Copacabana
Nome estranho para um filme francês… Diferente de possíveis expectativas, o título vem de um fascínio da personagem central, interpretada por Isabelle Hupert, por músicas brasileiras.
Um “feel good movie”, um filme “safe”, que não corre riscos. Conta a história de uma mulher nos seus 50 anos, que depois de ter viajado bastante, vivido muitas histórias e conhecido muitas pessoas, se vê no momento de conseguir um emprego para, dentre outros motivos, ser levada a sério por sua filha de 20 e poucos anos, que depois de ter vivido todo este tempo se deslocando, quer estabilidade e segurança e se possível, distanciar-se ao máximo dos modos liberais e espalhafatosos de sua mãe. É uma simples inversão de valores: a mãe, protótipo da ex hippie, que se veste alternativamente, deve dinheiro aos amigos e que não sabe lidar bem com responsabilidades, em oposição a filha, conservadora, que vai se casar com um cara certinho e que se sente envergonhada de ter uma mãe assim.
Chega o momento então de Isabelle Hupert provar para sua filha que pode ser uma pessoa responsável, confiável e que consegue manter um emprego por mais de uma semana. Para isso, acaba passando um pouco por cima de certos valores, mas de seu jeito se adapta a nova vida.
É bom ver um filme leve, de comédia com essa grande atriz francesa, que acaba muitas vezes presa ao esterótipo de papéis pesados e dramáticos.
A visão do Brasil segue deturpada e idealizada, como em tantos filmes estrangeiros, e o encaixe da trilha sonora na montagem, por sinal cheia de canções brasileiras ótimas, é um tanto deslocado, mostrando que apesar de haver um interesse, não há grande entendimento da nossa cultura.
Mais um filme francês que eu encaixo na categoria “Simpáticos” e que oferecem boa distração.
Cópia Fiel - isto é apenas uma pincelada no que pode ser dito sobre este filme.
Filme mais recente de Abbas Kiarostami, pelo qual Juliette Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, “Copie Conforme” como no original, envolve uma série de questões e possíveis reflexões, embaladas por atuações fantásticas, timing delicioso entre silêncios e falas, desenvoltura na relação entre os personagens, uma decupagem precisa e escolhas estéticas de luz e enquadramentos maravilhosas. Ainda preciso assistí-lo mais vezes para poder explorar melhor os temas abordados, mas de forma rasa, posso apontar a questão mais óbvia, tema do livro do ator masculino central: a arte e a relação entre a cópia e o original, que também acaba abordando a questão de autor e de gênio. Além disso, temos uma lenta transformação da relação dos personagens que acaba confundindo o espectador, que se perde entre invenção e realidade. Não sabemos mais se o que está acontecendo é um jogo entre os dois ou algo que não nos foi revelado. De qualquer forma, isto não parece ser algo importante e sim o simples fato desta mistura ser possível através do cinema. Que me traz a outro tema: ficção e documental, linha esta que sempre atraiu Kiarostami em sua forma de construir os filmes: seja através da escolha de não atores, ou da improvisação, ou o uso de câmeras digitais e o aspecto cru e espontâneo da imagem, ou o aparecimento da equipe de filmagem na tela, ou até mesmo o tema que parece forçar esta barreira, a obra de Kiarostami sempre esteve no limiar destas duas linguagens, nos mostrando que é impossível saber o que é real ou não e até mesmo que não existe o real, existe apenas representação.
Além de todas as questões, pode-se dizer, filosóficas, há a simples, que de simples não tem nada, relação entre o homem e a mulher, que parece ser a mais intrigante e misteriosa do filme.
Todos estes aspectos, combinados com os elementos técnicos que mencionei antes, se juntam para formar um filme excelente e delicioso de se assistir.
Cortina de Fumaça
Pode se dizer que o filme se divide em duas partes. A primeira metade é um estudo detalhado sobre o histórico e as diversas funções da Canabis, planta que dá origem a maconha. Desde seu uso religioso passando pelos medicinais e aos mais comerciais, esta seção do filme tenta desmentir certos mitos em torno da maconha, desbancando-os um por um e mostra que ela não apresenta tantos riscos e malefícios, como costuma ser divulgado na mídia. O filme mostra também que a planta faz parte da história do homem e chega a revelar que temos até mesmo uma parte do cérebro, de nossas ligações nervosas, voltada diretamente para receber impulsos da droga. Enfim, é interessante, mas em dado momento, a edição se concentra numa feira de produtos extraídos da canabis e o filme se prende a um lado da comercialização de seus subextratos por bastante tempo. Mais interessante é vermos médicos defendendo a planta como benéfica em diversos casos de doenças como câncer, dentre outras.
Curiosidades de lado, a conclusão desta primeira parte é que quase nunca temos todas as informações necessárias para julgarmos algo como bom ou ruim. Além disso, nem sempre esta, que é considerada uma droga prejudicial, apresenta realmente apenas malefícios para o homem. Ressalta-se também que, como muitos sabem, a maconha não apresenta riscos de overdose, não mata neurônios e causa bem menos danos que drogas legalizadas como o álcool ou o cigarro.
A partir daí, passamos para a segunda parte do filme, onde entramos numa discussão mais centralizada, que concerne o Rio de Janeiro, o Brasil e a legalização das drogas. Através de entrevistas com advogados, policiais, médicos e especialistas em geral, temos um panorama de diversas áreas e suas posições em relação ao sistema de proibição que vivemos hoje. Mais uma vez temos uma contextualização histórica interessante, que mostra o estopim da Guerra as drogas, iniciada por Nixon nos Estados Unidos nos anos 60. Acompanhamos a falta de informação por parte da mídia e a hipocrisia na forma de lidar com o tema, não só em nosso país como ao redor do mundo.
Podemos concluir instintivamente que dentre aqueles que não apóiam a legalização das drogas, existem as pessoas que têm medo do desconhecido, aquelas que lucram ou se beneficiam de certa forma com a proibição e as mais conservadoras que não querem nem ouvir falar do assunto. Infelizmente o filme não apresenta estes pontos de vista, que poderiam gerar uma discussão interessante e um confronto de argumentos, tanto favoráveis quanto desfavoráveis. Por ser unilateral e defender apenas o ponto de vista “liberal”, ele se apresenta como um manifesto, político e social, que se pretende como porta voz de uma mudança necessária no nosso modo de encarar o tema e se possível, um porta voz de mudanças no próprio sistema.
Para defender a liberação, temos argumentos como o de:
Liberdade de escolha – quando o dano é individual, cada um deve poder escolher o que fazer consigo mesmo.
O absurdo que é a situação em torno da legislação das drogas – quase sempre quem é preso são os bandidos menores, que superlotam cadeias e são facilmente substituídos na cadeia alimentar do tráfico. Sem contar que essas pessoas, quando soltas, não possuem nenhuma perspectiva de sair desta vida.
A maconha como principal foco do tráfico – sabe-se que a maior parte do consumo de drogas aqui é a maconha, que como demonstrado na primeira parte, não é esse bicho de sete cabeças. Os outros tipos são consumidos por cerca de 2% da população mundial e é um pouco absurdo criar legislações tentando controlar o que estes 2% fazem, ainda mais, em detrimento deles mesmos e não de outros.
A conclusão de que do jeito que está não dá – a luta entre polícia e traficantes é uma maneira injusta, cruel e ineficiente de conter os danos causados. Além disso, as próprias UPPs, que parecem apresentar uma forma um pouco melhor de combate, sem o uso excessivo da violência, é uma medida muito concentrada em favelas da Zona Sul.
Etc…
Não acho este assunto simples e não acredito em uma solução fácil, mas concordo que do jeito que está não dá. Ficar insistindo no erro não vai nos levar a lugar nenhum. Por isso, espero que o filme seja visto por muitos e possa gerar democratização da informação e debates e quem sabe, até propostas de mudança.
Curling
Denis Coté foi eleito por mim como o melhor convidado do Festival. Simpático, tranquilo, autosuficiente, engraçado e aberto para conversas de bar, Denis fez sucesso entre aqueles que trabalharam comigo no hotel ou pessoas do receptivo, que o acompanharam em suas atividades diárias. Conversamos sempre em francês. “Tenho que ter cuidado pra não falar rápido demais, senão você não vai entender nada” – disse ele me prevenindo de seu sotaque canadense de Montreal.
Aprendi um pouco sobre o panorama do cinema canadense, que aparentemente produz bastante, considerando o tamanho de seu país, ou melhor, de sua área, porque existe claramente, segundo ele, uma divisória entre a parte francofônica e a anglofônica.
Frequentador de festivais assíduo, Denis já viajou pra diversos países, mas era sua primeira vez no Brasil. Alto, com tatuagens em ambos os braços e bem branquinho, não se incomodou com o tempo fechado. “Não sou do tipo que adora praia.” Em contrapartida, se encantou em conversar sobre futebol bebendo cerveja Antartica no baixo Botafogo com autênticos brasileiros.
Mas vamos ao filme.
Curling é seu sexto longametragem e aquele que mais demorou para fazer. Os outros 5 foram realizados em 5 anos total e este demorou 3 anos desde o roteiro até ser finalizado. Denis diz não saber muito bem de onde sai a inspiração para escrever. Ele tem uma idéia meio solta e começa a desenvolver daí.
Basicamente o filme fala de dois personagens, pai e filha, que vivem a margem da sociedade. Pessoas alheias ao mundo que não sabem se relacionar muito bem com o que lhes é externo. A filha não vai a escola e é educada pelo pai, por isso não tem amigos. O pai é um homem calado, que trabalha num ringue de boliche.
Denis disse que, sendo um país muito frio, em que durante os meses do inverno quase ninguém quer sair nas ruas e um clima de tédio se instala, o Canadá é cheio dessas pessoas, que parecem se esconder em suas casas. Ficou intrigado com isso e resolveu criar algo em cima desta premissa.
O filme cria muito bem essa noção de distanciamento da realidade, através de seu timing, da troca entre silêncios e diálogos, da forma fria com a qual a menina fala da mãe chamando-a pelo nome (Rosie), dos estranhos rituais que os personagens mantêm em seus cotidianos, das atuações fantásticas dos dois que passam inexpressividade e quase indiferença através do olhar. Além disso, o filme nos oferece elementos de estranhamento que podem ser interpretados de diversas maneiras. Essa multiplicidade de interpretações e até mesmo a diversidade de gostos é algo que agrada Denis. “Eu adoro quando vejo que as pessoas estão pensando em coisas completamente diferentes sobre meu filme. Se em uma platéia de 200 pessoas, todas estiverem batendo palmas no final, aí sim temos um problema. Isso não seria normal.”
Ao longo do tempo, os personagens vão passando por mudanças sutis até chegarem a uma certa urgência de se aproximarem do mundo lá fora. Me agrada muito a autenticidade com a qual ele consegue tratar deste tema ligeiramente convencional (mudança do personagem) - através de um processo que é mostrado de forma delicada, ao mesmo tempo que estranha. Os planos e a fotografia em geral são lindos e bastante conscientes. A segunda cena, com os dois andando na beira de uma estrada enquanto neva muito é linda demais.
Tentei falar mais sobre o clima do filme e não de sua história, porque creio que é o ambiente que consegue passar a sensação de isolamento, mais do que qualquer coisa.
É um filme intrigante, com escolhas visuais marcantes e um tempo narrativo interessante, que merece ser visto.