segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ao som de Sympathy For the Devil

Andava pela Cinelândia. bzzz, bzzzz. Alô? Oi mãe. Não, ainda não tá chovendo aqui não. Tá, fica tranquila, daqui a 5 minutos vou pra casa. 
Termino de deixar o filme da máquina pra revelar e desço as escadas para sair. As ruas já estão molhadas. Gotas pesadas essas! Deliciosas. Aquele vazio das ruas da cidade do dia 28 de dezembro, ampliado pelo temor de se molhar. Então atravesso a rua e vou esperar meu ônibus.
Me dá uma vontade de ligar pra alguém.
Bom dia! tá aonde? porque eu estou no centro, na Cinelândia e está chovendo. Mas é daquelas chuvas que só refrescam. aqueles pingos grossos. mas que mantem a claridade do dia. _ Em questão de cor e luz eu diria que diminue a saturação, por causa do tempo nublado, mas sem perder em exposição. O contraste não é dos melhores assim de cara, mas com uma camera digital deve ficar bem bonito. _ Então. só te liguei pra saber se aí onde você tá, tá chovendo também. Porque se estiver, as chances de haver um arco íris por aí são grandes. 
E aí? Tem um arco íris aí?

sábado, 19 de dezembro de 2009

A filosofia de vida segunda Julia Child

Bom dia. Dois filmes que assisti nas últimas duas semanas e gostaria de comentar.
Comecemos pelo primeiro: Julie e Julia.
Dirigido por Nora Ephron, conhecida principalmente por seus filmes anteriores: Sintonia de Amor e Mensagem pra você. Como o trailer, o teaser e acho que até o cartaz já diziam, é baseado em duas histórias verdadeiras, dois livros serviram de base para a inspiração: My Life in France, de Julia Child e no homônimo, Julie e Julia, de Julie Powell.
O primeiro, escrito por Julia e complementado por cartas dela e de seu marido para amigos e parentes, conta sua experiência como mulher de embaixador à procura de uma atividade em Paris e a descoberta de sua paixão pela culinária.
O segundo é uma junção dos posts do blog de Julie Powell, que resolveu fazer as 500 e poucas receitas do livro "Mastering the art of french cooking" (escrito por Julia Child) durante 365 dias.
Independente de qualquer critério artístico cinematograficamente falando, esta resenha será focada no conteúdo.
Não dá pra negar, filmes americanos, em sua maioria, e principalmente hollywoodianos, tendem a contar uma história. De cabo a rabo, com o mínimo de arestas ou nós frouxos possíveis. Um conteúdo empacotado numa forma idealmente planejada para ser discreta, suave e eficiente. Por isso, o que tenho a dizer sobre a luz, o som e outras questões técnicas é irrelevante. Bem feitos, claro. E as atuações estão ótimas. Meu chapéu para Merryl Streep, pela enésima vez, que não encarna ou se torna seus personagens, mas dá vida e cor e luz e voz a eles. 
Além do mais, não foram esses aspectos que mais me chamaram atenção. O que me interessou foram essas personagens, a trajetória que seguem e as sensações que obtemos através de suas histórias.
O formato em montagem paralela é muito interessante, pois conseguimos observar as constantes aproximações entre a vida dessas duas mulheres, suas dificuldades, motivações, paixão pela cozinha e por seus maridos. Apesar das semelhanças e referências entre ambas, não creio que a montagem tenha tido a intenção de manter uma fluidez e imperceptibilidade nas transições, como alguns poderiam pensar e criticar por não alcançar, pois acredito que há uma divisão clara entre as seções que deve ser mantida não só por conteúdo, mas pela forma.

Certamente a narrativa de Merryl Streep carrega o filme, com todo seu charme e sua presença, não só em tamanho (falseado e aumentado dos 1,68 aos 1,88 em tela), mas na alegria que trasmite com seu sorriso e a graciosidade de seus gestos. Sua voz engraçada, feita sob medida para a personagem, além das caras e bocas emprestadas para Julia Child preenchem a personalidade cativante dessa mulher que superou dificuldades e preconceitos para se tornar uma cozinheira e lançar seu livro de culinária, vendido até hoje.

Julia Child pode ter sido apenas uma mulher na vida real. Pode ter tido muitos defeitos, nem ter sido tão interessante quanto vemos no filme. Mas essa Julia, a verdadeira, não é a que nos interessa, nem que interessava a Julie Powell. O que ela e nós temos é uma fantasia. Uma mulher maravilhosa que nos ajuda seja a cozinhar, seja a apreciarmos pequenas coisas da vida ou simplesmente a sorrir. A Julia Child do filme de Nora Ephron é uma inspiração idealizada, um mito, um símbolo. No caso de Powell, daquilo que ela gostaria de se tornar. Uma mulher amada, bem sucedida em sua vida profissional e em família e que pudesse praticar aquilo que gostasse no seu dia a dia. No nosso caso, uma alegoria do que um filme como esse pode nos trazer. Não importa se aquilo tudo não é verdade, contanto que nos traga conclusões boas ou úteis, reflexões, alegria. E o que mais me impressiona é termos essa revelação do mito a nosso alcance. 
Quando Julie consegue finalizar seu projeto e está radiante por causa da aceitação e do respaldo que está tendo recebe o telefonema de um jornalista que diz ter conversado com a senhora Child e que esta teria elatado sua visão negativa em torno da iniciativa do blog de Julie. Ela fica arrasada e nesse hora, seu marido, corretamente, esclarece: isso não importa. Essa Julia com quem ele falou não importa. E sim aquela que te inspirou, que te trouxe bons sentimentos e te impulsionou a ser melhor. E é isso. Sem rancor, sem maiores explicações, sem retaliações. Simplesmente um tablete de manteiga em sua homenagem e em agradecimento por toda a ajuda.
Ao longo dessas duas horas, acompanhamos as vidas dessas duas mulheres e crescemos com elas.
É muito bom quando podemos obter tamanhas compensações através de coisas tão simples, como cozinhar. Não só há uma mensagem de seguir atrás de seus sonhos (por mais "filme da Xuxa" que isso possa soar), como de apreciar aqueles que te amam e de ter paciência e saber lidar melhor com os obstáculos que surgem em nossos caminhos, mas principalmente, nos mostra que não há necessidade de abrirmos mão da fantasia. Deixemos ela fazer parte de nossas vidas e nos enriquecer.
Então é isso. Um filme feel-good sim e assumido, mas com subtextos que chegam mais próximos de nós do que esperaríamos.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Encontro com Lucrecia Martel



Mais um encontro memorável com uma cineasta. Desta vez, Lucrecia Martel.
A diretora Argentina dos filmes “O Pântano”, “A Menina Santa” e o mais recente, “A mulher sem cabeça”, estava no Rio esta semana e aproveitou para dar entrevistas e palestras, conhecer lugares e ainda falar com os alunos da UFF. O evento propulsor de sua vinda foi o III Encontro Internacional de Cinema e Educação da UFRJ. Nesta terça feira encontrou docentes e ouvintes na cinemateca do MAM para falar um pouco sobre o universo juvenil que se encontra em seus filmes e a utilização da narrativa na educação e formação de crianças e adolescentes, além de responder perguntas gerais de sua filmografia.

          Magra, cabelos longos e ondulados e sua marca registrada: os óculos bastante femininos. Apesar de pequena, Lucrecia domina o lugar com sua presença, sua voz delicada e seus comentários repletos de informação e experiência.
Começa se desculpando por não falar português e pedindo para que se não entendermos algo, dizer-lhe, para que possa repetir com mais calma. Depois pede para que façamos perguntas porque não se dá muito bem com um esquema de palestra.
De mãos tímidas a mãos mais seguras, o panorama de questões vai se formando e Lucrecia vai desenvolvendo complexas respostas que abrangerão desde sua infância até os processos de filmagem de seu último filme.
No encontro com a escola de cinema da UFF, falou principalmente sobre casting e seu trabalho com os atores, assim como sobre a importância do som.
Quando está no processo de seleção, não está atrás do mais talentoso ou do que mais se aproxima do personagem. O que ela quer é um entendimento entre diretor e ator. Diz que gosta de conhecer todos na filmagem, incluindo figurantes, porque para ser capaz de ir até eles e lhes pedir coisas precisa se sentir a vontade, precisa desse entendimento. Essa comunicação é mais importante do que uma suposta adequação ou perfeição.
Um outro ponto importante a se verificar é se o elenco escolhido funciona bem em conjunto. Esse é um cuidado que diz ter na hora do casting. Sempre pensar tal pessoa em relação a como ficaria com a outra, tanto na tela quanto pessoalmente.
Em relação à maneira com que lida com os atores, diz que não há método certo e nem mesmo UM apenas para com todos. É como se quiséssemos falar da mesma forma com sua sobrinha, mãe, tia e avó. Atores são pessoas estranhas, diz ela, caminham pelos limites da loucura, onde quase ninguém quer chegar.
Sobre ensaios, Lucrecia fala que não gosta de fazer testes de elenco com textos retirados do roteiro, para não desgastar as cenas. Cria outros textos, muitas vezes inspirados em situações corriqueiras de seu cotidiano e que se encaixem nesses personagens para que possam atingir a atuação/naturalidade desejada.
Na realidade, não gosta de repetir muitas cenas nem na hora de filmar. O máximo de takes que repetiu numa cena foi 11 vezes e achou desgastante demais.
Saindo um pouco do assunto, entrando na preparação da filmagem em si, não gosta de criar storyboardings, porque não consegue imaginar os planos e posicionamentos de câmera até estar no local com a luz montada, com a visão dos elementos reunidos... Pode pensar sim cores, tonalidades, enfim uma identidade visual com o fotógrafo e principalmente definir zonas de foco. Agora voltando...
Quando fala sobre seu trabalho com crianças e adolescentes, Lucrecia dá dicas importantes. “Não pode existir crianças profissionais de seis anos. E se existirem, serão pequenos monstros. Por isso procuro não chamar atores mirins e sim crianças sem muita experiência. E não lhes dou um roteiro com suas falas, porque quando se tem uma criança envolvida, que quer muito dar o melhor de si pro projeto, ela tentará ser o mais precisa possível. Vai tentar ler o que está escrito, incluindo as pausas, pontos e vírgulas. E tudo isso determina a forma dela falar.” Diz que se compararmos num programa de edição de som qualquer um telefonema de nossa mãe no telefone com uma cena atuada, perceberemos a diferença da freqüência do som de cada uma. A primeira sendo muito mais irregular, onde as frases não se terminam por completo, enquanto a outra será preparada, tanto na respiração quanto na disposição corporal para que cada frase seja dita correta e inteligivelmente.
Por isso, prefere conversar com as crianças, contando-lhes histórias e contextualizando sobre aquilo que terão que dizer nas filmagens, para que assim, os textos fiquem gravados em suas memórias. Gerando uma sobrecarga de informação e uma certa confusão, levando-as a falarem com a tal imperfeição e irregularidade sonoras que busca.
“Atores adultos são treinados para tentarem atingir um tom mais natural, eles têm esse tipo de preparação. Crianças precisam de ajuda”.
Já entrando no tema sonoro, Lucrecia falou do local cinema como um espaço preenchido por fluidos, como uma piscina. Só que em vez de água, esse fluido seria o ar. O som perpassaria esse ar através das vibrações atingindo fisicamente o espectador, sendo assim o único elemento do qual o público não pode se ausentar. Mesmo que tampemos os ouvidos, ainda escutaremos alguma coisa e saberemos o que está acontecendo.
“Podemos tampar o ouvido numa cena de esfaqueamento de um filme de terror, mas o barulho vai nos dizer o que se passou”.
E complementa:
“Cinema é composto de imagens e sons. Muitas vezes, não é tão importante entender o que se está dizendo, contanto que se entenda que é um diálogo romântico, ou uma briga, etc”.
Com o intuito de gerar uma atmosfera sonora, a diretora comenta que muitas vezes escolhe com a direção de arte objetos como geladeiras ou ventiladores que tenham um barulho, uma cor sonora para preencher o ambiente.

Lucrecia foi sincera quando questionada sobre sua formação numa universidade pública.
“Não me ajudou muito, na verdade. Minha universidade não tinha muitos recursos e as aulas eram esparsas. Estudei durante a crise Argentina e as verbas eram mínimas. Então acabamos lendo por nós mesmos e vendo muitos filmes. Essa foi nossa formação. Não acho na verdade que seja necessário ter aulas de cinema para trabalhar com isso. Porque grande parte do aprendizado se obtém muito rapidamente praticando e a outra vem da vivência, do seu conhecimento, da sua intuição”.
No tema sobre suas motivações para a escolha do cinema como forma de expressão, Lucrecia admite que se escrevesse bem, provavelmente seria escritora. Sua carreira como cineasta foi acidental. Segundo ela “meu pai tinha comprado uma câmera filmadora quando eu era pequena e disse - Essa câmera custa tanto quanto um carro. Então quem quiser usar vai ter que ler o manual. – eu li, porque nessa época gostava mais de ler manuais do que literatura. Filmei bastante cenas familiares e filmes de cowboys com meu irmão, mas sem nenhuma pretensão de trabalhar com cinema. Na minha cidade ser cineasta era tão difícil quanto ser astronauta. E olha que eu já quis ser astronauta!”
Fazia escola de animação, não só por seu interesse narrativo como por um aspecto quase científico de observação e controle da realidade. Nessa época, seus colegas resolveram ir para a faculdade de cinema e ela resolveu ir junto para segui-los. Depois de um inesperado sucesso de seu curta metragem, outra surpresa: o roteiro de “O Pântano” recebeu o prêmio do Sundance Film Festival. A partir daí, seus dois outros filmes tiveram a produção de Almodóvar.
Agora, que não tem nada para compartilhar com o público, Lucrecia está em busca de outros modelos narrativos.

No debate que aconteceu no Instituto Moreira Salles na última sexta feira, (4 de dezembro) a diretora mostrou ter uma visão pragmática do cinema por um lado, mas também fantástica por outro.

Acredita na diversidade cinematográfica, na necessidade de produzirem-se filmes dos gêneros mais variados, desde açucarados hollywoodianos a filmes cabeça. “Não importa se é bom ou ruim. Há filmes para determinados momentos. Depois dos gregos, ninguém criou tantos mitos quanto os americanos criaram”.
Admira a mentira fílmica. “Tudo no cinema é falso. Acho fantástico. Pessoas que não são da mesma altura parecem ser, corpos que caem do segundo andar sem se machucar, etc. Até os atores que choram sem necessidade de estarem sofrendo. Não acredito em torturá-los. Não suporto ser torturada”.
Já num âmbito menos prático, a roteirista de “La cienaga” comenta acreditar no poder de apropriação que o cinema, assim como outras formas narrativas, possuem em relação ao que está a nossa volta. “Quando se conta uma história sobre uma casinha no alto de uma montanha ou se filma uma base prolífica, está-se criando afecção em torno desses lugares. Se alguém tentar destruí-los mais tarde, haverá pessoas que tentarão conservá-los e protegê-los”.
Essa apropriação nos leva ao segundo ponto que tocou na palestra, a transformação da realidade através da narração. “A realidade é o que queremos que ela seja. Não acredito num real uno e definitivo. Por isso gosto de cineastas que mostrem o mundo com mais fluidez, sem defender uma determinada realidade como certa ou natural, como Buñuel ou Aldrich”.
Depois de tudo isso ainda deu tempo de comentar assuntos políticos da Argentina e da América Latina.
Impossível relatar todas as suas respostas aqui. Tentei resumir ainda que seguindo fielmente seu discurso, para dar uma idéia de sua sensibilidade como diretora e capacidade de transmitir suas idéias de forma descontraída e inteligente ao público curioso e admirador de sua obra.