sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Salvem a KODAK


De todas as notícias assustadoras que vislumbro no jornal todas as manhãs, uma das que mais me assustou foi a da possível falência da maior empresa de filme negativo do mundo.
Não queria entrar nos méritos da “notícia”. Mas já entrando… com seu título sensacionalista ou simplesmente determinista, em que o jornalista parece decidir o destino antes mesmo de decisões serem tomadas (O fim de um era.). Não há dúvida na frase. Um ponto seco. Tot.
Eu não quero nostalgia. Não quero linhas do tempo ressaltando os bons momentos desta “doce jornada”, ou entrevistas com fotógrafos que dizem sentir pena de ver esta grande empresa saindo de suas vidas. Ela, que cresceu com eles e lhes proporcionou tantos conhecimentos antes da era digital vir para solucionar todos os problemas. (rhm rhm, não)
Impressionante como tudo depende do enfoque que se dá né? Publicitários e jornalistas são os que mais usam e abusam desta categoria.
O jornal de hoje, através de sua folha inteira com notícias relacionadas ao “fim da era”, traz como motes duas premissas, que ficam na cabeça no leitor como certezas: 1 - já acabou. 2 – quaisquer vestígios de pena e nostalgia são compreensíveis, mas as pessoas “devem” entender que é apenas isso, porque como o fotógrafo entrevistado diz, a fotografia digital veio para resolver tudo.

Cheguei ao ponto que queria, discutir a validez deste argumento tão raso, mas tão repetido como mantra: a era digital é uma evolução da era analógica.
Isso é uma grande besteira.
Não sou anti digital, não tenho nada contra o surgimento de novas técnicas. Pelo contrário, quanto mais possibilidades, melhor para o usuário. O que nego é a crença completamente injustificada de que o digital veio para suplantar o analógico, por ser melhor, ou mais eficaz.
São duas maneiras DIFERENTES. De fazer, de se chegar aos resultados, de experienciar.
É completamente diferente ir ao cinema e assistir um filme no computador, assim como é diferente ouvir um vinil e um mp3, ler um livro ou um e-book e fotografar analogica ou digitalmente.
Os rituais são diversos, os tempos, o manejo, as expectativas, etc.
Sem contar com uma das melhores coisas, a qualidade. Fita K7, vídeo, dvd, cd, disquete, bla bla bla. Tudo isso vem e vai, mas os bons e velhos vinis e películas permanecem sendo as maneiras mais fiéis de se registrar e, sobretudo, confiáveis de se guardar informação. São processos materiais, que dependem apenas de processos físicos e químicos, mágica que acontece diante de nossos olhos.
Não estou dizendo para voltarmos a escrever em máquinas de escrever. Mas que exista essa possibilidade pra quem quer.
Sei que vivemos num mundo capitalista e que a KODAK, assim como outras empresas, devem seguir as regras de demanda e oferta e toda essa idiotice que a gente finge fazer sentido. Mas se existe a chance dela continuar, através de um perdão das dívidas, que seja com apoio de pessoas como nós, que seja com torcida organizada, que seja com ajuda, com dicas para solucionar.
É possível pensar que deve ter sido difícil conformar os gastos de uma empresa deste porte, com o baque que sofreu e numa velocidade tão rápida quanto foram os últimos vinte anos.
É preciso pensar em medidas. Usar lucros de outras áreas (impressoras, as próprias máquinas digitais) para sustentar os gastos dos filmes, por exemplo. Sectorizar, criar novos mecanismos de escoamento da produção. Fazer parceria com a LOMO, que aumenta suas vendas cada vez mais, e tudo através de um pensamento de estilo de vida analógico. Tudo isso e muito mais pode fazer parte de um plano de recuperação. Não quero caridade para a KODAK. “coitadinha, vamos levar pro abate ou dar uns aninhos de vida”? NÃO!
Quero que se entenda que pra muitas pessoas essa tecnologia “antiga” faz diferença, uma grande diferença. Que algo que provou seus resultados tantas vezes merece apoio, merece a chance de ser (re)conhecido pelas próximas gerações.

Há certas coisas que valem a pena salvar! There are some things worth saving. Admito que o uso hoje em dia é quase irrisório em comparação a quantidade de filmes vendidos antes. Claro, hoje em dia a maioria das pessoas têm máquinas digitais. Muitos jovens nem nunca usaram uma câmera analógica. Como também, muito estão se interessando e indo atrás das velhas tecnologias, seja pela experiência, seja pelo movimento hipster, por curiosidade, por nostalgia, ou simplesmente por acreditarem que os produtos antigos e algumas de suas técnicas possuem não só características diferentes, que possibilitam outros resultados, como têm uma resistência ao tempo muito maior. “Feitos pra durar”
Não há porque uma coisa acabar com a outra. Elas devem conviver.
Não vamos deixar que a pressa, a necessidade (inventada) de resultados rápidos e a vontade de custos mais baixos acabem com a nossa liberdade de escolha (no plano simbólico) e com uma das maiores representantes dessa técnica fantástica (no plano prático).