gravação e mixagem e mudanças estéticas, e desmistificar algumas fortes críticas ao som no nosso cinema. Nos revelou que a causa de problemas de abafamento do áudio, dentre outros, seriam as próprias salas de exibição, não bem equipadas ou com materiais envelhecidos e mal cuidados, não permitindo a melhor percepção possível do trabalho da equipe de som.

O filho de Carlos de la Riva também compareceu para nos relembrar a vida de seu pai, que mudou os rumos da qualidade do som no filme brasileiro.

“Chamar profissionais da área é algo muito pouco prestigiado. Essas são pessoas com ensinamentos técnicos e expressivos que nos permitem compreender os desafios de diferentes épocas e assim, também, os processos criativos desde antes até hoje. É uma forma de eternizar a vivência desses artistas com carreiras de dezenas de anos e uma oportunidade de sabermos não só detalhes técnicos como a história de filmagens e suas dificuldades”. Ruy Gardnier – Assistente e Auxiliar de Curadoria

Houve ainda uma discussão sobre o pólo de produção cinematográfica em Barra do Piraí e uma leitura seguida do lançamento do livro Nas Trilhas do Cinema Brasileiro, apegado de textos de oito estudiosos do ramo, que tentam esclarecer questões importantes e fazer uma cronologia da trilha no nosso cinema através das décadas.

Alguns dos pontos altos da programação foram a apresentação da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, que lotou a praça central e fez muita gente dançar o baião das composições de Guerra Peixe; o documentário sobre a banda Mamonas Assassinas, que reuniu fãs e curiosos; o documentário emocionante sobre Arnaldo Baptista (Lóki) e as sessões infantis “Os Porralokinhas” e “O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes”.

O mais recente documentário de Lírio Ferreira, “O Homem que Engarrafava Nuvens”, gerou deliciosas discussões e emocionou pela sua capacidade de abarcar grandes momentos de nossa cultura através do baião e da vida de Humberto Teixeira. Um filme que vale a pena ser visto quando estrear nas salas de cinema.

A programação completa pode ser encontrada no site: http://www.festivalcinemusica.com.br/

Este ano provou ser mais um ano de consolidação do Festival, que promete continuar e tentar melhorar cada vez mais, mostrando filmes de boa qualidade e trazendo a tona o tema do som, de forma tanto analítica como poética.

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