sexta-feira, 1 de maio de 2009

Serbis


Filme filipino de 2008 dirigido por Brillante Mendoza, sobre uma família que ocupa um velho cinema no centro da cidade. Os membros da família: avó, mulher com filho e marido, um sobrinho com uma namorada grávida, outro sobrinho e uma filha adotada. Cada um tem uma função no andamento do cinema, seja como vendedor de comida, bilheteiro, pintor dos posteres ou projecionista.
Esteticamente, o filme é bruto, câmera na mão que acompanha os personagens. As imagens, por mais que demonstrem o estado deplorável dos personagens e do local onde estão situados, são compostas por um bom contraste, realçando as cores. A luz entrando constantemente pela parede e formando desenhos luminosos nas escadas do prédio cria um efeito interessante.
Serbis apresenta um retrato decrépito dessa família assim como da sociedade e do cinema como instituição artística. A avó que não admite o marido tê-la deixado e formado outra família, e por isso processa-o, a mãe que è apaixonada pelo primo, o primo que mantem encontros sexuais com um travesti apaixonado por ele e frequentador da sala de cinema, o sobrinho que tem uma namorada jovem grávida e a criança em meio a todo esse universo confuso e feio.
Cada um com seus problemas ajuda a compor o quadro dessa família decandente, que mantêm com muitas dificuldades uma única sala que ainda funciona das três antes existentes nesse cinema chamado Family, hoje, ironicamente, permitido apenas para maiores (teoricamente), devido ao seu conteúdo pornográfico, situado numa esquina tumultuada e movimentada do centro da cidade. O que vemos no filme são alguns momentos prévios ao que parece ser a queda desse “sistema” que ainda funciona, se è que pode-se dizer isso. Ou pior, apenas momentos deprimentes de hipocrisia que continuarão a se sustentar adinfinitum.
O entorno ajuda a compor o caos que presenciamos no interior. Muito barulho o tempo todo, como se estivéssemos diretamente expostos a rua, muitos carros, etc.
Na questão da sociedade a crítica vem sutilmente em cenas como um rapaz que finge ter tido o troco certo e logo depois usa a nota que, segundo ele, nunca teria recebido ou os valores morais estritos como o catolicismo que proibe a menina de abortar até uma mãe que vai buscar seu filho de 16 anos no cinema durante uma sessão.
O paralelo com o cinema vem do fato de hoje em dia tantas salas de rua estarem ou sendo fechadas ou transformadas em Igrejas (no caso do Brasil) ou como no filme, virarem centros de encontro para gays, prostitutas e sedentos por pornografia.
O cinema como arte não figura em lugar nenhum de Serbis. Este é um mercado, pura e simplesmente. Uma oportunidade para a família se sustentar, assim como uma moradia, um processo mecânico para o rapaz que faz a projeção, um abrigo para um bode que aparece do nada, uma fuga para um ladrão e um encontro de comércio de sexo.
Apesar dos aspectos interessantes mencionados, dos personagens e da originalidade do tema, não è sensacional. Talvez por ter achado um pouco superficial ainda, ou simplesmente pela visão pútrida que me incomoda, pessoalmente.

Manhattan


Eu nunca me canso de ver Manhattan.
Ontem pela primeira vez tive a oportunidade de ver no cinema. O efeito foi o mesmo, mas melhor e maior.
Quase sempre corro para chegar nas seções porque saio em cima da hora de casa. Mas ontem, sabia que nao podia chegar nem 5 minutos atrasada, pois Manhattan não começa como a maioria dos filmes de Woody Allen. Não há uma introdução com os letreiros e uma musica de jazz contagiante para so depois a historia começar. Os primeiros cinco minutos de filme são essenciais, não so para entender o personagem como para entender o diretor. Vc pode ter ouvido falar da paixão de Woody Allen por nova york ou pode ja ter percebido em diversos de seus filmes, mas este nao tem comparação.
A combinação de seu texto incerto, repetido diversas vezes ate atingir a perfeição do sentido desejado com a fotografia preto e branco impecavel de Gordon Willis e a música sensacional e deliciosa de George Gershwin fazem uma mistura perfeita. Um dos melhores inicios de filme de todos os tempos, eu digo. Mesmo arriscando um certo exagero.
Dai, dessa introdução, ficamos sabendo do amor do personagem por sua cidade, que está escrevendo um livro e ainda alguns de seus valores como a nostalgia por um tempo em que nao havia tanta publicidade, televisao, videogame e varios outros sinais de uma nova era, da velocidade e das maquinas.
O filme segue para nos introduzir quatro personagens centrais do filme, que na realidade são quase todos os personagens que acompanharemos, com excessão de uma, elemento que vai mexer com a relação dos dois casais. Eu poderia falar sobre cada cena, ja que acho praticamente todas memoraveis, mas tentarei resumir minha admiração através de aspectos não tão detalhados.
Direi por exemplo que é um roteiro muito bem pensado, de forma a podermos acompanhar no ritmo certo o envolvimento dos personagens e o desenvolvimento de suas diferentes relações gostando e entendendo todos.
A fotografia, mais uma vez, é deslumbrante. Algo que se tornou comum em alguns de seus filmes e que aprecio bastante são as cenas de planos abertos que nos permitem uma visão geral, observando o movimento dos personagens enquanto ouvimos o diálogo. Seja no apartamento dele, enquanto desce a escada para ir ao encontro de Tracy, sentada lendo, ou quando Diane Keaton sai do taxi com Woody e os dois vao se aproximando da camera enquanto conversam, ou simplesmente a cena mais memoravel dos dois sentados num banco, as beiras do rio, de frente para a ponte do Brooklyn.
Outro elemento bem característico nesse filme são as cenas que começam por um plano de algo ligado aquilo que ouvimos, mas que ainda não nos dá todas as informações. Seja o plano contra plongé das arvores enquanto os dois andam de cavalo pela ruas de Nova Iorque, onde so depois vemos o casal sentado ou o plano detalhe do gravador de Woody enquanto este discursa sobre o que faz a vida valer a pena.
Os tons de preto e branco, cheios de cinza apresentam contraste moderado, não sendo nem sombrio, nem claro demais. Os planos são bem construidos, com enquadramentos interessantes e plasticamente bonitos. Simplicidades como uma sequência de telefones em perspectiva enquanto Isaac (personagem de Woody Allen) fala ou as persianas semi fechadas nos permitindo uma visão incompleta da cena por detrás ou Isaac e Tracy deitados na cama comendo comida pronta e vendo televisão.
No meio de tudo isso, há ainda espaço para ótima atuações, incluindo a linda Merryl Streep, diálogos engraçadíssimos e uma reflexão sobre a vida e relacionamentos. Sem esquecermos a trilha sonora super bem encaixada, composta por diversas canções de George Gershwin, onde encontramos clássicos como “Someone to watch over me” e “He loves, and she loves”. A trilha, além de criar um clima de fantasia e romance por si só, tem duplo efeito pelo fato de já ter aparecido em diversos musicais como Um americano em Paris ou Funny Face, gerando ainda uma nostalgia por um tempo em que Hollywood fazia tudo parecer mágico e belo.
As últimas cenas, desde Isaak falando para seu gravador, até ele correndo e encontrando Tracy e o pôr do sol em meio aos prédios novaiorquinos, ao som de Rhapsody in Blue igualam a importancia e maestria da abertura. Em poucos minutos Woody nos fala como a arte em suas diferentes formas (de Flaubert e Cezanne a Louis Armstrong e Grouxo Marx) são pequenas grandes distrações que fazem a vida valer apena em meio ao caos e sofrimento e ainda nos mostra uma menina de 18 anos dando uma lição em questão de amor, por mais brega que isso possa soar. “Not everybody gets corrupted, you need to have a little faith in people”.
É um filme íntimo, sensível e doce. Certamente estou deixando pra trás aspectos importantes , mas posso sempre rever Manhattan e descobrir coisas novas. Essa é a beleza do negócio.